Avenida Liberdade

A garota, com os olhos abertos para o nada, ora percebia o horizonte tomado por prédios, ora notava o céu alaranjado da metrópole, ora tentava encontrar seu próprio reflexo nos carros que passavam zunindo. Velozes, ocupados. A garota não conseguia encontrar seu reflexo, só uma imagem distorcida, flash fugaz de um borrão de cores jogado no vidro quase opaco dos carros que passavam. Sempre zunindo. Dentro deles as pessoas. Vultos por detrás do volante, sempre indo e vindo, chegando e partindo.

A garota então achou graça num pássaro branco que cruzou os ares contrastando com o laranja artificial do céu. Perdida?, perguntou para a ave que, orgulhosa das asas que tinha, nem deu pela pergunta. Os prédios que fechavam a vista próxima e distante eram grandes pedras fincadas ao chão, cinzas repetitivos, encrustrados de janelas como buracos negros, apagados, sinais de que nada habita aquele concreto. Não de noite. Grandes lápides?, arriscou num tom poético fracassado.

Os carros continuavam passando, vencendo a grande e interminável avenida. A garota não vencia a avenida, permanecia na calçada. Ninguém mais estava ali ou transitava a pé, só ela olhando o pássaro, as janelas e os carros. Havia muito tempo que as coisas estavam desse jeito. Tanto tempo. Então a garota se cansou.

Olhou de novo para o céu que já não tinha mais ave; olhou para os prédios que continuavam apagados nas janelas; olhou a rua que insistia em ser barulhenta, cheia de carros zunindo e em velocidade, sempre passando. Tudo passando. Sorriu para a liberdade e deu o passo que faltava para alcançar a avenida.