Quando brota o amor I

Cláudio era um menino negro, magro, tímido, faminto . Filho de um casal alcoólatras, que em lugar de carinho lhe davam surras e fome . Ele vivia nas ruas da pequena cidade onde nasceu de nome Carentudo, no estado do Quiriataboã. Seu país era chamado Esquecidélfia .

Sem rumo certo, sem limites, sem educação. Quando era acolhido por uma família, era também enxotado no primeiro passo errado que desse .

Ele sempre dava um passo errado em particular . Cresceu dando esse passo errado. Foi sempre moldando esse passo, de modo que os donos da Casa não descobriam nunca . Era expulso , às vezes por outros motivos, mas nunca por tal razão . Quando os donos da casa tomavam conhecimento do assunto, a vítima, ou talvez a sortuda já era avó .

O passo errado praticado por este jovem para muitos é considerado passo certo . O fato é que ele só tinha aquela forma de se realizar . Tudo era difícil para ele, cuja perna direita era menor que a esquerda . Andava mancando . Havia lesões nessa parte do corpo. Consequência de doença adquirida por viver sem cuidados de família. Ele sofreu de reumatismo ósseo, ainda menino . Não estou aqui querendo defender meu personagem por ser, talvez, o meu favorito ou outra razão qualquer. Desconsidere essa possibilidade, por obséquio ! Escrevo com amor aos personagens de modo igual , assim como uma mãe ama seu filho .

Vivendo desta forma, um dia foi acolhido por uma nova família , que saiu da pequena cidade de Carentudo e foi se instalar no sítio , numa cidade de nome Atekeficobom, no mesmo estado . A família do Seu Pedro dos Santos. Uma família grande, como outras de seu tempo . Ele tinha 14 filhos. Família originada da mistura de branco com índio . Seu Pedro tinha cabelos lizinhos bem pretos , olhos rasgados. Era baixinho, gordo e sua pele era, da cor da terra . Sua esposa era alta , branca , magra e seus cabelos eram cheios de cachos negros. Brava que só !.O menino já era quase um adolescente quando foi acolhido pela família Santos . Parecia feliz naquela casa .

Dez anos depois , chegou para morar no sítio, um dos filhos de Seu Pedro com seus sete filhos e sua esposa Dona Marlene . Cláudio era como um irmão para Seu Joaquim, então já fez amizade com seus sobrinhos tortos. Vivia contando histórias para eles, que ficavam de olhos estalados, ouvidos atentos e boca fechada. Os donos da casa ficavam impressionados ao ver a influência que Cláudio exercia sobre seus rebentos .

Dona Marlene sempre comentava do dia em que chegou em casa, e percebeu um grande silêncio . Ela, que era acostumada a chegar da lida da roça, e ter sempre motivos para aquecer uns bumbuns salientes, nesse dia estranhou. O chinelo em seus pés, quando vinham da roça, vinham sempre cantarolando, sorrindo imaginando “ a dança do me acode “ que acontecia na sua chegada . Eram fofocas que uns faziam dos outros, tanta bagunça que o chinelo era o “martelo do juiz”. Dona Marlene sempre foi boa mãe. Ela não espancava seus filhinhos. Apenas dava umas chineladas no bumbum dos mais levados, para eles não perderem a noção de seus limites. Nesse dia, porém, o chinelo veio meio acanhado, sem graça. Parecia adivinhar algo. Ficou por muito tempo sem graça e triste porque não havia mais bumbum de menino, nem de menina para esquentar, para ensaiar o” xote -pé- de- serra “. Cláudio sempre estava ali para envolver a meninada com suas histórias inventadas na hora.

Cláudio, ali se sentia importante, “o cara”, numa época em que ser negro ainda era um grande desafio. Ele representava a alegria naquela casa. Naqueles momentos, o jovem parecia esquecer que era tratado como um pobre miserável, um ser desprovido de talentos somente por causa da cor de sua pele, bem como de sua condição de menino de rua, pobre e sem família. Se viu por mais de uma vez explorado por pessoas do bem. Pessoas que o acolhiam com intenção de se promover perante a sociedade. Se autopromover como “ bonzinhos”, depois o colocavam em serviços pesados, para pagar a estadia. Cláudio, com sua limitação física não desempenhava bem no serviço da roça. Cuidava mais de buscar lenha, serviços ao redor da casa .

Foram tempos felizes, tanto para Cláudio quanto para a família de Joaquim. Nossa vida é marcada por encontros e desencontros . A amizade também tem vírgulas, ponto – e- vírgulas , reticências e pausas . Chegou o dia em que Joaquim resolveu morar na cidade grande com sua família. Cláudio já era um homem. Tinha 18 anos . Foi triste a partida para eles tão afeiçoados uns aos outros, mas Joaquim não poderia levar Cláudio com ele .

Quatro anos depois, Cláudio já com mais idade, foi morar junto com a família de Seu Joaquim, na grande cidade de Kaladimkibom. Continuava tímido como antes. Quando chegava visita em casa, geralmente, ele se escondia. Também não gostava de ser fotografado. Arranjou um emprego de gari, que não dava um bom salário, mas era melhor que nada.

As crianças menores de Seu Joaquim continuaram com as mesmas brincadeiras de contar histórias, de bagunçar e pentear cabelos, de fazer tranças doidonas no cabelo de Cláudio, de encher os cabelos dele de grampos. Ele mantinha os cabelos um pouco grandes, os quais dava para encher de amarradinhos. Ficava igual à uma assombração quando despenteados. Tudo para ver a meninada contente .

Os meninos e as meninas de seu Joaquim também cresceram . Já não dava mais para tais brincadeiras com todos, apenas uns dois mais novos continuavam brincando. Nesse período, Seu Joaquim mudou de bairro para ficar mais perto de seu trabalho. Cláudio, porém ficou mais distante do seu local de trabalho , passando a partir daí, a vender picolé nas ruas, a fazer alguns serviços domésticos, em troca da estadia. Dona Marlene arrumou serviço de zeladora. Cláudio fica mais tempo com a garotada que os próprios pais. Eles confiavam mesmo em Cláudio.

Um dia Joice, a filha do meio, recebeu uma cartinha de amor junto de seus materiais escolares. Fator que a deixou chocada. Ela reconheceu a letra de Cláudio. Se afastou dele de vez, sem comentar nada com ninguém. Fingindo não saber nada. Ele continuou cercando Joice discretamente. Ela não lhe dava atenção. Então, ele escreveu outra carta, declarando seu amor à menina que completara catorze anos recentemente. Entregou-a pessoalmente nas mãos da jovenzinha, a qual nada falava aos seus pais, pois sabia que ele seria mandado embora de casa. Ela sabia que ele iria sofrer muito, devido aos seus problemas físicos.

Joice não suportava a idéia de Cláudio, sendo muito mais velho que ela, o qual ela tomara como tio ou irmão, agora insistisse nesse caso. Para ela, isso era absurdo e horrível. Sentiu nojo e raiva daquele homem, em cuja pessoa seus pais e ela mesma depositaram tanta confiança. Ele não sabia que ela era apaixonada por um colega da escola .

Cláudio não suportando tanta rejeição, falou com a mãe de Joice de seu interesse. D. Marlene ficou perplexa . Esclareceu a ele que Joice era nova demais para a idade dele . Esperou que Cláudio esquecesse aquela idéia. Ele,

Lindalva
Enviado por Lindalva em 25/10/2013
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