Ser-artista

A minha arte é

ao mesmo tempo

a minha perdição.

Ela não é feita em quadros

com cores ou pincéis,

mas no papel

e com apenas um contraste:

preto no branco.

É monocromática e,

por vezes, enfadonha.

Tem um tom áspero,

mas suave;

fluido,

mas difícil de engolir.

Ela é filha do emaranhado de pensamentos

que me assombram e caçoam de mim,

refém que sou de seus caprichos.

Mas quando vem ao mundo,

dança e subjuga com sua beleza

esses algozes que lhe impulsionaram o nascimento,

iluminando toda obscuridade dentro de mim.

Como o fogo que me aquece

e guia numa noite fria.

Quando a deixo sair,

ela toma posse de minhas mãos

e me conduz para lugares

que minha mente sequer previa.

Ela abre as janelas do meu peito,

deixando sair todas as emoções

tristemente aprisionadas,

perpetuamente condenadas.

Por muito tempo

a julguei menos.

Que arte é essa...

que só te uma cor,

um movimento;

que é quieta

mas tão tagarela?

Que arte é essa...

que nasce da confusão mental

que destrói os resquícios

de quem realmente sou?

Mas descobri

que minha arte é tal

que, sem emitir qualquer som,

vibra, pulsa e ressoa,

capaz até

de fibrilar um coração.

E, de repente,

dou-me conta:

esta é sua função…

Nascer do furacão

e pará-lo com a brisa de um sopro.

Basta um suspiro seu

para desmoronar

todos os meus fragmentos.

E, nesse arrepio que lhe inspira,

construir-me,

mais uma vez,

inteira.

23/08/2017