A Missão da Igreja

AS CAUSAS DA IGREJA [1]

A causa material da Igreja, a coisa do que ela é feita, são pessoas de todas as raças, povos, tribos, línguas e nações[2]. Segundo Efésios 3.5-6, o fato da Igreja ser composta por pessoas de todos os povos, e não apenas dos judeus, é o mistério de Cristo cuja revelação a nós é o instrumento pelo qual Deus derrama abundantemente sobre nós a sua graça na nossa salvação (cf. Ef 1.7-10). Ou seja, ela está ligada à CATOLICIDADE da Igreja, o fato dela não se limitar a um povo ou local, mas de ser universal, abarcar todos os tipos de pessoas.

A causa formal é o princípio integrativo que junta os materiais que compõe aquela coisa e garante que eles são colocados de maneira a ser reconhecido como ele é, ou seja, o que faz aquilo ser o que ele é e não outra coisa. A causa formal dá unidade à matéria e faz com que a junção dela seja um ser único (um gato, um anel, uma casa, um banco de igreja). Segue-se que a causa formal da Igreja está ligada à sua UNIDADE, fato que o apóstolo vai discorrer em Efésios 4, de que nós que compomos a Igreja somos um só corpo, um espírito, fomos chamados em uma só vocação, um só Senhor, uma só fé, um só batismo, etc..

A causa eficiente da Igreja, o que dá existência a ela, é Deus. Mas o Senhor decidiu não criar a Igreja diretamente, simplesmente fazendo um povo surgir do nada, mas decidiu usar homens como instrumentos dessa criação, os apóstolos e profetas. Isso nós chamamos de APOSTOLICIDADE da Igreja, o fato dela ter sua origem nos apóstolos. Por fim, a causa final da Igreja, o objetivo para o qual ela existe, a sua missão, é o que veremos ao longo desse texto.

POR AMOR DE VÓS

O Apóstolo Paulo não apenas estava engajado na Missão da Igreja, como também apreciava essa missão mais do que a própria vida, de modo que, como diz Efésios 3.1, ele estava preso e sofrendo toda sorte de privação por causa dela. Uma das evidências que ele apreciava mais sua missão do que a própria vida está no fato dele chamar, nesse versículo, Jesus de “Cristo”.

Se estamos certos em crer que Paulo está escrevendo esta epístola da prisão romana narrada em Atos 28, então o motivo do seu cárcere é as acusações dos judeus contra ele. Ora, uma das principais razões pelo qual os judeus queriam matá-lo era justamente o fato de Paulo defender que Jesus era o Cristo, o Messias, o Rei de Israel. Assim fica claro que a prisão não diminuiu nem um pouco o zelo evangelístico do apóstolo: ele estaria disposto a pregar a Cristo até mesmo ao algoz que executasse a sua sentença de morte.

Mas a prisão do apóstolo não era apenas por amor à sua missão, mas por amor às pessoas. Esse amor de Paulo aos gentios (aqueles que não são judeus) – e a sua pregação de que os judeus e gentios podem ser um só povo em Jesus – foi uma das causas dele ter sido perseguido. Lemos em Atos 22.21-23 que quando os judeus ouviram Paulo dizer que Deus havia o enviado aos gentios, jogaram suas capas para o alto e gritaram “tira tal homem da terra, porque não convém que ele viva!”.

O mais surpreendente é que, para Paulo, a sua prisão não era apenas uma demonstração do seu amor para com os gentios, mas também do amor de Cristo. Em última análise, foi Jesus que o enviou para a prisão, foi Ele quem fez do apóstolo um “embaixador em cadeias” (Ef 6.20). A prisão era apenas mais um passo do plano de Cristo para usar Paulo para levar Seu nome às nações.

Em certa medida, essa convicção do apóstolo pode ser aplicada a todos nós que cremos. Nós todos fazemos parte do grande plano de Deus de salvar a humanidade. De alguma forma, onde quer que estejamos, se é que estamos em Cristo, somos instrumentos para avançar a missão de Deus um pouco mais. Toda dor, todo sofrimento, toda batalha que esse processo envolver não importa, porque Deus confiou Sua graça a nós, e somos participantes de todas as promessas das Escrituras, inclusive aquelas que dizem que iremos sofrer, ser perseguidos e morrer, mas que venceremos como Cristo venceu.

O MISTÉRIO DE CRISTO

O amor de Paulo pelos gentios era fundamentado no que ele chama de Mistério de Cristo (Ef 3.4). Alguns teólogos discutem se o mistério é “de Cristo” no sentido de que Ele é o autor desse mistério, se é o objeto (ou seja, o mistério é SOBRE Cristo) ou se Ele é o próprio mistério. O amor de Paulo pelos gentios era fundamentado no que ele chama de Mistério de Cristo (v.4). Alguns teólogos discutem se o mistério é “de Cristo” no sentido de que Ele é o autor desse mistério, se é o objeto (ou seja, o mistério é sobre Cristo) ou se Ele é o próprio mistério. O Expositor's Greek Testament[3] demonstra que, apesar de alguns usarem Colossenses 1.27 para favorecer a última opção, esse texto não diz exatamente que o mistério é Cristo, mas que é Cristo NOS GENTIOS. Unindo esse versículo de Colossenses com o que é dito em Efésios 3, podemos chegar à conclusão de que a razão pelo qual os gentios são acrescentados ao povo de Israel é que eles se tornam um só com Jesus, ou seja, que Cristo está neles.

Em Efésios 3.5 Paulo nos informa que esse mistério não havia sido revelado aos homens anteriormente, mas é uma novidade trazida pelo Espírito Santo por meio dos “seus santos apóstolos e profetas”. Ele se referiu alguns versículos antes aos apóstolos e profetas como sendo o fundamento da Igreja, – daí inferimos a apostolicidade dela – agora explica que eles são o fundamento porque são o meio utilizado pelo Senhor para trazer a revelação de que os gentios também fazem parte do povo de Deus – ou seja, eles revelaram a Igreja.

Não há tanta duvida a respeito do fato de que os apóstolos aqui referidos são os Doze e Paulo. Mas, sobre os profetas, há em geral três interpretações principais: (1) os profetas do Antigo Testamento, (2) os crentes com dom de profecia no Novo Testamento, (3) ou os próprios apóstolos. A primeira pode ser descartada pelo simples fato de que Paulo está dizendo que esse mistério não havia sido revelado ainda, então não podem ser os profetas do AT; ainda que eles tenham nos trazido alguns vislumbres e previsões a respeito da nova aliança, eles são tão obscuros que somente a revelação posterior poderia fazer alguém compreender mais profundamente este mistério.

A terceira pode ser rejeitada porque na próxima vez que a expressão aparece, em 4.11, ele claramente faz uma distinção entre apóstolos e profetas como grupos diferentes, o que indica que, provavelmente, aqui ele está falando de grupos distintos também. Dessa forma, Paulo está dizendo que Jesus usou alguns irmãos com dom de profecia, juntamente com os apóstolos, como os primeiros instrumentos para revelar que os gentios teriam tanto direito às promessas do Antigo Testamento quanto os judeus.

Barry[4] enxerga uma progressão na descrição do versículo 6 do que experimentam os gentios por meio do Evangelho. Primeiro, eles são adotados por Deus, e recebem o direito e se tornarem “co-herdeiros” com os judeus. A seguir, eles são acrescentados ao corpo místico de Cristo, a Igreja. Finalmente, eles se tornam participantes na prática da promessa em Cristo Jesus. Eu não creio, porém, que tenha sido a intenção do Apóstolo sugerir essa progressão, mas as três expressões (co-herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes da promessa) são descrições de uma só e a mesma realidade.

Note que no versículo 5 Paulo chama os profetas de santos, e desde o primeiro versículo da epístola ele está dizendo que todos os são santos. Isso refere-se à SANTIDADE da Igreja, que é fundamental para que ela possa cumprir sua missão. Ela não é apenas santa em sua posição diante de Deus, – pois, como nos ensina o apóstolo, Deus enxerga Cristo ao olhar para nós – mas também está em um processo de santificação até alcançar o ápice da pureza moral, “até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Ef 4.13). Assim, concluímos aquilo que os cristãos têm professado desde o início: que a Igreja é una, santa, católica (ou seja, universal) e apostólica. Isso é a essência do que é a Igreja, e compreender isso é fundamental para entendermos qual é a sua missão.

PELO SEU PODER

Em Efésios 3.6 Paulo repete o que já havia ensinado desde o capítulo 1 da epístola, que a pregação do Evangelho foi o instrumento escolhido de Deus para tornar os gentios participantes das promessas; pois ao crerem na Palavra de Deus, eles se ligariam pela fé a Jesus Cristo, em quem está o sim e o amém para todas as bênçãos do Senhor. Então no 7 o apóstolo diz que foi feito ministro desse Evangelho. Note bem que ele foi CONSTITUÍDO ministro; ele não se tornou por conta própria. Ele recebeu um chamado de Deus para fazer tal coisa. O próprio Jesus apareceu para ele e o ordenou a fazer isso.

Mas o mesmo Jesus que comissionou Paulo de uma maneira especial para ser um apóstolo – ou seja, um abridor de trilha, alguém que foi na frente e se tornou um dos iniciadores da obra missionária – também no chamou para fazer o mesmo. Ide, disse o Senhor a nós, fazei discípulos de todas as nações. Não apenas os gentios são chamados para se tornar participantes de Cristo, mas também são chamados a serem o instrumento pelo qual Deus acrescenta outros ao Seu povo. Isso porque, uma vez que nos unimos a Jesus pela fé, nós agimos em nome Dele. Somos representantes Dele. Em outras palavras, se nós estamos no Santos dos Santos em Cristo, Cristo está anunciando o Seu Evangelho em nós.

A palavra ministro é diakonos, um servo em geral. Se todos nós fomos chamados para fazer discípulos, todos somos, em algum sentido, ministros do Evangelho. Apesar disso, reconhecemos que algumas pessoas, como Paulo, foram chamadas para se dedicarem integralmente à obra da evangelização e do cuidado da Igreja, de modo que é perfeitamente coerente chamarmos-lhes ministros em um sentido especial. Esses homens, no entanto, precisam manter em suas mentes essa mesma perspectiva de Paulo, de que um ministro é o servo, não o senhor, daqueles a quem ele prega ou discipula.

A missão de anunciar o Evangelho não é apenas um serviço, mas um presente (dorean). Não é um fardo, pelo menos não um fardo pesado. Exige, sim, uma responsabilidade; é a vida eterna de pessoas que está em jogo. Mas a prisão e todo o sofrimento de Paulo não era, em certo sentido, um sofrimento; era uma dádiva. Sofrer pelos gentios era alegria do apóstolo. A razão disso é justamente o fato de Cristo estar Nele; pois, de semelhante modo, Cristo foi à cruz motivado pela alegria da nossa salvação (Hb 12.2).

Esse sentimento não é natural. Basta lembrarmos do ensino do capítulo 2 de que somos espiritualmente mortos. Paulo era espiritualmente morto antes de Jesus encontrá-lo. Essa alegria no serviço do Senhor é efeito da obra de Deus Nele, da “força operante do seu poder” (v.7). E a razão pelo qual Paulo tinha certeza da sua necessidade do poder de Deus é o fato dele ser “o menor de todos os santos” (v.8).

Por que ele se via como o mais indigno de todos os cristãos? Em I Coríntios 15.11, o apóstolo diz que se declarava “o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus”. Parece-me que é esse o sentido: Paulo se via como o menor dos santos porque seu pecado superava o de todos os outros cristãos. O que podemos aprender disso é que a única maneira de percebermos de maneira clara o poder de Deus é quando reconhecemos nossa miséria, fraqueza e culpa. Quando nos achamos fortes, achamos que nossas conquistas são por causa dessa nossa força; mas quando percebemos que somos incapazes por nós mesmos, ficará mais claro que a graça de Deus nos basta e o Seu poder se aperfeiçoa na nossa fraqueza.

Precisamos do poder de Deus em abundância. Quando Cristo nos comissionou para anunciarmos o mistério da Sua vontade, Ele também prometeu enviar o Seu Espírito para, com poder, nos capacitar a sermos testemunhas Dele (At 1.8). Inferimos disso que uma igreja cheia do Espírito Santo não é necessariamente uma igreja que fale muito sobre o Espírito, mas especialmente uma Igreja que fala muito sobre Jesus; pois o papel do Espírito é apontar para Cristo.

No versículo 10, por fim, o apóstolo resume a missão da Igreja: fazer com que “a multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida”. Em sentido mais amplo, a Igreja foi criada para demonstrar a glória de Deus, ser um instrumento pelo qual quem Deus é será revelado. Há várias formas pelo qual o Povo de Deus faz isso. Entre elas, a sua unidade, onde o Senhor é glorificado no fato de criar, de vários tempos e lugares, um só povo. Mas também através da proclamação do Evangelho, pelo qual as “insondáveis riquezas de Cristo” (v.8) são reveladas.

[1] Para uma explicação sobre a Teoria das Quatro Causas: http://www.recantodasletras.com.br/mensagensreligiosas/5953765

[2] PINHEIRO, Alexandre. Ecumenismo III: as notas da Igreja e o bem integral. Disponível em:<https://textoscatolicos.wordpress.com/2009/07/23/ecumenismo-iii-as-notas-da-igreja-e-o-bem-integral/>

[3] EXPOSITOR’S GREEK TESTAMENT. Editado por W. Robertson Nicoll. Disponível em: <http://biblehub.com/commentaries/egt/>

[4] BARRY, Alfred. Ellicott Commentary for English Readers - Ephesians. Disponível em: <http://biblehub.com/commentaries/ellicott/ephesians/>