A noite cai como um aviso que se aproximava o momento   de cumprir mais um compromisso familiar.  Raquel  precisava representar  o papel de anfitriã e ao mesmo tempo, convidada.  Evidentemente, na função de futura e quem sabe, ex-fracassada sogra...Com que roupa eu vou — pensava ela — e escolheu a melhor roupa, nem tanto como em seus tempos de estrela. Cuidou ainda de não se dirigir a Ravenala, chamando-a de Vânia. Com certeza, qualquer desalinho de raciocínio causaria desconforto irreparável. Refez cenas e cenários, contemplou  cinco anos de glamour, somados a  meio século de  posterior anonimato: duas faces a vida lhe ofereceu: a primeira, tecida com fios  mágicos de encanto e beleza,  aplausos, fama e beijos; a segunda, indiferença, solidão  e desprezo.  No entanto, e apesar de tudo, ainda era seu o Cadillac vermelho-acetinado com o qual, no passado, esbanjara elegância e beleza na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. O resto, bem o resto, o vento levou.
— A senhora guarda muitos traços de beleza, fino trato e bom gosto — disse a moça.
— Minha filha, a mão poderosa do deus tempo, triturou-me os ossos. Sou estrela que o vento soprou.
As linhas do rosto revelavam as noites mal dormidas, jornadas de glamorosa fama que hoje ela  trocaria por uma velhice saudável.
— Para que me serviram os holofotes e as noites agitadas se agora só tenho o negrume da solidão? Não tenho sequer azeite para reacender a estrela que se apagou.
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Adalberto Lima, trecho de "Estrela que o vento sorpou."