Nossa fragilidade, nossa força

“Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no reino do céu”. Esta frase de Jesus encontrada no evangelho de Mateus, talvez seja uma das mais belas e significativas frases do Mestre quando aqui esteve. Mas o que será que Cristo quer de nós dizendo para sermos como os pequeninos? Um ponto fundamental numa interpretação pessoal dessa passagem me revela as diretrizes de um dos mais polêmicos assuntos comumente tratados, em se tratando de religião. A famosa lei do livre arbítrio. Eu insisto, que queria Jesus com o trecho citado? Queria que fôssemos crianças ao passo que o tempo e a lei do livre arbítrio agem sobre nós? Não seria demasiada irresponsabilidade?

Pois bem, vamos supor a seguinte interpretação. Cristo nos pede que sejamos como as crianças. Contudo, como toda criança, somos incapazes de administrar o que nos é pedido, somos irresponsáveis em atender ao que nos foi solicitado. Sendo assim, como o nosso pastor cósmico, cumprindo com o que o Pai lhe pediu, pôde agir de forma tão insensata, tal como um pai terreno que deixa nas mãos de uma criança a liderança de uma grande empresa? Prefiro acreditar que estamos errados ao supor essa interpretação. É até óbvio supor que Cristo nos deixou essa mensagem fazendo menção à pureza do coração infantil, à leveza na alma de qualquer criança. Mas gostaria de ir além ao que essa singela visão das palavras de Cristo nos mostra. De fato, somos regidos pela lei maior de Deus chamada livre arbítrio. Isso é um fato. Porém, à medida que nos vemos como crianças, espantadas com as maravilhas desse imenso universo, nos revelamos crianças teimosas, briguentas, irresponsáveis. Ao mesmo tempo em que estalamos os olhos ao descobrir novas galáxias, fechamos a cara e exalamos ódio dos nossos corações contra nossos irmãos.

Como crianças teimosas, insistimos em escolher o caminho errado, em tomar a atitude errada, e em forçar os outros a crerem nas nossas ingênuas e mesquinhas verdades. Somos somente crianças. Muitos não entendem a Cristo, ou não conseguem se imaginar tomando as atitudes dele em relação a nós, quando o violentamos, o maltratamos, o insultamos, o matamos. Mas é claro que não vamos compreender. Nós olhamos o outro de igual para igual, enquanto Cristo nos olha com o amor compreensível e amoroso de um irmão mais velho, que assistindo aos erros do irmão mais novo, tenta orientá-lo, tenta guiá-lo, tenta dizer: irmãozinho venha, me siga, faça do meu jeito, será bom pra você. E quem disse que nós, como bons teimosos irmãos mais novos, aceitamos? Mas no jogo dessa analogia até de certo modo estúpida, nós não temos um pai que oprime, que se opõem a tudo que fazemos. Pelo contrário, temos um pai que é só amor, que é só ternura, compreensão, justiça. Temos um Pai que pela sua imensa grandeza e sutileza não realiza espetáculos ou milagres, mas um Pai sensato, perfeito, que nós desesperadamente procuramos. Agimos como órfãos de um pai terreno, perdidos na ilusão de encontrá-lo algum dia. E de fato, não será logo que vislumbraremos as beatitudes do Pai amantíssimo, e nem é preciso. Nós o temos ao nosso lado, dia após dia, noite após noite. Infelizmente a máscara das nossas imperfeições freia ou bloqueia nossa visão em relação a nós mesmos. Quando Jesus disse que nós somos imagem e semelhança de Deus, ele não quis dizer obviamente no sentido físico, visto que o Mestre tanto insistiu na visão espiritual do mundo. Nós somos imagem e semelhança de Deus no sentido de sermos filhos e filhas Dele. E, sendo assim, herdamos do Pai a herança genética imaterial, incomensurável, incompreensível, dentro de nós mesmos. Nós temos a chance de sermos como Deus. Não no sentido em que o livro do Gênesis abraça, como que na possibilidade de derrotarmos a Deus e tomarmos seu trono, mas no sentido de que guardamos em nós a possibilidade de um dia, quando nos tornarmos “adultos”, podermos ser deuses e deusas.

As palavras aqui expressadas são de tamanha ingenuidade, simplicidade e até de certo modo ignorância, que eu até me envergonho de expô-las. Entretanto, não vi maneira mais adequada de se abordar um tema assim. Já que, nem quando o Mestre falou nós entendemos, imagine quando eu tomo a palavra e tento expor um raciocínio tão complexo com palavras tão simplórias. Mas essa atitude faz parte da minha insistência amorosa para com o mundo. Eu, à medida que vou me tornando responsável por uma série de coisas, de aspectos do campo cármico, mais e mais eu vou tentando humildemente assumir esse ônus tão difícil. Obrigado leitor pelo tempo que gastou lendo esse texto, muita luz e compreensão.

Enrico Vizzini
Enviado por Enrico Vizzini em 17/03/2008
Código do texto: T905269