Do outro lado do véu

Do outro lado do véu

Jorge Linhaça

Quando eu transpuser a ponte da carne, centenas, talvez milhares de estranhos venham me receber, entre eles alguns rostos conhecidos, verdade, mas na maioria pessoas das quais sequer imaginei as feições. Deverei sentir-me estranho, talvez apavorado, talvez alegre, talvez tão pasmo que nem saiba o que pensar ou sentir. Afinal será uma experiência nova, algo inusitado. Talvez venham em pequenos grupos para evitar constrangimentos, alguns mais alegres outros mais reverentes, outros mais curiosos, afinal alguns estarão esperando a séculos para dar-me um abraço. Os mais tímidos, lá no fim do pelotão poderão comentar:

Nossa como ele é alto... Nossa como ele é baixo... Que gordo!...Que lindo!...Que feio!...

Mas apesar de todas essas qualidades/defeitos ali estarão para ver quem é o homem que os caçou ao longo da história, que destrinchou letras quase indecifráveis para saber de sua existência. Que cumpriu sua função da melhor maneira possível, ainda que fosse o menos dos prováveis a realizar o trabalho.

Sua alegria será a minha alegria e, para alguns, o seu desapontamento será o meu desapontamento, pois nem a todos eu pude encontrar gravados nos registros, várias vezes revisados e esmiuçados. Algumas pontes estarão faltando para unir fulanos e beltranos, mas fulanos e beltranos, ainda que separados, estarão ali.

Outros não terão dado importância ao meu trabalho e permanecerão distantes, ausentes desse (re)encontro, mas a escolha não é minha.

Talvez alguns imaginem que isso é loucura, presunção, ou coisa parecida, mas outros estarão entendendo bem do que falo.

Alguns estarão imaginando um quadro semelhante em sua chegada ao outro lado do véu...outros imaginando que ainda hão de percorrer um longo caminho para isso, mas toda grande viagem começa com um primeiro passo, e não deve ser abandonada nos primeiros obstáculos.

História da família é assim...uma alegria a cada encontro, uma caixa de surpresas a cada porta aberta...às vezes nos deparamos com um baú praticamente vazio e em outras com tesouros inestimáveis de registros ...quanto mais avançamos mais nos damos conta de quantas pessoas podemos abençoar com esse trabalho.