BRIGA DE GALO

(continuação de A CASA CAIU)

Por causa de um desentendimento na briga de galo, Zé Paixão chamou Galego do sorvete de corno e levou quinze facadas na barriga.

Todo mundo sabia que a mulher de Galego do sorvete botava chifres nele, mas o corno ficava brabo quando alguém falava nisso.

Ainda tentaram socorrer, mas as peixeiradas haviam dilacerado o fígado e as tripas de Zé Paixão, que morreu no meio de uma poça de sangue.

A notícia se espalhou como rastilho de pólvora seca e em pouco tempo chegou ao armazém de material de construção de Zé Borges.

- Alguém precisa ir lá em casa dar a notícia da morte de compadre Zé Paixão. (Antenor disse)

- Pode deixar pai, eu tenho que ir trocar essa camisa que está com bodum de pai de chiqueiro.

Quando Antenor parou o caminhão na porta, Do Céu estava lavando a varanda. Antenor se dirigiu aos batentes da subida e ela disse:

- Entre por trás Antenor, eu ainda não acabei e vai sujar a sala que já está limpa.

- Eu só vou entrar depois. Chegue aqui que eu tenho um negócio para lhe contar.

Maria do Céu largou a vassoura e desceu os degraus, enxugando as mãos na saia, e ficou frente a frente com o noivo prometido.

- Que é que você tem para me dizer?

- É sobre seu pai.

- O que foi que ele aprontou dessa vez? Aquela cachaça desgraçada ainda vai matar ele.

- Foi isso mesmo que aconteceu.

- A cachaça matou ele?

- A cachaça mesmo não, mas por causa dela, teve uma confusão na briga de galo e Galego do sorvete esfaqueou teu pai quando foi chamado de corno.

- Eu já esperava por uma notícia assim...

- Eu sinto muito Do Céu. Sinto por você e por suas irmãs. Sinto como se fosse um parente meu. Ele era padrinho de Vinho, e foi sempre muito considerado por pai, apesar daquela cana miserável que bebia. (dizendo isso Antenor abraçou Do Céu que, chorando mansamente, escondeu o rosto no ombro do noivo) É preciso dar a notícia para mãe e para as meninas.

- Não me deixe aqui só não. (disse Do Céu abraçando Antenor com força e uma ternura que ele desconhecia).

Algum tempo depois entraram pela porta da cozinha, onde as três mulheres estavam ultimando o almoço e preparando pamonhas para o jantar.

- O que é que você está fazendo em casa a essa hora, Antenor? O que foi que aconteceu? O que foi que você fez com Do Céu para ela estar chorando?

- Foi seu Zé Paixão, mãe.

- Que é que houve com compadre?

- Mataram pai, madrinha.

- Armaria!

- Valha-me mãe de deus!

- Como foi isso menino?

- Conta logo, Antenor.

- Foi na briga de galo. Uma discussão com Galego do sorvete. Seu Zé levou um bocado de peixeiradas e morreu lá no meio da rinha.

- E agora, o que vai ser de nós? (perguntou Lourdes, olhando os rostos molhados de lágrimas das irmãs)

- Vai continuar tudo como está. A morte de compadre não vai alterar nada daquilo que a gente tinha combinado. Eu já estava me sentindo responsável por vocês e agora então, depois disso, vocês vão ficar aqui, comigo. Os meninos se mudam para a casa da Rua Dois. Eu não quero que esse povo fale que vocês se perderam na vida por causa da morte de compadre.

-------------------------------------------------------------------

Romildo ainda era adolescente quando aprendeu o ofício de barbeiro,

trabalhando com seu Zuza da Barbearia São José, no centro da cidade.

Depois montou a própria barbearia no bairro onde morava e que era bem frequentada pelos conhecidos, que faziam questão de ir cortar o cabelo ou fazer a barba, só para ter motivo de gozação porque, Romildo por ser anão, tinha que trabalhar montado em três bancos colocados ao redor da cadeira para ele poder alcançar as cabeças dos clientes.

Apesar das mãos pequenas e torcidas, Romildinho, como era mais conhecido, trabalhava com maestria tanto com a máquina, como com a tesoura ou a navalha.

Romildo gostava de briga de galo e montou uma rinha no terreno grande ao lado da casa onde morava e tinha o salão.

Os desocupados se reuniam para falar sobre as rinhas, contar as vantagens dos seus animais, botá-los para brigar e fazer negócios de compra e venda de galos e galinhas, que muitas vezes, não valiam o punhado de milho que comiam diariamente.

Não era raro acontecerem desentendimentos entre os participantes, também porque, Romildo vendia bebidas alcoólicas, principalmente aguardente, conhaque e cerveja num barzinho improvisado na janela grande da casa de Expedita, com quem vivia amasiado, desde que ela mandara o marido para os quintos dos infernos.

- Aquilo era um velhaco safado. Vivia às minhas custas. Se não fosse eu trabalhar como uma condenada, fazendo cocada e faxina nas casas dos outros, as crianças tinham morrido tudo, de fome. Graças a deus, apareceu Romildinho na minha vida e aí eu pude jogar no mato aquele traste que não servia nem para limpar penico em puteiro. Ainda bem que compadre Zé Borges arranjou uma carona com um caminhoneiro, amigo dele, e levaram aquela quizila prá bem longe. Diz que ele está pras bandas de Minas Gerais. Diz que arrumou emprego por lá, mas eu muito duvido. Cabra preguiçoso está ali. Vai ver que arranjou uma besta, igual a mim, para sustentar de um tudo e até pagar cana para ele.

Outros freqüentadores da rinha, amigos de Zé Paixão, eram Manga Larga (apelidado desse jeito porque tinha a cara grande como a de cavalo), Betel e Aluísio.

Todos os dias se juntavam os quatro para tomar uma garrafa de aguardente, mas tinha dia em que não tinham dinheiro para comprar e ficavam pedindo, a um e a outro, que pagassem uma lapada porque Romildo, não vendia fiado nem para a mãe dele.

- Se Jesus chegasse no meu bar para tomar uma cana e pedisse fiado, porque não tinha dinheiro para pagar, eu dava. Dava a cana, a ele, só a ele, mas fiado eu não vendo de jeito nenhum.

Esse problema do dinheiro ficou em parte resolvido, quando Nestor da funerária, resolveu ir também, diariamente, encher a cara.

Ele comprava uma garrafa, mandava botar um copo americano cheio, na palheta, e deixava o resto da garrafa para os outros quatro; Zé Paixão, Manga Larga, Betel e Aluísio.

Apesar da fartura, sempre, sempre havia discussão porque um dizia que outro qualquer, havia bebido mais que os outros três.

Essa turma só usava a rinha como local de encontro para tomar aguardente, porque nunca tinha dinheiro para apostar nem muito menos criar os galos, mas eles eram sempre os primeiros a pegar pedaços de galo torrado, quando um desses animais perdia e o proprietário, fulo da vida, mandava Expedita preparar o bicho para servir como tira gosto.

Quem raramente aparecia era Galego do sorvete, primeiro porque sendo ambulante, batia secas e mecas empurrando a carrocinha e tocando o sino fininho que era a alegria da criançada.

Também porque, várias vezes por dia, ele dava uma chegadinha em casa com a desculpa de que “era para ver como estavam as coisas”, mas todo mundo sabia que era porque quando ele estava longe, a mulher chamava qualquer homem que estivesse passando para botar-lhe chifres que era para enfeitar a cabeça grande e loura de Galego.

- Diz que ela tinha furor uterino, não havia rola no mundo que desse sossego àquele periquito assanhado. A mulher ficava com ar de doida no dia que não dava pelo menos duas trepadas.

Por causa dessas histórias é que Galego do sorvete ficava uma arara, quando a conversa pendia para esse assunto de chifre e se alguém chamasse de corno, ele partia para a briga na hora.

Zé Paixão continuava com a caveira cheia de aguardente, desde que a casa tinha caído, quando se lembrou de tirar gosto com picolé de morango e foi pedir um.

Galego disse que não tinha picolé para dar a bebo nenhum. Aí Zé Paixão disse:

- Quem gosta de dar é tua mulher, né corno manso?

Pronto, foi o bastante. Galego cego de raiva danou-lhe a peixeira

(continua em O VELÓRIO)