Agricultor das letras

Vem, agricultor!

Pega da tua enxada gráfica

E vai rasgando a celulose pálida,

Este solo indisciplinado e estéril

Aos afortunados e pacificados.

Não te enganes! Faz o que sabes!

Sabes bem que o desenho que registras

Será o desconcerto de muitos.

As covas que criarás deixarão

Rastros perpétuos.

Assume a culpa dos que

Vem a ti sem esperanças.

Usufrui, sem culpa,

Das alegrias alheias.

Diz o indizível,

E, ainda assim,

Ainda que a sombra da dor alheia

Venha te oferecer um falso abrigo,

Tu, sem misericórdia, utilizarás das

Águas salobras deles, e das tuas,

Para regar os teus anseios.

Mas isso não ficará assim...

Agricultor de letras,

Tu és o sal dessa terra inóspita,

Onde há frutos que matam

E que salvam.

Frutos que tem o nome

De quem os procura,

E a marca eternamente imatura

E inconstante

De quem os dá.

Caleja teus dedos

E nunca, nunca

Deixes de arar.