Ruído branco
Uma semana depois do meu regresso à cidade, Nora veio me fazer uma visita de boas vindas. Tocou a campainha, abri a porta do apartamento e lá estava ela, gordinha e simpática como sempre, um pequeno embrulho de presente nas mãos.
- Nora! Se me avisasse que viria... - comentei, antes de beijá-la em ambas as faces.
- Você teria fugido, imagino - riu-se ela.
- Jamais! Mas vamos, entre... e não repare a bagunça.
Ela entrou, olhou ao redor na sala, como que para verificar o que havia mudado de dez anos para cá, e depois sentou-se no sofá. Sentei-me ao lado dela, que me entregou o embrulho.
- Um presente para você - disse em tom solene.
Abri a embalagem. Dentro, uma caixinha de papelão, e nesta um objeto preto, cúbico, de cerca de 10 cm³ de aresta, vários furos minúsculos em um dos lados, um fio e um plugue pendendo do lado oposto.
- O que é? - Indaguei.
- Algo para ajudar você a dormir...
- Como adivinhou que eu estava com dificuldades para dormir? - Indaguei, surpreso.
- Eu também fiz a mesma viagem de retorno que você, lembra? Há um ano.
Sim, eu me lembrava. E fora o exemplo de Nora que me fizera tomar a iniciativa de pegar o caminho de volta.
- Como funciona?
- É muito simples, basta ligar na tomada. Dentro, há uma ventoinha. O ar é soprado por esses furos e provoca um som relaxante... ruído branco.
- Ruído branco?
- Por analogia à cor branca, que é a soma de todas as cores. O ruído branco é uma soma aleatória de todos os sons possíveis. O que você vai ouvir é um chiado, como o de uma rádio fora do ar...
- E isso é relaxante? - Questionei.
- Você precisa experimentar por si mesmo. Comigo, funcionou - ela afirmou em tom confiante.
- Não custa experimentar - declarei.
E pus o aparelho na mesinha ao lado do sofá.
* * *
Noite.
Deitado em minha cama, virava-me de um lado para o outro, sem conseguir relaxar o suficiente para dormir. Fazia calor, e pela janela aberta, mesmo ali, no terceiro andar do prédio, chegavam nítidos os ruídos da rua lá embaixo: trânsito, motores, gente falando alto, música dispersa. Decidi que iria dar uma chance ao gerador de ruído branco de Nora. Liguei-o na tomada.
A princípio, o ruído da ventoinha. E depois, o barulho da cidade foi se convertendo num chiado, num som de chuva ou de ondas batendo de leve contra a areia. Finalmente, silêncio. Todos os sons do mundo pareciam ter sido suprimidos.
"Isto", pensei eu, "deve ser como o silêncio dos espaços infinitos".
E finalmente, depois de muito tempo, consegui adormecer em paz.
- [18-01-2018]