Eu e Lice: O táxi, o xixi e a noite (capítulo 05)

(Eu) O vrum de um táxi anunciou a Lice que partiam para um novo lugar. Certamente, não era sua antiga casa. Ninguém sabia o que aconteceria com esta. A casa nova era nova, e como tudo novo, merecia sentimentos novos.

No caminho, a menina trocava uma palavra cá outra lá com a avó. Preferia não conversar sobre nada mais profundo. Dona Rosa falava, ela respondia. Nada além disso.

A viagem durou por volta de uma hora. Num momento, o carro saiu da estrada de asfalto e penetrou em algo pedregulho: estrada de chão. Lice sentiu a diferença: tudo tremia dentro do automóvel.

Sempre cuidadosa, a avó ficou, durante toda a viagem ao lado da neta, alisando regiões de seu corpo: ora era a mão, ora os cabelos, ora um dos braços, e assim sucessivamente.

Dona Rosa nunca fora uma mulher de falar muito. Campesina simples, e de certo modo, solitária, sempre se manteve num aconchego hipnotizante. Aparentemente, vivia num marasmo sem rosas. Sem rosas, e sem nada.

(Lice) Quando nós chegamos, eu senti minha vó me puxar para fora do carro dizendo "Venha Lice". O último dia que havia estado na casa de minha vó foi naquele que prefiro não lembrar.

Tinha medo de andar sozinha. Fiquei parada até que vovó me levasse para dentro de casa. Nunca tinha dormido lá. Bem quando entrei, ouvi o latido forte do Zulu. Ele me conhecia. O Zulu era um cachorro preto que sempre gostava de brincar de correr comigo. Eu jogava um osso, ele ia atrás, e sempre voltava para trazer o que tinha jogado.

"Lice, está tudo bem?"

"Sim, vovó, só estou com vontade de fazer xixi."

"Venha com a vovó".

Quando demos alguns passos, o Sérgio, o rapaz que morava com a minha vó, apareceu. Sabia que era ele pela voz.

"A senhora está indo dar banho nela?"

"Não. Vou só levá-la ao banheiro."

"Se a senhora precisar que eu ajude a dar banho, estarei a disposição."

Ouvi um som como se fosse um beijo.

(Eu) Um erro de Lice: Sérgio não era o "rapaz que morava com a sua avó". Ele era o quase marido de sua vó. A menina não sabia disso porque ninguém a contara, nem mesmo a própria avó.

Na verdade, o "quase marido" não é literal. Rosa alimentava boas paixões por ele, e ele por ela. Era o que diziam.

Outro erro de Lice era que Sérgio não morava lá. Na verdade, quase morava. Normalmente, lá ele ficava durante todo o dia, indo embora sempre a noite. Como Rosa morava numa chácara, havia sempre muito a ser feito e o rapaz dizia ajudá-la.

O acerto de Lice era que realmente ele era um rapaz. Devia ter lá seus 30, 31 anos. Era alto, meio gordo e careca, com algumas tatuagens pelo corpo, a grande maioria delas, cobertas. Creio que ele realmente sentia algo por aquela senhora.

(Lice) Depois que o Sérgio tinha ido embora, minha vó foi fazer a janta. Ela falou que tinha matado um frango, e realmente tinha frango para comermos. Comi como não comia a tempos. Pelo menos não era aquela carne babada do hospital.

"Vó, onde eu vou dormir?"

"No meu quarto, meu amor."

Calei. Passou um pouco, vovó voltou a falar:

"Lice, desculpa a vovó, mas não terá como irmos todo dia visitar seu pai."

Não respondi quando ela falou.

"Você desculpa?"

"Desculpo vó. Eu sei que é longe."

(Eu) Eu também sei que é longe, mas Lice precisaria perder um pouco dessa sua inocência nos próximos dias.

A noite caiu, e a menina dormiu profundamente.

No outro dia, o galo cantou.