Chuva

O amanhecer cinza jogava sua luz através da janela aberta, não queria sair dali, não queria encarar o dia que viria pela frente..., mas levantei, entre um bocejo e outro sentei-me na beirada da cama, esforçando-me para retirar as pernas de debaixo dos cobertores, uma de cada vez.

O chão estava frio, tateei o criado-mudo tentando encontrar meus óculos - ainda esfregando os olhos com a mão esquerda – e, ao colocá-los, chequei o quarto, estava igual..., exceto por um detalhe, algo que não estava mais ali, algo que eu sentia falta.

As paredes brancas e sem graça precisavam de uma nova cor, a porta entreaberta era segurada por dois pares de pantufas de panda que me encaravam com seus olhos vítreos. O guarda-roupas estava aberto, era deprimente ver que as roupas ainda estavam ali, mas não tive coragem de tocá-las ainda.

Andei até o espelho, era difícil encarar o reflexo, os cabelos negros curtos estavam bagunçados, olheiras começavam a se formar, o pijama branco que papai nos dera em nosso aniversário, a exatamente um ano atrás estava amarrotado. Através do espelho, as duas camas se faziam presentes atrás de mim: à direita –a minha-, bagunçada; à esquerda, ocupada por um urso de pelúcia, que esperava por alguém para brincar.

Retirei o pijama, e antes de vestir outra roupa, encarei o hematoma em meu peito uma faixa de um roxo acinzentado, deixada pelo cinto de segurança..., as memórias voltavam sempre que à olhava..., sacudi a cabeça para afastá-las e me vesti, uma camiseta verde e uma calça jeans.

Fitei meu reflexo mais uma vez e forcei um sorriso, era difícil, mas meus pais precisavam de apoio, andei até a janela, estava chovendo, era como se o céu derramasse suas lágrimas, algo que, até então, eu não conseguia fazer.

Com o dedo indicador, desenhei dois garotos brincando na janela embaçada, gotas apostavam corrida do lado de fora da vidraça, se juntando aos irmãos em suas brincadeiras. E sem querer deixei uma nova gota entrar na corrida, desfiz o falso sorriso, estava sozinho afinal, o que antes eram dois, havia sido subtraído..., meus joelhos tocaram o assoalho, era frio. Lá fora a tempestade reinava, forçando a mim, com minhas lágrimas, fazer chover dentro daquele quarto frio.