Jazz

De fraque negro, calças risca de giz e camisa branca, o pianista adentrou o palco e foi saudado pela plateia do teatro com palmas estrondosas. Ele fez uma mesura, sentou-se na banqueta em frente ao piano de cauda Steinway, olhou para o relógio de pulso, flexionou os dedos... e ficou imóvel.

- O que acontece agora? - Cochichou Mirtes ao ouvido do namorado, Alberto.

- Nada - cochichou ele em resposta.

- Como assim... nada? Ele não vai tocar?

- Não. Essa é uma composição de John Cage intitulada 4'33"; o músico não toca nada durante 4 minutos e 33 segundos.

- Pensei que havíamos vindo assistir uma apresentação de jazz... - murmurou ela, decepcionada.

- Pois então, pense nisso como uma forma altamente transcendental de jazz... tão transcendental que prescinde até mesmo de melodia. E a improvisação... bem, nós a estamos fazendo bem aqui, agora.

- Você quer dizer... com a nossa conversa enquanto o sujeito fica lá sentado?

- Isso! Não há silêncio nesses 4 minutos e 33 segundos. O som ambiente substitui o som da música.

- Olha que eu nunca pensei que fosse capaz disso... - sussurrou ela, sorrindo.

- De quê?

- De fazer improvisações numa canção, como se fosse uma diva do jazz.

Alberto suspirou.

- Menos, Mirtes, menos...

O pianista consultou o relógio novamente. Ergueu-se da banqueta.

A plateia prorrompeu em aplausos estrondosos.

- [13-08-2017]