MOSAICO DE INSTANTES

Caiu na piscina. 20 anos e kilos, um vício e uma aliança o separavam da última vez. Ficou espantado. Mil metros em 50 minutos! Entregou os óculos para o seu filho de 9 anos que começaria o seu treino. Se trocou, acendeu um cigarro e sentou na calçada do Motel em frente da academia. No segundo andar via sua esposa e sua filha de 16 anos zumbando. Às suas costas a orgia da carne, em seu corpo uma de sensações e sentimentos.

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Estavam os dois sentados na calçada em frente ao farol entre uma vicinal importante e uma avenida movimentada. O de 60 falou para o de 40:

A minha situação quando comecei era igual a sua. Desempregado, em albergue, devendo pensão. Eu só abordei os carros e falei a verdade e as coisas aconteceram.

Mas hoje você têm 3 casas de aluguel e é sócio de uma doceria! Porque continua?

Einstein já dizia que o tempo é relativo. Já foi verdade um dia, não foi?

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Depois de uma hora de Xvideos se percebeu enfastiado. Além de fisicamente esgotado. Olhou para a foto de seu avô na estante e lembrou-se de como ele contou quão difícil fora para ele assistir O Último Tango em Paris, com sua famosa cena da manteiga. Começou a se questionar se a censura era algo tão ruim assim: "Pelo menos ela obrigava os artistas a serem inteligentes para driblala".

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Já esperava há horas na fila de visitas. Presídio de seguro, só jack, pedofilo e Maria da Penha. Deste lado pais, irmãos e até as próprias vítimas. Estórias de covardias horríveis e outras que o faziam querer mudar sua sexualidade ou entrar em um monastério. Estava tudo preparado para levar a vagabunda que o prendera para o debate, da onde só por milagre sairia viva. Dependia da palavra dele. A dúvida de contar ou não lhe consumia há dias. De repente lembrou-se de uma namorada da adolescência dele em que sempre batia. A chamava de meu brinquedo. Decidiu ficar quieto.

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Na academia havia uma enorme poltrona que, através de um vidro, se podia ver a piscina. Sentado nela via os resultados do check-up que a empresa o obrigou a fazer. Acima do peso, pré diabetes, colesterol alto, artrose no tornozelo direito, dois microinfartos. Não estava triste nem preocupado. Muito menos revoltado. Do buffet da vida só escolhera o melhor e enchera o prato. Seria hipocrisia reclamar agora da conta. Colocou os exames na pasta e ficou uns 10 minutos vendo seu filho de dez anos nadando. Foi até a recepção: "Aline, quanto fica para incluir natação e musculação para mim?"

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O médico cubano acabara de chegar àquele rincão perdido da Amazônia. Tentava entender o que aquele senhor de meia idade queria

Óia seu Dotô ele é o 7° filho homê dos nossos pais.

Sempre foi muito tímido, e depois quando fez 14 e começaram a crescer aquele monte de pêlo, tipo bicho, lascô. Começaram a chamar ele de lobisomem. Aí ele se enfiou no meio da mata e de lá não saiu mais. Tem uma roça, planta aipim, feijão e milho e tem umas galinhas. Nóis leva o que farta e traiz o que sobra. Mais nóis qué que o Dotô vá lá vê ele.

Bien. Pero por que?

Das últimas vezes que nóis foi era lua cheia. Ele uivava seu dotô

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Apaixonara-se pelo seu espírito inteligente, livre e militante "tanto no pessoal quanto no profissional". Mas fora tão carinhoso e protetor que no final ela se tornara uma ancila pegajosa. Terminou de forma cruel, como quem abandona um cachorro. Ela se tornará a antítese de si mesma. Agora tremia no hall do anfiteatro. Ela fazia parte da banca onde ia apresentar sua tese.

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A situação piorava a cada instante que passava. O que era para ser uma alegre e nostálgica reunião de colegas de faculdade se tornará em um debate acalorado sobre política. Pelo andar da carruagem ia acabar nas vias de fato. Simulou uma convulsão. Todos pararam de discutir e foram lhe acudir. Fora o único da turma a escolher a Psiquiatria...

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O laranjal se perdia no horizonte. Empresa tradicional, familiar. Vó Joaquim cuidava da plantação, tio Antônio do apiário, tio Francisco da fábrica de suco, vó Alcinda da fábrica de doces e licores. Dos primos só eu fiquei. Retirava o zesto das cascas antes de irem para compostagem. Todos os outros se perderam no mundo. Músicos, médicos, engenheiros, advogados. Não apareciam muito. Quando davam as caras o vô sempre os punham para trabalhar.

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Ficou trancado dentro do quarto por meses. Não conseguia sair nem para trabalhar. A mulher, sem entender, dizia: Quem não trabalha não come! E só lhe dava arroz com ovo. Emagreceu 20kg. Quando melhorou e começou a sair, perguntavam: Como você está bem! Fez alguma dieta? Fiz. A dieta do abismo...

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Caía uma tempestade sobre a cidade. Da sacada do seu apartamento a adolescente contemplava o mar de guarda chuvas que percorria a calçada da movimentada avenida. Quase todos pretos. De repente viu dois que vinham em direções opostas se encontrarem. Um azul outro lilás. Ficaram parados uns 10 minutos juntos até que o lilás se fechou e o azul foi em direção a cafeteria que ficava no térreo do seu prédio. Passou a tarde imaginando estórias de amor.

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O via no ponto de ônibus da sacada do seu apartamento na Av Princesa Isabel, Copacabana. Lhe acenava com um lenço branco. Voltava para a esposa. Tudo amigável. Assim que ele subiu na lotação se jogou da janela

Não suportou a rejeição...

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Ao chegar a estação caiu um pé d'água daqueles. Podia pegar um ônibus ou abrir o guarda chuva e ir andando. Era só 1km. Resolveu deixá-lo fechado e foi se molhando mesmo. Havia conseguido seu 1° emprego. Cantava:

I'm singing in the rain. Just singing in the rain...

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A moça apaixonada via da janela do seu apartamento o balão em forma de coração em seu ballet ao vento. Ora vinha, pra ia, ora descia, ora subia. Pois nele seu destino: Se caísse no condomínio era pra ser. Se não, era pra esquecer. Bateu nos fios de energia causando uma enorme explosão! Uma disrupção da rede elétrica e dos sonhos da pobre menina.