ANINHA DA PRAIA - capítulo 12 (final)

Quantos já desejaram ter poderes e agir como os heróis dos quadrinhos?

Nunca sonhei com algo parecido, mas esse algo parecido veio de encontro a mim.

Porém, o que tenho vivido em nada se parece com o que os gibis ou o cinema exibem.

Estamos sempre nos escondendo, agindo nas sombras, indo a lugares destruídos e ajudando gente estropiada. Sem diálogo, sem identificação, sem tempo para qualquer troca de informação, que não seja, estritamente, necessária. É trabalho duro e intermitente.

O lado bom da coisa é que tenho uma saúde de ferro. Nunca mais fiquei gripado, tive dor de dente ou azia, e meu estômago digere até arame farpado. Apesar de dormir pouco e ter trabalho à beça, nunca me canso e estou sempre bem disposto. Apesar de carregar muita tristeza no íntimo, já consigo manter o astral elevado e trabalhar com bom ânimo. Isso é muito necessário, porque as pessoas que socorremos, costumam estar arrasadas, e não precisam de alguém que lhes traga mais baixo astral. Falamos pouco, mas lhes dizemos coisas boas.

Ao longo dos últimos dois anos, em que eu e Cirilo nos dedicamos a esse trabalho, foi possível cruzar, em nossas incursões, com vários outros trabalhadores como nós, agindo de modo semelhante, apesar de alguns apresentarem características pouco humanas. Aprendi a não questionar muito o que não entendo, porque, como diz meu sobrinho, o esclarecimento sempre vem, mesmo que demore. E haja esclarecimento, para tanta novidade!

Ontem, quando descansávamos, rapidamente, após exaustivo trabalho na região norte da América do Sul, recebemos a visita, em corpo sutil, daquela senhora com quem conversei na cidade subterrânea, convidando-nos a participar de uma reunião importante naquela mesma localidade. Disse que o compromisso estava marcado para hoje, no início da noite, mas que precisava que estivéssemos nas proximidades dos oratórios, que formam um anel quilométrico na superfície, sobre o núcleo populacional do subsolo, ainda pela manhã.

Respeitamos e pousamos em um dos oratórios, quando o sol ainda estava despontando.

Sem que percebêssemos, um casal surgiu às nossas costas. Sorrindo, e nem ligando para nossa surpresa, se apresentaram como Nuam e Maia. Disseram saber quem éramos, nossas qualificações e habilidades, e especificaram que precisavam de nosso auxílio, para deter um fenômeno climático de grande porte, que assolaria região próxima. Pediram que os acompanhássemos e se lançaram ao ar, com tal versatilidade, que tivemos de suar para acompanhá-los. Alguns quilômetros adiante, a grande altitude, encontramos o resto da turma, composta de mais cinco pessoas, e nem bem nos cumprimentamos, já avistamos três enormes funis de vento, com pelo menos algumas centenas de metros de diâmetro tocando o solo.

Estavam em início de formação e teríamos de agir rápido para evitar muita destruição.

O grupo parecia experiente em lidar com aquilo, e desenvolveram uma estratégia tão eficiente e rápida, que em pouco tempo nem vestígio havia dos ciclones.

O tipo de ação que presenciamos, fazia nosso trabalho parecer infantil.

Eles nos convidaram, após acalmar a situação, a acompanhá-los até seu refúgio, e devo dizer que o lugar era tão simples, sossegado e bonito, que torci, mentalmente, para sermos convidados a morar lá com eles. Só não estava preparado para o que veio a seguir.

Logo que chegamos, havia flores enfeitando todo o ambiente, na cozinha, mesa enorme, cheia dos mais variados tipos de comida, ainda fumegando. Não nos fizemos de rogados, e provamos de tudo um pouco, ou melhor, de tudo muito, porque comíamos, comíamos, e não sentíamos a refeição pesar no ventre. Enquanto exagerávamos, eles observavam e riam.

Quando perguntamos quem era o mestre cuca, resolveram nos dar ciência de tudo.

Imediatamente, o restante da comida, pratos, talheres e tudo que estava sobre a mesa desapareceu. Levantamos, sobressaltados, e a própria mesa, com as cadeiras, também foram embora, viraram fumaça. Antes que tivéssemos qualquer reação a mais, explicaram que com exceção da casa, em si, tudo que ali presenciávamos era constituído de matéria sutil, ou seja, não era matéria física, mas parecia e poderia ser sentida como tal. Eles mesmos não tinham corpo físico, não eram humanos, mas alienígenas, vindos de um sistema muito distante do que tinha o sol como centro, não precisavam se alimentar como nós, nem de uma residência.

Aquele era só um lugar que elegeram como recanto de silêncio e reflexão.

Diante da realidade fantástica em que viviam, eu me senti mais humano e comum.

Um humano comum, que acabara de comer uma lauta refeição que nem estava ali.

Ou talvez estivesse, sei lá. Podia não ser matéria física, mas estava saborosíssima!

Passamos algumas horas conversando sobre nossas atividades e as dúvidas que nos assaltavam. Mesmo que Cirilo soubesse muito mais que eu, ainda assim ignorava detalhes e fundamentos da enxurrada de novidades que, a todo instante, alguém nos trazia.

Embora tenham esclarecido algumas dúvidas, evitaram dizer muito, mas assim que a tarde exibiu o por do sol, nos levaram até o subterrâneo, onde chegamos, em meio a uma bela festança. Todo o vilarejo estava enfeitado com bandeirolas, havia música, dança, cantoria, mais comida e bebida gostosa (desta vez, nada diferente), e conforme passávamos, todos nos davam espaço, sorrindo e cumprimentando. Não demorou muito a que percebêssemos, que a festa era em nossa homenagem. Só fomos entender, quando a bela senhora se pronunciou.

- Temos o costume, em nossa comunidade, de festejar a vitória alcançada na difícil missão de ajudar a humanidade, sem interferir no liver arbítrio de cada um ou da coletividade, e evitar reconhecimento ou visibilidade. Vocês dois têm se dedicado com afinco a esse sagrado trabalho, merecendo nosso respeito e consideração.

Ao olharmos mais adiante, avistamos Aninha e Breno, que vieram nos abraçar.

Os sete amigos alienígenas também se aproximaram para um abraço festivo.

A música reiniciou e a festa prosseguiu. Pensei que seria bom se todo dia fosse assim.

Nuam tocou em meu ombro, lançou-me um olhar profundo e tocou minhas têmporas.

Assim que se afastou um pouco, passei a enxergar uma multidão de seres diferentes, com características variadas, mas nada humanas, e que ali estavam em corpo sutil. Nuam me disse que também estavam ali para nos cumprimentar, mas que o faziam com o olhar, então agradeci como pude, e sei que me fiz entender, porque acenaram em resposta.

- A presença de todos esses irmãos, indica que somos unos em nossa tarefa, e sempre daremos apoio, uns aos outros, perante os eventos globais que se aproximam e varrerão todo o planeta. Você e Cirilo são bem vindos a este pequeno universo de colaboradores.

- Obrigado por tudo! Pena que o conhecimento nos traga tanta tristeza, pelo que virá.

- Não busque a felicidade, Gabriel. Aqui isso é impossível. Este é um mundo ainda cheio de incertezas, doenças e violência, mas podemos curtir momentos alegres como este, como se estivéssemos abastecendo a alma, para agüentar mais um período de luta.

Permaneci olhando o vazio, triste, mas Nuam virou minha cabeça para onde estavam Ana, Breno e Cirilo dançando e rindo. Antes que tomasse alguma iniciativa, ele me empurrou na direção deles, e senti que, ao menos momentaneamente, poderia deixar a tristeza de lado e me divertir com eles, do jeito que desse.

Festamos por horas, e quando já devia avançar a madrugada, de repente, ouvimos um sino tocar. Todos fizeram silêncio e um senhor se adiantou, anunciando uma ocorrência, em local distante, que exigia imediata intervenção. Ele se dirigiu, especificamente, ao grupo dos sete amigos, que nos receberam durante o dia. Nuam se apartou dos outros, veio até nós e perguntou se gostaríamos de acompanhá-los. Nem pestanejei, e Cirilo concordou na hora.

Partimos juntos, e pela primeira vez a tristeza não me acompanhou durante o trajeto.

Todo desafio seria compartilhado, e isso me enchia de prazer.

Trabalharíamos durante a tempestade, para merecer a bonança que viria depois.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 13/09/2015
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