Eclipse Total Lunar

Tem dia que agente se senti, um tanto quanto menos gente. Nesta manhã por exemplo, levantei para ir ao banheiro, como todo mundo faz e em vez do gosto amargo de cabo de guarda-chuva na boca, com um sabor de arame farpado enferrujado dos diabos; raspando o fio interno do pomo de adão. O chamado goto, primo-irmão do esgoto.

Sentado no trono esperando que alguma coisa acontecesse com as calças à meia perna, lógico senão sujava-a, lembrei-me que comi churrasco no motel ao meio-dia, ontem. Deve ser isso o motivo, espero. Vou aguardar a reação metabólica da ribombeta da parafuseta das laranjas que chupei com bagaço e tudo como sobremesa; se piorar peço para minha mulher levar-me ao médico. Espero que ela não peça auditoria, porque esse ano é bissexto e o eclipse vai cair exatamente no último dia do ano.

Voltei para a cama, minha mulher perguntou sobre a demora, disse que não foi nada. Após certo silêncio entre nós, o que é normal, às vezes passamos semanas sem trocar uma palavra, completei dizendo que estava lindo, maravilhoso o eclípse. Dei um selinho na face dela, virei para o canto e ronquei. Ela fez o mesmo e ao sonhar resmungou: Muta meu amor, vai lavar a boca, aproveite e escove os dentes". Se não tivesse adormecido em cima do trono, tudo não passaria de sonho.

Acordei com minha mulher esmurrando a porta do banheiro. Segundo ela, estava com o mesmo problema que eu. Eu e ela somos pura telepatia; almas gêmeas que nasceram um para o outro, nos entendemos até nesses momentos. Agora estou pensativo se ela contraiu esses sintomas estomacais, ontem ao meio-dia em motel; se for no mesmo, tremenda coincidência em um dia com eclípse lunar total. Mas que tem dia que agente se senti, um tanto quanto menos gente, certeza absoluta!

Porque tudo acontece em noites tão calma, sentindo leveza na alma. E após terminada oa distúrbios assombrosos dessa noite de eclípse lunar total, voltei ao meu estilo poeta de ser. Que alívio; pois morro de medo da morte separar o Muta dele mesmo!