LEMBRANÇAS DO NATAL, 1972 (Histórias da minha infância I )

...Então vestimos nossas roupas coloridas, calçamos nossos sapatos novos com aquelas meias que iam até os joelhos, com bolas de lado, não sei se para combinar com as bolinhas da árvore de natal feita de galhos e enrolada todinha com algodão, colocada em um canto da sala.

Era natal, ano de 1972, eu com 10 anos, só pensava na hora dos presentes... O avô falava lá do quarto com a gente: - Não vão dormir nem ficar conversando na igreja, prestem atenção à mensagem, depois vou perguntar para vocês sobre o que o pastor falou. Eu... Cada vez que pensava no após culto, me perguntava baixinho o que ganharia de natal. Aguardei ansiosamente esse dia, pensava no boneco de meus sonhos. Havia três anos consecutivos que ganhava sempre o mesmo brinquedo: Um bonequinho de pernas abertas, cuequinha de plástico xadrez, olhos de papel que no primeiro banho saía e ficava cego, não queria pensar que mais uma vez, voltaria a ganhar esse bonequinho. Queria mesmo ganhar um boneco que parecia criança, grande, imitação de cabelos para o lado, corado e um sorriso no rosto. Dessa vez, eu iria ganhar, estava sentindo.

Enfim, todos saímos para o culto, a distância era longa e percorrida a pé, tínhamos que atravessar uma longa ponte, sem iluminação e o meu avô Elias, acendia uma lanterna e nos mandava caminhar em fila indiana, mas nem a caminhada, nem a escuridão me abatiam, estava eufórica para receber o meu presente.

Muitos cumprimentos na entrada da igreja sentamos todos juntos, eu, minhas irmãs e primos, o culto iniciara. A peça de teatro era tão bonita que até chorei, contava a história de uma criança que não acreditava no natal. Que bom que eu acreditava, só achava que deveria ganhar um presente melhor, um boneco maior, só em pensar, meu coração disparava.

Ao término do culto, passou-se à segunda parte, a entregue dos presentes. O pastor Horário, um inglês que todos os anos fazia a distribuição, colocou-se em um lugar de destaque e começou a chamar as crianças para receber seus presentes. Eu já estava de pernas bambas de tanta emoção, cruzei os meus dedinhos e fechei os olhos em uma oração silenciosa, queria ganhar o boneco tão sonhado. Foram chamadas duas meninas que estavam perto de mim e as duas ganharam o tal boneco. Eu arregalava os olhos para ver se ainda havia presentes grandes na caixa de brinquedos, esses foram ficando escassos e quando só tinha cinco no fundo da caixa, todos pequenos, o pastor chamou meu nome: Fui receber, mas queria sair correndo da igreja, queria chorar bem forte na minha cama..., mas uma vez não era o boneco cobiçado. Por quê? Por quê? Perguntava-me várias vezes. Senti vontade de pular em cima do presente ganho.

Depois de tudo terminado, me dirigi ao pastor e o chamei para uma conversa., disse-lhe a queima roupa: - Todos os anos espero receber um boneco grande, bonito, e só ganho desse aqui, mostrando o meu bonequinho, por que o senhor nunca me dá um grande?

O pastor Horário então me explicou que eram os nossos pais que compravam os brinquedos, que a minha mãe sempre comprava daquele boneco de pernas abertas porque além de mim, ela também distribuía aos mais necessitados, aqueles que os pais não podiam comprar nenhum, e para que eu não achasse que o meu era melhor que os demais, acabava me dando do mesmo tipo sempre, com exceção da cor, pois esse último que ganhara era negro. Já tinha três deles, agora completara o quarto. Disse-me ainda que as meninas que ganharam o boneco grande, o dos meus sonhos, eram as filhas dos irmãos que tinham uma condição financeira melhor, e eram eles que haviam comprado os bonecos.

Meu coração ficou mais aliviado, não iria jamais exigir de minha mãe que me desse um boneco caro, ela trabalhava com muito sacrifício e sai de lá conformada (em parte).

Passaram-se quatro anos sem nunca ganhar o tão esperado boneco, Aos completar quinze anos, ganhei um dinheiro do meu avô e saí direto para a loja de brinquedos, chegando lá, perguntei pelo preço do boneco que estava pendurado, era o meu boneco. A vendedora me disse o preço. Peguei o dinheiro, paguei e ainda sobrou... Lógico que saí da loja com ele em meus braços. Brinquei o dia inteiro, e já tinha 15 anos. Passados alguns dias, eu o vesti com um pijaminha e o coloquei sentado na minha cama, eu estava mocinha, comecei a me interessar por outras coisas, entre elas, namoro. O próximo passo foi colocar o boneco dentro do guarda-roupa. A criança dava lugar a uma adolescente/jovem com outros sonhos, outras buscas.

O tempo passou e quando fui casar, peguei o boneco e o levei para a minha nova casa, quando nasceu a minha primeira filha, ele estava enfeitando o quarto, mas não tinha mais o viço, estava amarelado. Um dia, a filha de uma amiga que chegou da roça se enamorou dele e eu o ofertei a ela, ainda iria ser um brinquedo útil nos braços daquela garotinha que como eu, talvez sonhasse com um boneco grande como aquele.

Tenho comigo uma certeza: Nunca desistir dos sonhos, mesmo que pareçam impossíveis.

Adi
Enviado por Adi em 26/12/2006
Reeditado em 21/08/2009
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