A INSTIGANTE ARTE DA VIDA - PARTE I (O BOSQUE ENCANTADO)

(Novela em 14 partes)

Era uma tarde belíssima! Flores e pássaros dividiam harmoniosos a mais límpida essência de um lugar, numa partilha sublime de aromas e sons! Fauna e flora saciadas... A natureza a se projetar com liberdade e contentamento numa fortaleza verde e sagrada do bem, com todo seu primor exposto numa verdade sem pretensões...

E Diana ali, inerte, observando distraída cada peculiaridade do pequeno paraíso, dividindo mais uma de suas tardes com a maravilha. Na verdade, sua presença constituía parte integrante do fascínio do lugar. Sim, no resplendor dos seus dezenove anos, ela era linda! Os olhos negros falavam por si, como se dois seres independentes, emanando vida em raios de brilho e luz intensos. Os lábios levemente carnudos insinuavam esplêndida delícia carmesim num contraste simétrico com as faces morenas e macias, abrigadas por longos, ondulados e brilhantes cabelos também negros, que guardavam toda aquela obra humana concebida na perfeição com força selvagem e misteriosa. A beleza feminina na mais alta plenitude! Sensualidade e candura juntas a dar à luz o desejo.

Todo o encanto de um momento paradisíaco no pequeno bosque, situado nas proximidades de uma fazenda do interior de Minas...

Quanto à Diana, tratava-se de uma jovem que perdera seus pais quando ainda menina e fora criada pelos então patrões dos mesmos. Todavia, a partir da irreparável perda, iniciara um torturante e lento processo de degradação emocional que por pouco, não aniquilara sua vida por inteiro. Não que fosse maltratada, pelo menos não explicitamente. Mas sentia a violência de ser impedida de afagar o carinho, de ser tolerada por mera obrigação social ou “cristã”. A infância e a adolescência foram aprisionadas numa redoma de carências, medos e muita indiferença. Sem abraços e colos, sem palavras atenuantes para seus temores infantis; as escassas manifestações de ternura concedidas sempre se remetiam a encenações teatrais.

Apenas quando da partilha de suas tardes com o bosque, que intitulara de encantado, alcançava alguma serenidade de espírito. Era sua fortaleza. Como se a exteriorização das emoções absolutamente despidas, livres de redomas, expostas entre as árvores, em meio às águas, manifestadas através de bichos e plantas. Ali chorava, sonhava, fazia-se e desfazia-se em esperanças e planos...

Naquela tarde em especial, havia tomado uma complexa decisão: iria embora, às ocultas, para Belo Horizonte. Já não suportava mais a mediocridade dali. A vida que para eles se apresentava numa profusão de cores, para ela, nada mais era que a própria opressão obsequiada com um sopro de vida em preto e branco e lançada em movimentos circulares, repetitivos e enfadonhos. Não, queria mais para si, queria mais de si; iria conhecer de fato o mundo, correr perigos outros, fazer descobertas, respirar sua essência.

A tarde se despedia aos poucos, o sol a recolher-se com o vagar da despedida no primeiro encontro entre dois apaixonados. A moça também se despedia do seu paraíso, sentindo tudo – cores, perfumes, sabores, formas – com mais intensidade do que nunca. Partiria ainda àquela noite, aproveitando-se da ausência dos seus padrastos, que fariam uma visita a amigos, numa chácara distante.

Já se fazia noite. Ao sair, a patroa-madrasta advertiu-a para que não dormisse tarde e bateu a porta, sem maior dilação. Apreensiva e trêmula, a moça iniciou a arrumação de sua bagagem. Pouquíssimas peças de roupa, algum dinheiro, um misto de ansiedade, medo e fascínio. Hesitou, pensou em desistir, seria loucura! Sentia-se como se desmembrada em dois seres distintos, que assumiam cada qual um lado de uma corda, exercendo forças contrárias e equilibradas. Mas retomou sua determinação e partiu, deixando sobre a mesa a longa carta através da qual justificava a fuga.

Na estrada, Diana prosseguia absorta nas paisagens de troncos robustos e mata espessa que se estendiam às margens da enorme língua de asfalto e passavam velozes e embaralhadas por seus olhos fixos, alternando-se a cada segundo. Sensações e pensamentos subjugavam-lhe a mente, confundindo-se em meio ao dito matagal fechado que se apresentava a correr com o ônibus. Assustada, tensa, exposta, mas vencida pelo cansaço, adormeceu.

(continua...)

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 01/10/2010
Reeditado em 25/10/2010
Código do texto: T2531685
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