Bêbados, equilibristas e  borboletas.

 
Você está bêbado, disse Isaías, para Arnóbio, que respondeu: - bêbado sim mas da loucura humana, da qual não faço parte, pois meu reino não é deste mundo... Você sim, bebe que nem gambá! Beber e catar piolhos é o que fazemos de melhor. E ouvir música, acrescentou, enquanto o etílico molhava o sofá da Maga.
   A Flávia, meu caro Arnóbio, não gosta de música - continuou Isaías -, aliás, não sei do que ela gosta. Ela sempre me pede... Não, não pede mais, no começo pedia, agora ordena que eu abaixe o som. Reclama, como pode isso, que a música não a deixa pegar o sono. Ora bolas, quem não gosta de música, pode gostar do quê mais? A Flávia é um enigma a ser decifrado e eu não sou Édipo. Eu me equilíbro entre o desejo e o receio. Parece uma borboleta ao sair com o fone no ouvido, ouvindo noticiários, só pode, ou receitas de culinária. Rádio só presta para ouvir música, acho que ela coloca o fone no ouvido como álibi, para não falar comigo, com ninguém. Borboleta ou crisálida, não sei.
   A Maga, pressentindo que Isaías se exaltava, ela conhecia bem suas reações depois do terceiro copo, entrou na conversa, colocando panos:- Isaías, também pudera, estas músicas que você ouve são um porre. Duas ou três, tudo bem, mas quem aguenta David Bowie, Lou Reed, Chico Buarque, Alice Cooper o tempo todo? Ah coloca um Luan Santana, ela vai adorar - concluiu com uma sonora gargalhada, para, em seguida acrescentar: - Arnóbio, você está realmente bêbado. Este homem não aguenta nada, duas cervejas, veja como está vermelho.
   Como se não ouvira Maga, disse balançando o copo: - Sublimação, gente. Su-bli-ma-ção, acrescentou com um sorriso de lado. Ela sublimou o sexo, sendo chata, aborrecida. Ah o sorriso de lado de Arnóbio sempre fora uma incógnita, que só se esclarecia parcialmente quando as borboletas saíam do casulo. Passava dias alimentando as lagartas. - Por acaso, criar borboletas não é uma forma de sublimar? Inquiriu Isaías, para se vingar das ironias feitas a Flávia. No íntimo a desejava com ardência. Ela surgia em seus sonhos como uma borboleta multicolorida.
Arnóbio agora se equilibrava entre as palavras do bêbado Isaías e a ironia da Maga. - A vida é... ah, deixa pra lá. Deixemos a Flávia, falemos dos piolhos dos pombos, das pirâmides do Egito, melhor, silenciemos... Coloca Edit Piaf... Elza Soares... Foi uma noite de etílico, bêbados equilibrando-se em asas de borboletas.








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Imagem: lucasnicolau.blogspot.com