Paz Para Todos

Isaías 9 ensina que o Messias seria o príncipe da paz. Efésios 2 nos explica um dos sentidos disso: a Sua vinda fez com que judeus e não-judeus já não tenham porquê manter a inimizade, tendo a oportunidade de se tornar um só povo pela fé em Cristo. Haverá um dia (alguns chamam de Milênio, outros de Estado Eterno, depende da tua interpretação) que todos os povos estarão em paz, toda bota com que anda o guerreiro no tumulto da batalha e toda veste revolvida em sangue serão queimadas (Is 9.5), e a paz sem fim virá sob o trono de Davi (Is 9.7). Na Igreja podemos experimentar uma antecipação disso, no fato de que gente de todas as nações se torna um só povo pela fé em Jesus.

O que significa que Cristo é a nossa paz? O conceito bíblico de paz é muito mais profundo do que o nosso. A palavra hebraica para paz, shalom, tem a idéia de completude, integridade, bem-estar, prosperidade, segurança, etc.. Mas, o sentido mais importante nesse caso é AMIZADE. O termo grego usado por Paulo em Efésios, eirene, significa juntar, unir. Ou seja, a paz bíblica não significa apenas a ausência de conflito, mas uma harmonia entre as partes. Efésios 2.15 nos explica que a paz que Cristo faz entre os homens não consiste apenas em acabar com a guerra, mas em pegar pessoas de povos inimigos e criar, em si mesmo, uma nova humanidade. Todos aqueles, de todas as épocas, desde Adão ao último homem na face da terra que crerem em Jesus Cristo, são unidos em um só povo, a Igreja.

O versículo 16 vai se referir à paz com o termo apokatallassó, que significa conciliar, "mudar de um estado de sentimento para outro". Não se trata apenas de acabar com os sentimentos ruins que os judeus e os outros povos tinham em relação um ao outro, a destruição da inimizade, mas a completa união dos indivíduos, tornando-os um só corpo, e um só com Deus. Logo, a paz de Cristo não consiste apenas em acabar com os conflitos, mas em criar uma cooperação. “O Filho de Deus, assumindo uma natureza comum a todos, formou em seu próprio corpo uma unidade perfeita”[1].

Efésios 2.17 diz que, quando Cristo veio, Ele "evangelizou" (euengelisato) a paz. Euengelisato significa anunciar boas notícias (evangelho). Podemos comparar isso a dois exércitos que estão em guerra, cansados após séculos de batalha, e que já não querem mais lutar; então finalmente recebem a boa notícia de que os dois reinos entraram em acordo e a paz foi estabelecida. Em Jesus Cristo, a guerra entre aqueles que estavam perto de Deus (os judeus) e os que estavam longe (os gentios) foi finalizada, porque aquilo que promovia essa separação, as cerimônias do Antigo Testamento, foi abolido.

Uma implicação dessa doutrina é que estar reconciliado com Deus significa não apenas seguir Jesus Cristo, como também é estar unido a outras pessoas que seguem a Cristo - ou seja, estar reconciliado com Deus é ser um cristão. Toda diferença QUE CAUSE INIMIZADE deve ser abolida no meio da Igreja, e nenhuma das distinções que permanecem (social, etária, financeira, étnica, sexual, etc.) pode ficar acima do fato de que somos todos irmãos, descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa (Gl 3.29). Cristo crucificado é a razão da nossa unidade.

Por outro lado, não devemos evitar os conflitos que forem necessários para manter a paz. Nossa cultura, em geral, prefere uma falsa paz a batalhar por uma paz verdadeira. Não existe paz sem justiça, liberdade, amor, cooperação, alegria, bondade, fidelidade, prosperidade e valores semelhantes. Portanto, quando necessário, devemos estar disposto a brigar para que essas coisas sejam cultivadas e a paz verdadeira permaneça. Se quer paz, prepara-se para a guerra.

É assim que devemos conciliar as afirmações do Antigo Testamento de que o Messias viria trazer paz para as nações e as afirmações de Jesus de que Ele não veio trazer paz, mas espada; e que, por causa do Evangelho, haveria guerra e conflito dentro das próprias famílias (Lucas 12.51-53, Mateus 10.34-37). A paz messiânica virá após um intenso conflito, que crescerá mais e mais, até que o Reino seja totalmente instaurado em toda a terra.

Outra verdade importante é que devemos rejeitar qualquer distinção entre judeus e gentios que ainda permaneçam em nossa doutrina hoje. Basta nos lembrar do que Pedro aprendeu em Atos 10. Em visão, Deus disse a ele para comer animais que a Lei considerava impuros e, diante da sua negação, o Senhor disse "ao que Deus purificou não consideres comum". Após uma segunda e terceira negação, Pedro entende o que isso representava:

"que Deus não faz acepção de pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável. Esta é a palavra que Deus enviou aos filhos de Israel, anunciando-lhes o evangelho da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de todos." (Atos 10.34-36)

Por meio de Jesus, tanto os judeus quanto os gentios têm acesso ao Pai, e ambos são habitados pelo mesmo Espírito Santo. Todos os povos precisam se lembrar que têm um mesmo pai terreno, Adão, do qual todos descendem, cuja lembrança deve nos fazer perceber que, acima de todas as diferenças, somos todos irmãos. Mas, em Cristo, os crentes têm uma irmandade ainda maior, no fato de que todos nos tornamos filhos de Deus, família do Senhor. Assim "como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder" (At 10.38), ele ungiu também a todos os que crêem.

Lendo o livro de Atos, percebemos que os primeiros discípulos, assim como Pedro, tiveram dificuldade em entender e aceitar a presença dos gentios na Igreja, mas o fato deles terem sido batizados no Espírito Santo foi para eles uma prova suficiente de que Deus lhes havia concedido o arrependimento, "purificando-lhes pela fé o coração" (At 15.9), como haviam previsto os profetas do Antigo Testamento, que afirmavam que Deus iria constituir para si um povo de todas as nações (e.g. Amós 9.11-12).

Isso significa que não precisamos venerar a cultura judaica, como muitas igrejas fazem, servindo-se de práticas do Antigo Testamento, como tocar o shofar, chamar os músicos de levitas, usar a arca da aliança no culto, etc.. Os gentios já não estão fora da comunidade, já não precisam circundar Jerusalém e seus ritos para obter algumas migalhas da Palavra e do Poder de Deus, como os não-judeus tinham que fazer no Antigo Testamento. Ef 2.19 demonstra isso usando os termos xenoi (estrangeiro) e paroikoi (peregrino, alguém que vive em um lugar apenas temporariamente, alguém que não é cidadão de um lugar e, por isso, tem seus direitos muito limitados ali; ou, ainda, uma pessoa que é convidada em uma casa, mas que não é membro da família). Em Cristo, nós não somos essas coisas. Nós somos a família de Deus.

Nos versículos 20-22, Paulo compara a Igreja com um templo construído pelo próprio Deus para que Ele morasse. Primeiro, ele nos informa qual é o fundamento desse edifício, os apóstolos e profetas. Segundo, diz que a pedra angular desse edifício é o próprio Jesus.

Nas construções antigas, a pedra angular era uma das maiores e mais fortes, colocadas em um ângulo (por isso "angular") adequado para dar sustentação a todo o edifício. Ela também é chamada de pedra de esquina porque ficava na esquina entre duas paredes, ligando as duas; no caso, Jesus também é a pedra que liga os judeus e os gentios. Essa figura aparece também em outras passagens. No Salmo 118, por exemplo, é dito que a pedra que os construtores rejeitaram o Senhor tornou a pedra angular, a principal; e Jesus afirma que esse texto se refere a Ele mesmo (Mt 21.42).

A seguir o texto diz que o edifício é “bem ajustado” (synarmologoumene), ou seja, onde as coisas se encaixam bem, onde há harmonia na construção. Essa expressão enfatizada a necessidade de cooperação e unidade entre os diferentes tipos de pessoas, as diferentes pedras que, juntas, se encaixam e formam o edifício.

Uma vez que o edifício é bem ajustado, ele "cresce", aumenta. Pedra após pedra, o santuário de Deus precisa crescer, tanto em quantidade de pessoas que compõe a Igreja quanto na maturidade que elas têm diante de Deus. Para isso a pedra angular era colocada primeiro, e depois as outras, porque ela que dava o ajuste de como o resto deveria ser construído. Do mesmo modo, a Igreja está crescendo para alcançar a estatura de Cristo, para se tornar um corpo semelhante a Ele. Isso significa que a Igreja deve se esforçar para que todas as suas atividades sejam centradas em Jesus, pois só assim ela pode crescer bem ajustada.

Quando as pessoas pensam em "igreja", elas não deveriam pensar, em primeiro lugar, em reuniões sociais, festas, bençãos materiais, cultos atraentes, algum líder carismático ou outras questões secundárias; isso sem falar em coisas ruins, como fofoca, alienação e roubo. Quando as pessoas pensarem em "igreja", elas deveriam pensar em Jesus, pois Ele é a razão pelo qual tudo o que nós fazemos deve ser feito, e não como um nome usado como pretexto para fazermos o que nós queremos fazer. Se não estamos firmados em Cristo, estamos prestes a cair.

[1] CALVIN, John. Calvin Commentary on Ephesians. Disponível em: <http://biblehub.com/commentaries/calvin/ephesians/>