ANINHA DA PRAIA - capítulo 02

Meu nome é Gabriel. Sou irmão adotivo de Ana.

Após o falecimento de dona Joanita, Aninha ficou em casa alguns dias, até que uma assistente social determinou sua recondução à vara de menores. Quando meus pais foram até lá, receberam a proposta de ficar com a guarda da menina, o que aceitaram na hora, pois gostavam muito dela.

Foi como se minha vida estivesse começando de novo, tal era a mudança que ela trazia à minha rotina de garoto de oito anos. Sempre alegre, carinhosa, fazia amigos com facilidade, e nunca a vi de mau humor ou brigando. Como eu era um garoto arredio, tímido, ela me puxava para o contato com outras crianças e adultos, e através de sua influência fui me modificando, tornando-me muito sociável. Havia algo nela, algo bom que sentíamos, mas ninguém sabia dizer o que era.

Quando um dia não apareceu à saída da escola, entrei para procurá-la e a encontrei num canto do jardim, cuidando de uns gatinhos abandonados. Disse-lhe para não perder tempo, que alguém os tiraria de lá, mas ela não ligou e arrumou tudo para que ficassem acomodados e alimentados. Porém, no dia seguinte, alguns garotos judiaram dos pobres bichinhos, até matá-los. Eu só soube um pouco depois, quando avisaram que Ana se dirigia ao local, chorando, e corri, com medo que judiassem dela também; mas foi nesse dia que comecei a respeitar Ana como um anjo em forma de menina, por causa do que vi.

Ela chegou àquele canto do pátio, onde permaneciam amontoados vários guris, gritando, rindo em torno dos bichos mortos, e conforme se aproximou, todos se calaram, instantaneamente, abrindo caminho à sua passagem. Cheguei quase junto, e pude ver que eles se afastavam e ela, sorrindo, ia calmamente ao encontro dos gatinhos. Pegou um por um, aqueles corpinhos machucados e sem vida, e abraçou-os, cantando. Todos a olhavam petrificados, e muito mais perturbados ainda ficaram, quando os bichinhos miaram e começaram a se mexer, em seu colo.

Estavam vivos! Como, eu não sei, mas estavam vivos.

Houve correria, e ficamos ali somente eu e ela. Tomei sua mão e fomos embora, antes que mais alguém aparecesse. Pusemos os bichanos dentro de uma casinha de gás e seguimos para casa em silêncio. Estava atordoado e amedrontado, mas sabia que estava diante de algo maravilhoso. Pensei muito no que viria a seguir, e antecipei problemas, sem ter idéia de como aconteceriam, mas o que sabia, com certeza, é que protegeria Aninha em qualquer situação, sempre.

Nos dias seguintes ninguém veio ter conosco e parecia que o assunto havia sido esquecido, mas logo percebemos que amigos e colegas passaram a se afastar de nós dois. Aos poucos, fomos sendo deixados de lado, até que começaram a nos xingar. Os mesmos garotos daquela ocasião foram os primeiros a espalhar uma versão distorcida do ocorrido, inventando terem visto entidades demoníacas à nossa volta, quando os gatinhos voltaram à vida. Não demorou a que todos os imitassem, xingando e jogando qualquer coisa em nossa direção.

Duas semanas depois de iniciado esse período horrível, aconteceu a reunião de pais na escola, e a ela comparecemos, acompanhando nossa mãe. No entanto, ela não teve tempo de entrar no recinto e já foi recebida por uma grande turma de alunos, com uma saraivada de ovos, tomates e... pedras. Estávamos os três juntos, e assim que Ana viu a primeira pedra ferir sua mãe, abriu os braços e fez surgir uma luz muito forte, que impedia que fôssemos atingidos, criando uma barreira protetora. Em seguida ergueu o rosto ferido de mãezinha, que sangrava, e fez com que ficasse totalmente são, sem sinal do trauma recém sofrido.

Não preciso dizer que os garotos ficaram pasmados e fugiram, apavorados.

Só que alguns professores, pais e a diretora, também viram o que aconteceu, e ficaram plantados, olhando o halo de luz que ainda nos envolvia. Nada disseram, mas quando tentamos entrar na reunião, em seguida, fomos encaminhados à sala da diretora, que solicitou nossa transferência para outra escola, imediatamente.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 04/08/2015
Código do texto: T5334781
Classificação de conteúdo: seguro