Douta em quase Tudo

O conto que não vale um conto, não merece ser contado; mas como sou amante da demência soprada pelo vento, insana insolência, contarei sim, o conto que nada conta. Todavia...

Com uma formação teórica de dar inveja, que excedia os parâmetros do conhecimento, a virgem Lidyane, com seus 30 anos de intocabilidade, era douta em praticamente qualquer assunto. Entendia das leis primárias da Física. Heresia, Religião, Matemática e Filosofia. Letras: esnobava; sobretudo porque falava seis idiomas e chamuscava mais meia dúzia deles. Pensando no que a relação, o envolvimento humano, as palavras insípidas e contrárias ao seu pensar podiam lhe acrescentar intelectualmente, foi morar numa república feminina por um tempo.

Autodidata e nutróloga por vivência e prática, tomava bastante suco. Gozando de venerável saúde, tanto física quanto emocional, e seguindo com rigor a dieta proposta, pediu emprestado o espremedor de frutas da vizinha de quarto e sem pedir informação sobre a tensão das tomadas, conectou-o em uma tomada aleatoriamente. Assim que acionou o botão de funcionamento, saiu em disparada berrando: "socorro, socorro, o espremedor ficou louco e em vez de espremer a fruta, está saindo fogo pelas ventas; socorro, a casa está pegando fogo, culpa do espremedor, socorro. Fujam em debandada... socorro!"

Se trancou no quarto e só saiu quando os pais chegaram para levá-la de volta para o lar, de onde não devia ter saído. Sentada confortavelmente no banco traseiro do luxuoso carro, cacarejou alto: "realmente, o mundo não é para qualquer mente intelectualizada. E para vivê-lo intensamente, as vísceras tem que passar pelo processo de ulceração"!

Acertou na mosca. Falou com conhecimento de causa, pois dentre as muitas formações, era anatomista, com pós-doctor em Harvard; e durante o curso e pesquisas, seus pais a acompanhou. Aliás, alugou um apartamento exclusivamente para ela.

Passado certo tempo, recebeu uma carta assinada pela administração da república: "Boas férias e breve regresso, Lidyane! Contrário da escola Ateneu que foi incendiada, os esteios da república estão em pé, acolhendo os discípulos, renovando esperanças e para nova temporada, esperando pelos seus enriquecedores conhecimentos".