A INSTIGANTE ARTE DA VIDA - PARTE XIII (O CLIENTE)

(Novela em 14 partes)

Pois bem, era então um sábado. Diana acordou às dez e trinta, ainda bem sonolenta (a noite passada fora exaustiva). Saboreou um farto café da manhã e já ia se deitar novamente, quando resolveu verificar os recados. Havia um: “Quero encontrá-la ainda hoje, às dez da noite no bar Stars, aquele da Savassi, você conhece. Prefiro não me identificar, faz parte da minha... fantasia. Não deixe de comparecer, é um apelo! Com certeza, não se arrependerá.”

Era inevitável que achasse estranho o teor misterioso do convite, mas não podia negar que era também muito excitante. Forçou a memória com o intuito de se lembrar da voz, dos homens com os quais esteve no tal bar, mas foi em vão. Recusou todos os demais convites que surgiram. Estava segura, iria àquele encontro! Passou a tarde protegida por um delicioso e longo sono sobre a cama de rainha e ao despertar-se, iniciou logo o ritual de preparação. O banho relaxante... Depois, vestiu um vestido de linho azul, sem decote, a combinar com brincos de águas marinhas em ouro branco. Pintou os lábios em tom discreto, cabelos presos em trança embutida, calçou um par de sapatos italianos com saltos baixos, apanhou uma pequena bolsa e estava pronta para sair! Ar solene, sério e muito elegante! Uma dama acima de qualquer mácula de moral e bons costumes! Seria divertido o contraste com o que o cliente misterioso pretendia.

Chegou ao bar com meia hora de atraso. O garçom acompanhou-a até à mesa do que a esperava. E então:

- Renato!!!

Diana se estremeceu por inteiro! A cabeça retumbou como se um instrumento de percussão arrítmico! Era como se tudo desabasse sobre ela! Não sabia o que fazer, o que dizer, a consciência se esfacelou. Reduziu-se a uma matéria sem vida, inerte, de pé, diante daquela mesa! Renato interrompeu tal estado de torpor:

- Sente-se, Diana.

Ela obedeceu. Aos poucos, foi retomando os sentidos. Indagou-o:

- Como me descobriu?

- Contratei um detetive.

- Mas por que?

- Muitas coisas aconteceram ao longo desse tempo. Há muito o que conversarmos.

- De fato. Muitas coisas aconteceram. Por isso mesmo, não vejo razão para conversarmos.

- Engana-se.

- Não sou mais a mulher que conheceu. Tenho hoje outro estilo de vida, defendo valores bem diferentes daqueles...

- É, eu sei. Mas seus olhos continuam falando por si e eles a denunciam. Felizmente vejo ainda boa parte da minha Diana aí dentro.

- Não estou interessada em suas observações. Preciso ir.

Ameaçou levantar-se. Renato segurou-a pelo braço:

- Não faça isto! Tenho dinheiro, posso pagar o que for necessário para que fique comigo!

- Agora talvez possamos conversar.

- Teria mesmo coragem de fazer amor comigo por dinheiro?

- É a minha profissão.

Os olhos de ambos se lacrimejaram numa partilha de repúdio. E Diana disse, com voz trêmula:

- É que preciso me defender de ofensas deste tipo.

Renato controlou-se:

- Desculpe-me, Diana. Na verdade, eu a procurei porque temos alguns esclarecimentos a fazermos um ao outro. Sei que Celso foi uma invenção de Virgílio para nos separar, do bilhete que recebi delatando aquele encontro, a série de armadilhas das quais fomos vítimas, enfim... O próprio Virgílio me revelou. Ele ficou muito doente, contou-me tudo em seu leito de morte. Por sinal, uma morte lenta, penosa.

- Ora, pelo menos uma notícia boa, menos um vírus letal na atmosfera! Espero que tenha sofrido como um porco no abatedouro!

(Riso sarcástico entre dentes cerrados...).

- Sim, sofreu. Mas não posso lhe tirar a razão.

- Mas ele realmente lhe contou tudo?

- Sim, inclusive sobre nosso filho.

Diana abaixou a cabeça e quase chorou. Mas conteve-se:

- Você viajou mesmo com ele para a Europa?

- Sim. Foi o melhor pra mim naquelas circunstâncias...

E aí, um silêncio envolvido em troca de olhares profundos; profundos e frustrados. Dez, trinta segundos... E Diana:

- Ele destruiu a nossa vida. Ou melhor, ele preparou o estopim; nós nos encarregamos de atear fogo.

- Ainda é tempo de...

- Não diga isso! Existem obstáculos intransponíveis que nos separam.

- Finalmente sou um artista reconhecido, sou o único herdeiro de Virgílio, tenho muito dinheiro, poderíamos recomeçar...

- Sou uma prostituta, você se esqueceu?

Mais silêncio...

- Você não estaria disposta a abandonar essa vida?

- Não. Mas de qualquer forma, já estou marcada pela profissão. Você não tem condições de superar esta realidade. No fundo, é machista demais! E aí, viriam comparações, ficaria inseguro quanto à eficácia de sua performance sexual; enfim, seria um inferno!

- Eu ainda a amo muito! E também ainda creio que o amor supera o insuperável!

Diana suspirou no íntimo. Mas se manteve irredutível:

- Suas atitudes do passado em nada condizem com essa sua teoria romântica. Ah, claro, é porque na prática é bem diferente. Basta! A nossa história já passou...

- Não, não pode ser. Jamais consegui esquecê-la e sinto que meu sentimento é correspondido, você não consegue disfarçar!

- Sentimentos não são tudo...

- Vivemos ou deixamos de viver por eles... Façamos assim, marquemos um outro encontro no próximo sábado. Você terá uma semana para refletir melhor.

- Não, não há necessidade.

- Às onze horas da manhã, na Praça da Liberdade. Vou esperá-la. Garanto que não se arrependerá se comparecer. Nossos laços não se desatam aqui...

Dizendo isso, ele levantou-se e saiu, deixando o valor das despesas com o garçom.

Ela estava perplexa! Degustou transtornada três doses do apreciado campari e saiu logo em seguida, como se a vagar por sobre nuvens carregadas. Todo aquele passado conturbado, repleto de altos e baixos, voltando a invadir-lhe os pensamentos. Lutara absurdamente contra si mesma para esquecer e naquele momento, tudo à tona de novo...

Ainda o amava demais, contudo os rumos que tomou em sua vida os separavam definitivamente. Sim, bem sabia que o artista jamais superaria o fato de ela ter sido prostituta; não seria difícil, em seu círculo de relacionamentos, deparar-se com algum homem que já tivesse se deitado com ela. Lançar filhos ao mundo para aclarar as manchas, impossível. Enfim, todas as circunstâncias eram desfavoráveis para uma retomada bem sucedida. Decidiu então: não voltaria a vê-lo.

No entanto, naquela semana não conseguiu mais trabalhar. Resolveu fazer uma viagem sem data de regresso, numa tentativa inútil de descansar suas ânsias.

Durante a viagem, refletiu ardorosamente sobre tudo e concluiu mais ardorosamente ainda: não havia mesmo a menor possibilidade de retomar o romance...

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 05/10/2010
Código do texto: T2538445
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