Aparências Ação #M#

Não importava se o céu estava azul, se a natureza estava colorida e o sol brilhava.

Não importava se a noite estava estrelada e a lua iluminava tudo.

Para ele tudo estava sempre cinza. Seu mundo estava em preto e branco.

Nada mais fazia sentido.

Nem o sucesso dos filhos, nem o nascimento dos netos, nem a esposa tentando agradar.

Nem ele mesmo sabia quando se perdeu naquela tristeza imensa, no vazio que sufocava.

Lembrava de sua infância feliz junto com irmãos, primos e amigos. Tudo era alegria e cor em meio a brincadeiras, conversas e sonhos.

Já na adolescência sonhava com uma vida feliz, plena de sucesso e amor. Mas não se interessava por nenhuma garota. Elas se insinuavam, mas não tinham sucesso.

Até que se sentiu apaixonado.

Mas não podia ser…

Ele nasceu homem, tinha que ser homem e homem não chora, não se emociona, não gosta de outro homem… Foi assim que seu pai lhe ensinou. E assim tinha que ser…

Se agarrou aos estudos e foi trabalhar cedo. Anulou seus sentimentos pra viver.

Namorou uma garota e se casou cedo porque homens se casam com mulheres.

Seu pai jamais admitiria que fosse diferente.

Viveu um casamento extremamente infeliz, sua esposa era infeliz.

Mergulhou no trabalho pra esquecer sua própria insatisfação. Foi bem sucedido, fez sua independência. Mas tempos depois se separou.

Dizia que o fracasso do seu casamento foi por ter escolhido a mulher errada. A culpa era dela. Quando encontrasse a mulher certa ele se casaria, teria seus filhos e seria feliz.

E assim foi. Encontrou a mulher de sua vida. Casaram, tiveram filhos, formaram uma linda família e ele deixou sua insatisfação bem guardada no fundo da alma.

Mas a alma é livre e soberana. Não quer saber de aparências, amarras, ser o que não é.

E cobra seu preço por viver insatisfeita e não poder voar livre.

E sua alma lhe disse: “vamos ser o que somos, viver o que queremos” e ele disse que não. Tinha pai, filhos, esposa. E nasceu pra ser um homem. E assim seria.

Ela lhe disse que então se fecharia. E assim fez.

Uma tristeza profunda tomou conta de seu coração. Uma depressão imensa se apoderou de sua mente. A insatisfação de uma vida inteira aflorou em seu espírito.

E não houve médico nem medicamento que desse jeito.

Seu pai faleceu e sua alma lhe disse que agora poderia ser feliz. Sua razão disse que não. O que pensariam seus filhos, seu netos. Não. Era muito tarde. Ele era um homem.

Sua alma se fechou ainda mais. Se fosse pra continuar assim não queria mais viver.

O tempo passava e ele definhava em sua profunda tristeza e depressão.

Seus filhos e esposa faziam tudo que podiam e não entendiam porque ele não reagia.

Ele se mantinha calado…

E naquele dia, quando a esposa chegou em casa, ele dormia profundamente.

Estranhou. Ele quase não dormia, mesmo com medicamentos.

Foi até ele e chamou, tocou seu braço. Estava inerte. Sacudiu. Gritou desesperada.

Olhou ao redor e viu seus vidros de medicamentos vazios…

Acabou seu sofrimento, sua insatisfação por não poder ser quem era…

Quem sabe em outra vida, em outra dimensão houvesse mais compreensão e tolerância?

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 22/04/2024
Reeditado em 29/04/2024
Código do texto: T8047339
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