Fireflies in the Dark - parte 6 final - o caldeirão do diabo

Acendi um cigarro, realmente eu tava fumando pra burro, nem gostava muito disso mas é verdade que acalma mesmo essa merda. Depois de dar uma lavada no rosto, porque banho eu não ia tomar mesmo naquele ninho de pulga que era aquela banheira, eu resolvi começar a me preocupar então peguei o telefone pra ligar pro Stephen Clovis, aquele cara que me chamou pra participar do camping.

_Alô_ disse uma voz rouca no telefone, logo reconheci que era o barrigão. Eu acho que ele devia ser tudo naquele hotel porque nem devia sobrar dinheiro pra pagar empregado nenhum, por isso que eu nem vou pedir comida._Qual é o problema?_ o cara era educadíssimo.

_Oi, eu queria fazer uma ligação. É local mesmo._ com esses caras é assim, porque se você não disser que a chamada é pra perto eles vão perguntar assim mesmo e no fim te enfiam a faca na hora da conta.

_São cinco paus_ parecia um mugido aquela voz dele._ qual é o numero?

_Não, deixa pra lá_ por cinco dolares eu vou a pé na casa de quem quer que fosse. Safado._acabo de lembrar que eu tenho alergia a aparelhos de linha.

_Como?_ um cara desses bem que merecia uma resposta até pior, mas deixa pra lá, o hotel é dele mesmo.

_Como é?_ desliguei a droga do telefone, peguei um dinheiro e apaguei o cigarro no tapete. O tapete era tão duro que nem furou, sai daquela porcaria e nem vi o sacana na recepção quando passei. Fiquei andando no frio congelante pra ver se achava uma cabine de telefone mas tava difícil naquele bairro. É uma droga mesmo porque quando você mais precisa da porcaria de um telefone nunca tem e na propaganda eles tão lá falando “pra te atender quando você mais precisar”, bando de hipócritas. Só depois de umas cinco quadras é que eu fui achar um telefone e na hora de ligar vi que tava sem moedas. Aí fiquei chateado mesmo porque eu tava cansado, sem moedas, um puta frio de queimar lábios e eu lá no meio de tudo preocupado pra diabo. Foi aí que eu chamei um táxi e pedi que ele me levasse na biblioteca da cidade porque de lá já dava pra ir na casa do Step numa boa. O motorista era gente boa, chamava Leon e era crente pra burro.

_Aí meu, ta frio mesmo hein cara?_ eu disse pra ele._ escuta, como é que você aguenta rodar?

_De vez em quando eu folgo a noite né xará_ respondeu_ então eu prefiro fazer de dia e já passar o sufoco agora, porque se eu folgasse agora ia ser um pé no saco._ poxa eu tinha mesmo simpatizado com ele, era um daqueles caras que fazem um estilo meio italiano mas tinha um bigode enrolado que nem os franceses e andava com uma boina estranha meio coisa de veado, sei lá mas era gente boa.

_Cara, você já parou pra pensar pra onde é que vão os bichinhos de luz durante o dia?_perguntei

_Como é que é?_ ele deu uma bambeada com o carro._ ta doido mermão?

_Não, só queria saber se você sabia porque isso é uma coisa que sempre me deixou intrigado e tal, desde pequeno tenho essa duvida._ Ele virou pro lado me olhando como se eu fosse uma criança. Odeio quando nego me trata que nem bebê._ pode reparar cara, esses bichinhos esquisitinhos só aparecem de noite quando a gente liga alguma luz e tal, isso não é estranho não?

Ele continuava me olhando estranho, vai ver pensou mesmo que eu era louco mas aí disse:

_Sei lá carinha, acho que eles ficam é dormindo, ou vão pro campo.

Sei que era uma resposta imbecil, e que ele tinha falado por falar mas concordei só pra parar com o assunto. Nem tava mais com vontade de falar sobre isso.

_Ce vai passar aonde esse Thanksgiving?_ perguntei. Queria puxar um papo, o tal do Leon era enfezadinho mas era decente e tudo. Porque será que os motoristas de táxi estão sempre nervosos?

_Há, vou é ficar em casa e descansar, nem quero saber de viajar._ nesse momento eu não disse nada mas tinha soltado um peido terrível bem baixinho. Foi bem na hora em que ele parou na frente da torre da biblioteca. Saí do táxi, paguei e tal mas deixei o Leon com o odor só pra ele. Não é culpa minha mas foi divertido mesmo. Queria ser um mosquitinho só pra ver a cara dele na hora em que sentiu.

Resolvi entrar um pouco na biblioteca, respirar um pouco de cultura sabe. De vez em quando é bom. Fui logo entrando na seção de terror mas aí de repente eu enjoei de tudo aquilo e fiquei andando lá dentro mesmo olhando os livros sem pressa nenhuma. Sei lá mas fico pensando que pra se escrever um livro tem que ter paciência, uma historia boa, interessante e tal, não da pra falar de qualquer droga tem que ter uma linha de pensamento, mas apesar de eu gostar bastante de escrever eu sabia que nunca ia escrever um livro. Isso é pra gente louca ou pra quem não tem o que fazer.

Cheguei na seção de quadrinhos, tinha uns gibis velhos pra caramba, mas se tem algo que eu goste é ler um gibizinho. Devo ter ficado umas duas horas lá e li uns cinco gibis, só coisa boa como Zorro e Conan, sei lá mas adoro esses dois heróis. São bem originais. O cara que inventou eles ta de parabéns, se bem que devia ser um desocupado também. Mas os desocupados inventam umas coisas boas de vez em quando. Que nem o controle remoto, quer coisa mais vagabunda que um controle remoto? Aí veio outro sacana e inventou aquele botão, o sleep, isso sim é coisa de quem não tem o que fazer. E esses caras ganham dinheiro com isso, olha, microondas, frigobar e sanduíche são tudo invenção de quem não tem nada pra fazer.

Saí da seção de gibi e resolvi ir atrás da minha barraca de camping. O dia estava até bonito e eu comecei a cantar Ruby Tuesday, dos Stones. Mal saí da biblioteca e vi que tava acontecendo a maior confusão na praça ao lado. Um monte de nego correndo e gritando sei lá por que. Aí veio um cara, um policial, e já chegou me agarrando e me levando pra perto do carro dele.

_O mermao, me solta ae. Pra onde..._ nisso eu já levei uma bofetada e resolvi ficar quieto. Contra esse tipo de gente não da pra argumentar, ainda mais quando o carinha ta nervoso assim.

_Cala boca ae o malandro_ disse o policial_ agora tu vai ver o que é bom._ Será que ele tava mesmo pensando que eu era algum bandidão? Eu com a minha cara de sossegado e meu chapéu de caça?

Só sei que o cara me enfiou umas algemas e me colocou dentro de um dos carros. Pois é, eu que estava sempre reclamando da eficiência da policia de Portland, hoje tava comprovando sua grande competência. Bando de escroto safado. Antes eu tivesse ido prum shopping ou tivesse rodado um pouco mais com o Leon. Merda, o foda é que eu tava com vontade de cagar mesmo. Soltei outro peido no caminho da delegacia, o que me rendeu umas boas pancadas na cabeça. Boas pancadas mesmo. Ate fiquei com dor de cabeça umas três horas depois disso, não sabia que aqueles cacetetes eram tão duros. Nunca tinha levado porrada com eles.

Sabe antes de sair da biblioteca eu tava com uma sensação estranha daquelas onde tudo parece estar bem e tal, meio como se eu me sentisse tão legal comigo mesmo que até dava vontade de não estar num mundo tão podre. Era eu e eu. E agora não adiantava mais nada, no caminho da delegacia eu via muita gente pela rua e ninguém podia fazer nada. Também se pudessem não fariam. E eu nem vou tentar ligar pra parente nenhum porque são tudo um bando de escroto folgado que só querem saber da gente quando precisam mesmo e eu não vou atrás de gente assim. Nem preciso deles nem de ninguém, e é a verdade porque nesse mundo se você contar com alguém mais alem de você mesmo, tu se fode. Agora mesmo deviam estar todos lá na maior despreocupação, no maior sossego, pois que fiquem. É só dar as costas que já começam a falar mal de você. O problema é que todo mundo é assim não dá pra mudar.

Nem leram meus direitos nem nada. Direitos. Sei lá quem inventou as leis mas não perguntou pra ninguém se tava bom ou não daquele jeito. No fim a gente percebe que não pode fazer nada que acaba sendo proibido por essa ou aquela lei. Na real esse povo, político, policial, é tudo meu empregado. Quer dizer, eu pago imposto, voto pra entra no comando alguém que supostamente trabalha pra mim. Eu devia é roubar um banco e esconder a grana toda. É como eu sempre digo: se você for roubar alguma coisa, roube algo que dê pra usar quando sair da cadeia.

Me botaram numa cela apertada pra burro e mais suja que aquele hotel meia pataca. Aí me tiraram dela uns minutos depois e me colocaram numa menor ainda. E tinha uma mina lá.

Sentei na cama, uma coisa suja toda molhada e com um pano que mais parecia um saco revestindo ela, horrível mesmo. A garota tava dormindo no chão e nem esquentou com a cama. Vai ver nem tinha coragem de deitar nela. E olha que parecia que ela não tomava banho fazia pelo menos uma semana.

Não tive coragem de deitar nela e fiquei lá sentado, doido de vontade de fumar um cigarrinho mas não tinha fogo e nem pensar em pedir pro guarda. Sei lá, tava pensando uma coisa doida quando a tiazinha me chamou.

_psit, você ae_ sentou no chão e me olhou.

_eu?

_que tu fez pra ta aqui, todo arrumadinho?_ odeio quando dizem isso.

_fiz nada não e você?_ perguntei. Ela ajeitou os cabelos. Até que era bonita. Era morena, devia ter uns trinta anos não mais. Não sei por que mas eu acho que as morenas envelhecem bem menos que as loiras. Eu gosto disso.

_também não. Um advogado me ferrou por causa do meu ex_ essas mulheres que só falam do ‘ex’ são uma vitrola rachada. Revoltante. Ela ficou me olhando um tempo meio com aquela cara de ‘to com fome’ dela e depois pegou um isqueiro e ascendeu um baseadinho. A gente ficou em silencio fumando, uns dez minutos. Eu fumei meu primeiro baseado devia ter uns catorze quinze anos, no colegial. Nem sei se deu alguma coisa, mas meu olho latejou pra caramba. Foi legal. Um ano depois fumei outro e tive uma sensação de andar no nada, só foi me dar uma pirada mesmo lá pro quarto, quinto. E é bom porque me sossega. Não sou mais nervoso desde que eu fumo. Mas o negocio é plantar, não pode comprar de traficante porque vem com muita merda tóxica junto. E nem do governo se um dia legalizar. Prefiro deixar de fumar do que me arriscar com beck do Estado.

_e ae. Porque você ta aqui?_ ela perguntou de novo.

_política_ falei_ um safado passou a mão no dinheiro do pagamento da firma onde eu trabalho e a culpa caiu em mim. O país ta uma merda.

_ Pra falar a verdade o mundo ta uma merda. A culpa é do governo, dos capitalistas, que fazem tudo em nome do dinheiro e não pensam no povo.

Achei melhor concordar com as baboseiras dela. Pode ser perigoso discordar de comunistas, depois ficamos em silencio.

_por acaso você não sabe pra onde vão os bichinhos que ficam nas lâmpadas durante o dia?_ perguntei.

_não, não sei. Será que eles...puxa não tenho ideia_ Ela disse.

_você não tem uma caixinha de fósforo aí?_perguntei_ queria guardar a pontinha.

_toma_ ela me deu uma caixa com uns três fósforos e eu pus a ponta lá.

Foi bom ficar lá conversando com ela. É gostoso demais conversar com qualquer menina. Eu, pessoalmente adoro. Porém, subitamente as paredes da delegacia se arrebentam e uma forte luz invade a cela. Uma escada desce até o chão e a menina comunista sobe pela escada até o disco voador que estava parado acima da cidade. Num segundo, o disco voador dispara numa velocidade incrível rumo ao espaço sideral, para a galáxia de Bero Margo, o planeta dos kazonianos. Talvez ao tenha sido exatamente assim, mas foi bem parecido... a monotonia da cadeia faz a gente pesar em uma porrada de coisas.

Tinha um tio meu que me contava uma historia muito interessante. Uma historia estranha que eu nunca mais consegui esquecer, desde a minha mais tenra infância.

É sobre um sujeito. Um sujeito muito legal, meio careta chamado Sérgio. Ele trabalhava numa lanchonete como garçom. O Sergio sonhava em casar um dia e ter filhos, levar uma vida sossegada sem preocupações e problemas. E ele trabalhava nessa lanchonete e ficava sonhando com a vida.

Esse cara economizava o dinheirinho dele. Pra poder comprar as coisas, sabe. Ele morava num apartamento meio apertado, meio largo, tinha um tapete amarelo macio e uma mesinha de vidro que ficava em frente a TV. O Sergio gostava de bolo de chocolate com aquelas coberturas de glacê e cereja. E suco de laranja.

Ele até que era saudável, magro de ruindade, não fazia exercícios, queria ser médico ou advogado como os fregueses do restaurante onde ele trabalhava. Sergio não tinha namorada, ele já estava ficando meio careca apesar de só ter uns vinte e seis. De companhia Sergio tinha um peixinho que ficava num aquário redondinho e se chamava Luci, que segundo Sergio, significava “iluminado, anjo da luz”.

O fato mais inusitado na vida de Sergio era que ele possuía um cofre. Ficava atrás de um quadro na parede. O quadro, ele mesmo tinha pintado. Era o Luci dentro do aquário redondinho e no fundo ele tinha pintado um rio de estrelas. O quadro chamava “a cumbuca de Luci”.

Esse cofre do Sergio era super secreto, ninguém sabia que ele tinha. Nem amigos mais próximos. O mais interessante é que o cofre foi construído pelo próprio Sergio, uma vez quando ele reformou o apartamento. Mas ninguém viu. Esse cofre ficava numa posição estratégica e era do tamanho de um quarto médio. Dava pra entrar nele numa boa.

Só que esse cofre estava cheio de ouro. Cheio. Repleto. Tinha um tesouro lá. Coroas, diamantes, rubis, cetros, colares, dava uma montanha de ouro e pedras que batia na altura do estomago. Devia ter umas duas toneladas de ouro lá. Mas o Sergio não gastava nada. Ele só olhava pra todo aquele ouro. Todo dia ele olhava e fechava o cofre com o quadro do peixe por cima. Todo dia.

Ele continuava economizando, juntando dinheiro pra viver na farra. Ele era um cara feliz, mas tinha um ar de saber algo que as outras pessoas não sabiam. E tinha os olhos cansados e umas olheiras roxas. Ele era rico. Muito rico. E todo dia ele olhava pra sua fortuna escondida e dava comida pro peixe.

Eu nunca soube o que aconteceu com o Sergio, com o ouro ou com o Luci porque meu tio nunca terminava a estória. Ele sempre me contou até esse ponto e eu sempre gostei de ouvi-la mesmo que fosse só até aqui.