A Morte de Clara


Clara faleceu ontem, após vinte dias de agonia. Fizemos de tudo para aliviar seu sofrimento, por extensão, o nosso. Bem antes disso ela dava sinais de fraqueza: não subia o morro, não pulava, não brincava e nem me lambia a cara.
   Só Ulpiano derramou algumas lágrimas na presença de todos. Cabra de bom coração. Mais ninguém chorou, pois esperávamos por isso e por termos a consciência da finitude.
    Clara faz parte da primeira leva do rebanho que aportou aqui nesse solo árido, acolhedor. Como o nome indica, ela era branca como a neve.
    Durante esses dias ela ficou confortavelmente alojada em um cômodo, com direito a visita de seus rebentos. Mesmo com o revezamento, eu não conseguia dormir um sono solto. Levantava várias vezes para auscultar seu organismo, medir a febre e dar-lhe soro, que ela, na última semana, recusava. Estávamos todos, inclusive Jussara e várias crianças, presentes em seu último estertor.
    Clara morreu de velhice. Aqui não sacrificamos animais, pois não aprovamos a eutanásia. Também não criamos animais para corte.
   Não tenho dúvidas de que Clara foi uma cabra feliz e nos proporcionou muitas alegrias. Mansa, meiga, um amor. O DNA dela está esparramado no pasto, por meio de seus descendentes. Teve velório e um cortejo esplêndido. Além dos cabras, Jussara com vários alunos e algumas crias de Clara, compareceram ao cortejo, que mais parecia uma festa. Teve um enterro digno, com direito a coroa de flores e beijos de despedida. E claro, cada um jogou uma mão de terra na sepultura. Parecia um anjo e tive a impressão de que ela sorria.
   Só agora, ao escrever estas mal traçadas linhas, liberto as lágrimas. Contudo não são lágrimas de tristeza, ao contrário. Clara nos deu muitas lições de vida. No plano em que sua alma estiver, estou certo de ter dado mais um passo na evolução.


Dos causos de Seu Argemiro

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