Contatos - Parte I

SERIADO

CONTATOS

PARTE I

Emília passeava pela areia da praia deserta aquela hora do dia. O mar estava seco, as vagas cruzavam seus pés e a espuma se quebrava nas pedras. O dia clareava lentamente, bem como clareavam os holofotes do seu pensamento. Havia perdido Régis, seu marido muito amado, para uma doença que o minara quase que de repente, em apenas dois meses. João Régis contraíra leucemia e, quando os sintomas se manifestaram no organismo do engenheiro, violentamente a vida o deserdou. O homem que edificara exuberante fortuna, especialmente em bens materiais. Não sabia guardar dinheiro, sempre buscara investir seus ganhos e o resultado estava agora em mãos de Emília Régis: 4 fazendas, inúmeros imóveis, bastantes carros e... 8 filhos! Três moças e 5 rapazes. Ralph (18), Norma ( 17 ), Wagner ( 16 ), Sílvio ( 15 ), Geraldo ( 14 ), Sandra ( 12 ), Samuel ( 11 ) e Elaine ( 8 ).

Emília Régis matutava em como, desde já, fazer a partilha dos bens a fim de que tudo ficasse bem dividido entre os filhos. Como eram quatro fazendas e que rendiam altos valores ao final de cada mês, Emília destinaria dois filhos para cada uma e os demais imóveis seriam repartidos igualitariamente entre eles. Para si mesma, apenas ficaria com a casa em que moravam, os carros e pensão deixada, um bom dinheiro.

Finalmente o sol aparecia e Emília apressou os passos. Chegou em casa e meteu-se debaixo do chuveiro, uma ducha fria para concretizar seu raciocínio e pôr em prática o que resolvera. Algum tempo depois estava sentada à mesa do café e com o celular ao ouvido, conversando seus projetos com o advogado.

- Então é isto, Dr. Macedo, daqui a duas horas nos encontramos no cartório, deixarei uma procuração em seu nome para que se faça segundo minha vontade.

- Combinado, Dona Emília. Estarei no cartório no horário acertado.

As crianças começavam a chegar para o desjejum. Algumas trajadas com o fardamento da escola, outros bem à vontade, pois, estudavam no período vespertino.

- Bom dia, minha mãe! – cumprimentou Sílvio – Já pronta para sair tão cedo?

- É, sairei parta resolver algumas coisas, mas estarei em casa na hora do almoço.

- Bom dia, mainha! – Foi a vez de Wagner e Geraldo.

- Bom dia, queridos! Tenham um bom dia de aula.

- Obrigado – respondeu Wagner.

- Mainha, você não teve mais notícias de Ralph? –Indagou Geraldo.

- Sim, ele me ligou pouco antes que vocês chegassem à mesa, disse que está de plantão no quartel e que não sabe quando estará em casa. E os outros?

- Ainda estão dormindo – respondeu Wagner.

- Deixem-nos dormir, só terão aula à tarde.

- Mainha, hoje é sexta-feira, posso trazer Vinícius para passar o final de semana aqui em casa?

Perguntou Sílvio.

- Claro, meu filho, Vinícius é um ótimo menino. Traga-o, será companhia para vocês brincarem.

E todos se dispersaram, cada qual para os seus afazeres. As demais crianças só se levantariam mais tarde, eram dorminhocas e nunca despertavam cedo.

Havia seis meses que Emília Régis enviuvara. Ainda era uma mulher jovem: 36 anos. Casara-se nova e, como o fogo ardia em seu corpo, os rebentos foram chegando e formando uma longa escadinha de 8 degraus. Certamente se João Régis não houvesse falecido, mais filhos teria... Que coisa! Não pensava em casar outra vez, estava satisfeita com o que a existência lhe dera.

Rapidamente chegou ao cartório e se encontrou com Dr. Macedo. Não foi necessário lá permanecer por longo tempo. Deixou tudo assinado para que o advogado pusesse em prática suas determinações e voltou para casa. Antes, porém, deu uma passadinha no supermercado e comprou algumas coisas que estavam faltando.

Ao meio dia e meia estava no lar. Neste horário, chegavam uns e saíam outros para a escola, era a rotina da semana. Os que estudavam pela manhã acabaram de entrar e, entre eles, Vinícius Matheus Vila Real, amigo de Sílvio e Wagner que viera passar o final de semana.

- Boa tarde, Dona Emília. Aqui estou eu para incomodar no fim de semana. – Falou Vinícius.

- Boa tarde! Olha, não é nenhum incômodo, seja bem-vindo. Se é amigo dos meus filhos, igualmente é amigo meu. – Respondeu Emília Régis.

- Muito obrigado pelas boas vindas.

- Como estão seus pais? – Indagou Emília.

- Naquilo de sempre – disse Vinícius – minha mãe bastante adoentada... Não há médico que dê a ela um diagnóstico preciso e meu pai, Ananias, como sempre, trabalhando bastante e deveras preocupado com a saúde de mainha.

- Vamos orar para que Deus a encaminhe a um especialista adequado, então ela recupera a saúde. – Retrucou Emília.

- É isso que todos nós desejamos... –confirmou Vinícius.

Os garotos se dirigiram aos quartos onde puseram seus pertences, tomaram banho, trocaram de roupa e retornaram para o almoço. Após a refeição, Emília foi para os seus aposentos tirar a sesta costumeira. Os meninos foram brincar. A tarde corria com normalidade e, já quase anoitecendo, Wagner correu até o quarto da mãe e bateu à porta, agoniado.

- O que foi, meu filho? – perguntou Emília, sem entender a angústia do filho.

- Ocorreu um acidente – falou – Estávamos brincando quando, de repente, sem perceber, Vinícius sentou-se sobre uma jarro podre que quebrou-se e o feriu justamente na bunda.

- Oh, Deus... Onde está ele?

- Na cozinha, cheio de sangue. – Afirmou Wagner.

- Tragam-no para cá, eu cuidarei dele – disse Emília.

- Mas, mainha... Ele já é um rapaz... Wagner tentou explicar.

- Trata-se de uma emergência e nestas horas não devemos levar em conta tais detalhes – Emília falou.

Vinícius fora trazido ao quarto de Emília por Sílvio e Geraldo. Estava meio desconfiado e constrangido.

- Vocês... esperem lá fora. Deixem Vinícius aqui que trato dele. – Pediu Emília.

- Se precisar de alguma coisa, mainha, é só chamar. – Ofereceu-se Geraldo.

- Sinto muito, Vinícius, mas teremos de olhar estes ferimentos. Dispa-se, por favor.

Sem ter outra alternativa, Vinícius desnudou-se totalmente. Emília observou as feridas e constatou que não era nada demais, apenas uns arranhões um pouco profundos nas nádegas.

- Venha, jogue-se debaixo do chuveiro e se banhe. Graças a Deus não é nada que possa preocupá-lo. – Afirmou Emília.

Morrendo de vergonha, Vinícius tomou banho sob o olhar atento de Emília. Depois deixou o box e Emília o enxugou e o levou até a cama.

- Não precisa ter tanta vergonha. Lembre-se de que sou mãe de garotos como você, portanto já acostumada a vê-los assim. – Falou Emília – Deite-se com as nádegas para cima, vou colocar pomada e merthiolate e fazer um ligeiro curativo. Logo estará bem. Está doendo?

- Já doeu mais, agora só arde. – Respondeu Vinícius.

E, com o carinho de uma mãe, Emília cuidou dos ferimentos.

- Enquanto seca, vou ao outro quarto buscar uma cueca limpa . Onde colocou sua mochila? – Interrogou Emília.

- No quarto de Wagner.

Logo retornou.

- Pronto, vista-se. Daqui a pouco estará novo em folha.

Passada a tensão, findaram por rir.

- Obrigado e desculpe pela inconveniência – agradeceu Vinícius.

- Estas coisas acontecem. Sem problemas.

Vinícius apanhou as outras roupas deixadas no chão da suíte e voltou ao quarto de Wagner, onde colocou uma bermuda.

- Que coisa chata, hein? Ter de permitir a mãe do amigo vê-lo nu numa situação dessas. – Falou Sílvio.

-É... mas já passou. Agora está tudo bem. Não sinto mais nada. – Afirmou Vinícius.

-Que bom! – disse Geraldo – poderemos voltar a brincar.

- - Não! – Negou Wagner – vamos tomar banho, já é noite e é hora de jantar. As brincadeiras que estávamos a fazer lá fora ficam para amanhã.

E foram banhar-se. O jantar foi servido na maior alegria. Os outros voltaram da escola e o barulho era enorme.

FIM DA PARTE I

Ivan Melo
Enviado por Ivan Melo em 01/05/2014
Código do texto: T4790027
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