Final de : Quando brota o amor I

Assim sendo, pela legislação brasileira em defesa do menor, Cláudio seria detido como pedófilo . A história aconteceu há muito tempo. Num tempo em que o povão conhecia menos a lei. As famílias entendiam mais como um crime espiritual, pecado contra Deus. Na maioria das vezes consideravam a mulher a culpada, afinal ela sabia que deveria permanecer virgem até o casamento . Ela tinha que se cuidar. Caso alguém da família desse o flagrante, cada uma reagiria de forma diferente, de acordo com as relações entre as partes. Forçavam um casamento indesejado, e outras formas de agressões diversas. Caso aconteça hoje , e seja descoberto a tempo, o cidadão , vai para a prisão, como pedófilo.

No Estatuto da Criança e do Adolescente – Capítulo II faz menção “Do direito à Liberdade , ao Respeito e à Dignidade .

“ Art.18 . É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor .”

Cláudio devolveu à sociedade aquilo que recebeu. Vivia sendo espancado pelos pais, fato que fazia com que ele fugisse de sua casa. As pessoas que o ajudavam, sentiam pena dele, de sua condição precária. Algumas pessoas não gostam de saber que outros sentem pena delas, seu orgulho fica ferido. Aquele olhar do tipo : “__ Estou te ajudando, agora vê se faz tua parte. Isto terá um preço !!” Outro olhar que igualmente incomoda : “__ Quem nasceu para real nunca chegará a Euro , portanto , tire os olhos da minha filha, você é pobre demais . ” Conforme a família reagia, Cláudio elaborava uma forma de devolver as alfinetadas que recebia. Alfinetadas essas, nem sempre ditas com palavras, mas com o olhar que nada esconde . Ele sempre escolhia as meninas mais bonitas e mais amadas da casa, para mostrar que também tinha seus dotes . Para ferir profundamente , aqueles que o feriam, tratando-o como a um zero à esquerda. Ele não era tão idiota como pensavam que ele fosse . O pior é que Cláudio provou que nem sempre beleza põe mesa . Ele não era nem um pouco bonito, nem atraente . Também provou que, não é preciso dinheiro para saciar sua fome . Você tem que descobrir os caminhos que o levam à comida . Menino danado esse Cláudio!! Já sinto a inveja que muitos de meus leitores masculinos, estão sentindo dele agora , enquanto leem este conto .

É claro que, quando Joice começou a ser assediada também teve medo. Ela e seus irmãos tiveram seus direitos negados, neste mesmo artigo. Seus pais o deixavam sozinhos sob a guarda de um homem que eles já conheciam a conduta duvidosa. Eles precisavam trabalhar para trazer o sustento para a família. Então, nota-se aí, outra realidade. A realidade da lei criada por um reizinho mandão, que decreta leis a torto e a direita . Lança punições, e não dá condições para seu povo exercer sua cidadania, nem tão pouco para sobreviver. Para uma família ficar protegida, é preciso salários justos . Se o pai ganhasse um salário suficiente para tratar de toda a família, a mãe não precisaria sair em busca de emprego, deixando seus filhos a mercê da sorte, na toca do lobo .

“É preciso escola, para ninguém ter que pedir esmola. É preciso aprender a lição, para que não seja necessário construir prisão . É preciso coração para se dar o perdão. É preciso amor para diminuir a dor . ”

Elaborar leis e artigos de punições é mais fácil. Aprendemos rápido a atirar pedras. Nossa dificuldade é juntá-las. Assumir nossos erros, nossa incompletude frente ao outro, pesa muito para nós.

Joice era uma jovem de 1,50 de altura, moreninha clara, cabelos castanhos encaracolados, olhos castanhos escuros. Muito dedicada aos estudos, e a tudo o que se propunha fazer . Sua saúde foi sempre morna . Sofria de endometriose. Um problema que atinge de 10% a 15% de mulheres em idade fértil . Durante o período menstrual, essas mulheres sentem muito desconforto, que as impossibilitam de exercer suas atividades habituais. Sentem dores fortes, diarréia ou dor para evacuar . Variando de mulher para mulher, esses sintomas que podem gerar a infertilidade. É um tipo de mal estar que muitas mulheres convivem sem acompanhamento clínico. Joice sofria bastante. Sua família não entendia isso . Consideravam-na preguiçosa, dengosa, antipática. Chegou a ouvir vários sermões de sua mãe. A exemplo : “__ Quando você se casar, também vai ser assim ?” “__Vai ficar de cama toda vez que menstruar ?” “__ Você vai ter que se casar com rapaz rico, desse jeito !” Quando a jovem passou por um ginecologista, já sofria muitos anos. Não foram poucas as oportunidades de emprego que esta menina perdeu, por causa deste problema. Ela sempre enfrentou isso de cabeça erguida frente à sociedade, todavia frente a família, ela guardava um certo ressentimento . Se sentia triste, sozinha. Achava que sua mãe gostava mais das outras filhas que dela. Jacira era a mais amada porque era a primeira filha do casal . Judite era bem amada porque era branquinha, cabelo liso, a mais bonita. Joice, a filha do meio era o tipo sem graça, para não dizer mal humorada, nos dias difíceis da mulher então, ninguém agüentava . O IBOPE dela caía, e o das outras atingia os 100% . Se ela quebrasse um copo, vazio de massa de tomate, era desleixo . Se as outras quebrassem um copo de luxo era coisa que acontecia a qualquer um. Até no casamento de Joice D. Marlene se comportou mau. Fez o que pode e o que não pode para impedir. Todo namorado que a menina arrumava, tinha um problema para a mãe. Ela não queria que Joice se casasse, pois queria que a menina ficasse com ela e Seu Joaquim, na velhice, para cuidar deles.

Joice se sentia tão desprezada, que andou pesquisando em tudo quanto era papel velho de sua mãe, para ver se encontrava alguma pista, que a levasse a acreditar que não era filha biológica de D. Marlene . Entretanto nada encontrou.

Passados alguns anos, Seu Joaquim e D. Marlene resolveram voltar a morar noutra cidade. Ficaram mais perto dos outros filhos , em Veimkteim , mesmo estado de Quiriataboã . Judite era bem casada . Vivia bem com seu esposo que nunca a maltratou por causa de seu passado com Cláudio. Ninguém ousava tocar no nome desse homem , que quase destruiu a vida da família de Seu Joaquim .

Apesar de tantos problemas, Joice estudou e se especializou em literatura . Tornou-se professora de Língua Portuguesa. Desenvolveu sua atividade docente, numa pequena cidade do interior de Quiritaboã, chamada Pequenógeles. Uma cidade de 16.0000 habitantes, onde todo mundo se conhece, ou já se viu. Lugar calmo e tranqüilo. Casada com Guilherme, que lhe apoiava muito em seu trabalho. Era um casamento feliz. Ele atuava como enfermeiro no hospital municipal da sua cidade, bem como em mais dois municípios vizinhos. Formavam um lindo casal e tiveram duas filhas : Emanuelli e Emilly. Sempre programavam viagens em fins de ano.

Cláudio vivia numa cidade do interior de Quiritaboã, chamada preciosidade. Havia nesta, diversas minas de garimpo. Trabalhava como cuca. Cozinhava para os garimpeiros e guardava algumas pedrinhas que ia encontrando. Comprava umas, achava outras. Sua economia crescia a cada dia. Vendia as mais baratas e comprava diamantes. Nunca comentava com ninguém sobre suas intenções. Não quis se casar, nem tinha filhos. A velhice estava batendo à sua porta. Já era um Senhor de 60 anos de idade . Ele porém, não desanimava . Trabalhava todo o tempo. Ninguém dava nada por ele. Um negro de 60 anos, ainda é forte. Deus deu a eles essa característica especial. Quando chega a velhice, todo branco queria ser preto, mas eles não aceitam trocar de lugar. Cláudio sempre teve facilidade para fazer amigos. Jamais estava sozinho. Ao lado dele havia uma família, onde um se apoiava no outro. Era D. Kiki , a viúva, de pele morena, cabelos lisos e seus três filhos: zecão, Magrelo e Batata. Os rapazes já estavam na idade de se casar, mas também não estavam interessados. Magrelo, era pai solteiro. Sempre que podia, visitava seu filhinho . Levava dinheiro para os cuidados do garoto . D. Kiki tinha orgulho desses meninos.

Cláudio era um homem de 1,70 de altura, forte e não gordo . Cabelos crespos negros, e olhos castanhos escuros bem arredondados , sobrancelhas grossas. Nunca esqueceu Seu Joaquim e D. Marlene com a filharada. Da comida daquele povo, cheio de energia, acostumados com a lida dura da vida. Quando fazia muito frio, eles acendiam uma fogueirinha perto da casa, numa posição contra o vento . Ali assavam mandioca, batata doce . Era bom demais.

Cláudio ficava triste, toda vez que se lembrava daquela família que lhe deu tanto amor , e que ele foi idiota , e não soube retribuir . Ele pensava consigo : “ __ Por que fui tão irresponsável ? Por que não pude controlar meus ímpetos masculinos ? Agi como um animal, meu Deus ! Será que algum dia vão me perdoar ? Eu poderia estar lá, morando junto com eles até hoje ! Mas não, eu tinha que pisar na bola ! Agora estou aqui nesta vida, no meio do garimpo, até correndo risco de perder a vida. Se algum desses garimpeiros descobrirem o que tenho guardado, já era. Me matam e levam tudo. Que futuro tenho ? Quando eu iria imaginar que me apaixonaria por Joice, a irmã da criança que eu seduzi ? Com tanta mulher de minha idade dando sopa, fui me envolver com criança ! Tenho que pagar minha conta com Deus !

Quando D. Kiki perguntou à Cláudio se ele teve uma namorada especial, ele lhe falou do amor que ainda guardava por Joice. Contou sobre seu passado, sem medo. Esta família o compreendia .

Após 25 anos de magistério, Joice adquire uma doença chamada fibromialgia. Considerada uma síndrome porque engloba uma série de manifestações clínicas como dor, fadiga, indisposição e distúrbios do sono entre outros, variando de indivíduo a indivíduo esses sintomas. Seu sofrimento é grande demais. Ela se afasta do trabalho e vai curtir uma temporada em Divinópolis , no estado do Espírito Santo . Suas filhas já são crescidas, e estudam fora do país . Joice escolheu este lugar porque fez amigos incríveis e, alguns de sua profissão já aposentados, eram donos de pousadas à beira da praia. Ela foi àquele lugar para repousar e recuperar sua saúde .

Quando se somaram vinte dias que ela estava naquele lugar, numa bela manhã, a dona da pousada a chama para receber um pacote que o correio lhe trouxe. Joice recebe a caixa, assina o recebimento na certeza que era da parte de seu esposo Guilherme . O carteiro se vai . Joice olha o remetente e não reconhece aquele nome . Lê : “__ Quitéria Maria de Jesus – de Preciosidade . Quem será ? Deve ser engano . Olha o destinatário – seu nome e endereço corretos . Vai para seu quarto ler o pacote estranho . Abre o pacote e encontra uma pequena imagem de Nossa Senhora das Graças, muito linda. Encontrou ainda uma carta. Fica pálida quando começa a leitura. Logo de início, Cláudio pede perdão pelos erros cometidos na família de Joice. Declara nunca tê-la esquecido, da saudade que sentira estando tão distante de todos. Das noites sozinho e do frio, da solidão e do encontro com a família de D. Kiki que lhe apoiaram . Fala como fez para conseguir o endereço de Joice. Sempre verificava através dos irmãos de Seu Joaquim onde Joice poderia estar morando. Sabia de cada mudança de endereço da amada. A Senhora Joice ficou até constrangida, suas faces ficaram rubras, do mesmo jeito que ficou quando recebeu sua primeira cartinha de amor. Pegou a imagem de Nossa Senhora que estava no pacote virou de todos os lados. Observou-a bem . Dentro dela havia outro papel. Joice o pegou, e tratava-se de um documento onde Cláudio passava para Joice toda a sua economia de anos guardada em forma de diamantes, num local bem seguro . Ele escreveu assim em sua carta : “__ Querida Joice, antes de mais nada, te peço licença para te chamar de querida . Sei que você não gosta que me dirijo, nesses termos a você, até porque não sente por mim o mesmo amor que sinto por ti . Meu amor por você é grande e infinito. Te peço perdão por tantos erros cometidos no seio de sua família, que também era minha. O tempo com sua força implacável não foi capaz de me fazer te esquecer . Deixei para você todas as minhas economias. É uma forma de corrigir o que fiz . Sei que dinheiro, riqueza não paga ferida aberta no coração de ninguém, não apaga passado mau vivido, mas com ele posso te provar que não fiz o que fiz de caso pensado. As coisas foram acontecendo, e eu fui deixando . Peço mais uma vez, me perdoe . Diga a seu Pai que levo todos no coração . A idade chegou, percebi que estava adoecendo e que não viveria muito tempo. Escrevi esta carta antecipada para me certificar que iria chegar em suas mãos. Procure D. Kiki. O endereço está aí na caixa. Sua encomenda está guardada numa caixa, dentro da mala de minhas roupas. Uma caixa simples, cheia de papéis, junto deles há uma meia preta com todos os diamantes no valor de “Um milhão de reais “ que te deixei . D. Kiki tem a chave de meu quarto. Ela não sabe desse segredo, ninguém sabe. Sei que você saberá fazer bom uso desse dinheiro . Adeus, me perdoe e ore por mim para que eu mereça a entrada no céu .

Seu grande admirador Cláudio José Cândido

Após ler a carta, Joice chorou muito e orou pela alma de Cláudio . Procurou, pois seu esposo e juntos foram à casa, onde Cláudio morava. Encontraram D. Kiki, e se apresentaram. Entraram no quarto de Cláudio, retiraram o pacote destinado a eles. Na caixa havia fotos de Cláudio que o casal recolheu com carinho e tristeza. Visitaram o túmulo do falecido, fizeram mais orações ali. Joice e Guilherme reuniram toda a família e celebraram uma missa pela alma de Cláudio. Mandaram fazer um túmulo muito lindo para ele.

Com o dinheiro recebido Joice e Guilherme fundaram uma instituição de apoio aos menores abandonados com o nome : “Instituição Cláudio José Cândido “. No dia da inauguração da instituição, diante de muitos convidados importantes, Joice lê a biografia de Cláudio, conta um pouco de sua vida, e quando ela termina, caem sobre ela, muitas pétalas de rosa vermelha que ninguém soube explicar de onde vieram . Joice entendeu que era Cláudio lá do céu lhe dando provas de amor .

Lindalva
Enviado por Lindalva em 25/10/2013
Reeditado em 10/11/2013
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