A criança e a flor

Acompanhei há meses essa criança com a flor. Há meses ela a protegia como se guardasse uma grande riqueza. Se chovia, ela servia até de campânula para a flor, pondo em perigo até a sua própria saúde... Se fazia sol, ela servia de protetor, mesmo que ela se queimasse toda e conquistasse um câncer de pele... Se ventava, ela poderia ficar privada de todos os seus fios de cabelo, mas servia de resistência para a pequena flor. Por ela seria capaz de fazer qualquer coisa e encarar tudo e todos. Dormiu pensando assim, mas acordou, de modo misterioso, transformada.

Olhou para a flor e finalmente viu que era uma flor frequente, como muitas, e compreendeu, por fim, que todo aquele valor estava no que ela sentia. Ela percebeu que de nada adiantava se devotar a uma planta que parecia estar sempre insatisfeita, ingrata, descrente, alheia, sem desejar retribuir a todo aquele sentimento tão incomparável e tão imaculado. Foi aí que ela decidiu ser chuva, ser sol, ser vento, ser tudo de ameaçador... e confirmou que a flor era mesmo delicada e indefesa e se desfaleceu num piscar de olhos...

Pegou o que sentia e guardou dentro de uma pequena caixa dourada e colocou ainda um laço de fita, muito bonito. Rubro. Pôs no fundo do seu guarda-roupa. E ela só sairá de lá quando encontrar uma flor verdadeiramente extravagante, única, que valorize o cuidar e o gostar, que demonstre que ela é cara, peculiar, e incomparável, mesmo com suas muitas imperfeições. Foi trabalhar como se nada tivesse sucedido. Não sentiu culpa nenhuma. E nem deveria mesmo sentir. Foi uma questão de sobrevivência. Só espero que ela permaneça pensando assim, da mesma forma, amanhã... e depois... e depois...

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 16/06/2012
Código do texto: T3728102
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