A TERRA NÃO ESTÁ SÓ - capítulo 10 - NO PASSADO E NO PRESENTE

Fomos deixados na imensa sala, para conversarmos e refletirmos sobre o que nos foi apresentado. Foi dito que nossa decisão seria respeitada, fosse qual fosse.

Cecília e Magda ficaram, todo o tempo do relato, caladas, e agora choravam. Jardel foi até elas e tentou um diálogo, mas notou que estavam muito perturbadas. Mesmo nós três não estávamos em muito melhor situação, mas pelo menos agüentávamos o tranco.

Após poucos minutos Kalewa surgiu novamente, e disse que nos ajudaria a entender melhor o que estava por ocorrer, o que evitaria nossa presente instabilidade emocional. Pediu que deitássemos, e, não sei como, nos fez adormecer. Senti-me leve, flutuando.

Acordei num lugar totalmente diferente, mas não, totalmente, estranho. O céu alaranjado com dois sóis e um astro muito próximo (um satélite?), tinha uma profusão de veículos volitores e pessoas, que se deslocavam pelo ar, silenciosas. Os outros membros do grupo começaram a levantar também, e por mais que estranhassem a situação, igualmente identificavam-na como já conhecida, e se embeveciam com jardins violáceos, plantas translúcidas, esculturas de água ou líquido muito semelhante e aves que desapareciam ao tocar nossos corpos. Tudo familiar e, ao mesmo tempo, surpreendente. Sabíamos que nos conhecíamos, mas nossos nomes eram muito diferentes, com entonação peculiar, e tínhamos noção de que já convivíamos há cerca de centenas de milhares de anos terrestres. Éramos pesquisadores e percorríamos diversos mundos de nossa galáxia, catalogando espécies e costumes, visando o equilíbrio ambiental.

Naquele dia específico nos reunimos com um ancião douto, que expôs séria situação a se desenvolver em quadrante distante da galáxia, e que demandaria providências num futuro não muito distante. Confiou-nos que se aceitássemos a incumbência de assumirmos existência física em mundo mais primitivo, poderíamos auxiliar muito a Aliança, evitando turbulências e tragédias coletivas. Diante de nossa surpresa, explicou que seriam apenas alguns milhares de anos (terrestres) em que viveríamos como nativos de determinado planeta, despertando após, para servir a nobres propósitos e voltar a vivenciar o cosmo, em toda sua plenitude.

Acordamos todos juntos, na sala envidraçada da nave de Kalewa. Sonhávamos.

Estávamos atordoados, porque o sonho fora muito real e mexera com nossas emoções, como se fizesse parte de nosso passado. Mas, que passado? A comandante esclareceu.

- Tudo que viram, mentalmente, realmente aconteceu. Foi num passado distante.

- Em que lugar? Em que época? Nós cinco já nos conhecíamos, então?

- Aos poucos lembrarão de tudo, mas é necessário que isso ocorra lentamente, para não afetar o cérebro físico, muito frágil e vulnerável. Sou originária do mesmo mundo em que vocês viveram, e além dos atributos que mencionei antes, devo esclarecer que os cinco são os únicos que vestem corpos humanos e reúnem condições essenciais para a capacitação necessária aos trabalhos visados. Como meus irmãos de origem, aceitaram a missão e vieram para este orbe, aguardando este momento, mas necessito de nova aceitação para prosseguir.

Já não havia desequilíbrio a atormentar nosso íntimo, mas sensação estranha, excitante e prazerosa. Sentíamos o que se passava na mente, uns dos outros, o que dava a certeza de que a revelação, ocorrida durante o insólito sonho, nos fizera um bem danado, construindo uma certeza de propósitos, que de outra forma talvez demorássemos muito a alcançar.

Olhamo-nos, demoradamente, e sem pronunciar uma palavra sequer, entendiamo-nos, perfeitamente, e de quebra ainda podíamos ouvir, mentalmente, a comandante, que anunciava serem, tais indícios, o início da presente adequação aos nossos padrões existenciais originais.

Não havia mais a menor dúvida a nos impedir de auxiliar no que fosse pedido e preciso.

Um auxiliar direto de Kalewa nos acompanhou, em nave menor, a um ponto longínquo no espaço, situado em meio ao cinturão de asteróides, entre Marte e Júpiter. Ali, em canto bem camuflado, estava gigantesca plataforma esférica, talvez do tamanho da lua, em que entramos. Seu interior não era tão diferente do espaço exterior, a não ser pela grande quantidade de naves estacionadas e diminutas luzes multicoloridas, que indicavam setores, mais ou menos distanciados de nós. Não havia piso, e flutuávamos, acompanhando nosso cicerone, sem ter qualquer dificuldade respiratória ou ambiental, até que nos deixou em um ambiente bastante iluminado e se retirou, sem dizer nada. Seguimos por conta própria, encontramos jardim lindo, e, sentado numa pedra reluzente, aquele mesmo ancião do sonho. Sorridente, pediu que nos achegássemos e explicou que coordenaria nossa retomada consciencial. Sorríamos contentes.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 19/02/2016
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