COMENDO O INIMIGO

 
Rufino, vaqueiro velho, estatelado no mourão da fazenda, olhando lá para os confins, puxava conversa: “Num tem nada mai abençoado qui terra. Nos provê de tudo. Dá o fejão, a batata, a cana de assúca, o capim pro gado, a água, a paia de carnaúba, o barro pra nossa casa. O qui siria de nóis sem a terra, hein cumpádi Zé”?
Zé da Bodega, o filósofo das verdades não ditas, sentado em cima de uma cangalha saca de uma pule de jogo de bicho, uma porção de fumo picado enrolando e selando-o com baba de cuspe, encerra o ritual tacando fogo na ponta do cigarro com uma faísca instantânea de um sete-lapadas. Olha o vaqueiro por debaixo do chapéu de palha e filosofa: “Cumpádi, ocê atrepado nêxe moirão tem zói de carcará, avista tudo, dá conta de tudo qui a natureza faiz. Mai cumpádi, ocê tá isqueceno de uma coisa. A terra dá mai tomém tira. Quandi ela cirma di cumê a gente, num tem jeito. Ocê pódi sê interrado carçado cum sapato feito de côro cru, mortáia de mesca, caxão de massaranduba, num tem jeito. Ela come tudo. Nossos zói, nossas carne, nervo, tudo. Deixa só o isqueleto bem alvim briano qui nem panela de alumim ariada com areia do ri. Òia, cumpádi, inté qui eu andei quereno acabá cum ela. Quandi eu era pequeno andei cumeno ela. Deu certo não”...  

Sagüi
Enviado por Sagüi em 13/09/2012
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