Nosso Velho Homem foi Crucificado

 
Por João Calvino
 
Porque, se fomos unidos com ele na semelhança da sua morte, certamente, o seremos também na semelhança da sua ressurreição, sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como escravos;” (Rom 6.5,6)
 
“Porque, se fomos unidos com ele na semelhança de sua morte”. O apóstolo confirma o argumento que previamente apresentara, fazendo uso de expressões mais claras. A comparação que introduz remove toda e qualquer ambiguidade, visto que o nosso enxerto significa não só nossa conformidade com o exemplo de Cristo, mas também com a união secreta [=areanam coniunctionem], por meio da qual crescemos unidos a ele, de tal forma que nos revitaliza pela instrumentalidade de seu Espírito e transfere para nós o seu poder. Portanto, assim como o elemento enxertante tem a mesma vida ou morte do ramo no qual é enxertado, também é razoável que sejamos plenamente participantes tanto da vida quanto da morte de Cristo. Se formos enxertados na semelhança [=in similitudinem] da morte de Cristo, visto que sua morte é inseparável de sua ressurreição, então à nossa morte seguirá a nossa ressurreição.
 
No entanto, as palavras podem ser interpretadas de duas formas, a saber: ou que somos enxertados em Cristo na semelhança de sua morte, ou que somos simplesmente enxertados na sua semelhança. A primeira redação exigiria que o dativo grego, ó|ioiiíiuati, se refira ao modo de nosso enxerto. Não nego que isto tem um sentido mais profundo, visto, porém, que o outro significado é mais apropriado à simplicitude da expressão, preferi usá-la aqui. Faz pouca diferença, entretanto, visto que ambas equivalem à mesma ideia. Crisóstomo sustenta que, pela expressão "em semelhança de homem" [Fp 2.7] ele quer dizer "sendo feito homem". Parece-me, contudo, que existe na expressão mais importância do que simplesmente isto. Além de referir-se à ressurreição, parece achar-se implícita a ideia de que não passaremos pela morte natural à semelhança de Cristo, mas que existe esta similitude entre nossa morte e a dele - assim como Cristo morreu na carne que recebera de nós, também morremos em nós mesmos, a fim de que possamos viver nele. Nossa morte, pois, não é a mesma [morte] de Cristo, senão que é semelhante à dele, pois devemos notar a analogia [=analogia] entre a morte nesta presente vida e a nossa renovação espiritual.
 
“Fomos unidos” [—insiticii facti]. Esta palavra [unidos ou enxertados] leva grande ênfase, e revela nitidamente que o apóstolo não nos está exortando, e, sim, ensinando acerca do benefício que derivamos de Cristo. Ele não está a requerer de nós algum dever que nossa prudência ou diligência pode realizar, mas está falando do enxerto que é empreendido pela mão divina. Não há razão para forçosamente aplicar a metáfora ou comparação a cada particular, pois a disparidade entre o enxerto de árvores e o nosso enxerto espiritual prontamente se evidencia. Na enxertia de árvores, a parte enxertada extrai sua nutrição das raízes, mas  retém sua propriedade natural no fruto que serve de alimento. Na enxertia espiritual, contudo, não só derivamos o vigor e a seiva da vida que fluem de Cristo, mas também transmitimos de nossa própria natureza para a sua. O apóstolo desejava simplesmente realçar a eficácia da morte de Cristo, a qual manifestou-se na destruição de nossa carne, e também a eficácia de sua ressurreição que nos renova interiormente segundo a natureza superior do Espírito.
 
Sabendo isto, que o nosso velho homem foi crucificado com ele. O “velho” homem é assim chamado à semelhança do “Velho” Testamento que é também assim chamado em relação ao “Novo” Testamento. Ele começa a ser “velho” quando sua regeneração tem início, e sua velha natureza é gradualmente destruída. Paulo está referindo-se a toda a nossa natureza, a qual trazemos do ventre materno, e a qual é tão incapaz de receber o reino de Deus, que precisa morrer na mesma proporção que somos renovados para a verdadeira vida. Este “velho homem”, diz ele, é pregado na cruz com Cristo, porque, pelo seu poder, ele jaz morto. Paulo faz referência à cruz a fim de mostrar mais distintamente que a única fonte de nossa mortificação é nossa participação na morte de Cristo. Não concordo com aqueles intérpretes que explicam que Paulo usou o termo crucificado, em vez de morto, porque nosso velho homem está ainda vivo, e em certa medida ainda cheio de vigor. A interpretação está plenamente certa, mas dificilmente se faz relevante para o nosso presente texto.
 
O corpo do pecado, ao qual faz menção um pouco depois, não significa carne e ossos, e, sim, toda a massa de pecado, pois o homem, quando abandonado à sua própria natureza, não passa de uma massa de pecado. A expressão, e não sirvamos o pecado como escravos., realça o propósito de sua destruição. Segue-se que até onde somos filhos de Adão, e nada mais além de homens, somos tão completamente escravos do pecado que nada mais podemos fazer senão pecar. Mas quando somos enxertados em Cristo, somos libertados desta miserável compulsão, não porque cessamos definitivamente de pecar, mas para que finalmente sejamos vitoriosos no conflito.

 
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João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 12/08/2014
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