AS TRÊS MARIAS - capítulo 06 - A NAMORADA DE ANA

Com toda a família reunida na casa, o ambiente se tornou mais leve, alegre, agitado.

Ia a meio a primavera, e com todas as janelas abertas, conversas, música e cheiro de boa comida (inclusive doces, que lembravam as vovozinhas), era tal o aconchego, que em poucos dias já não havia vestígios consideráveis do incidente ou da tristeza anterior. Até Sal, que agora era recebido como membro da família, sentia-se à vontade, entabulando longos papos com Cíntia.

Almoço de sábado, salada, pimentões recheados, arroz de forno e todos à mesa, prontos a dar as mãos, numa corrente de agradecimento, quando batem à porta. Ana corre atender, antes de qualquer outra pessoa exibir alguma reação, o que causa estranheza, pois seu jeito sempre foi mais parado e desinteressado, em relação a visitas. Apenas sua mãe não estava surpresa.

Ouviram risos e cumprimentos, barulho de bagagem solta ao chão, mas não se moveram da mesa, travados e inquietos, ante o inesperado. Eis que surge Ana, abraçada a outra menina, ruiva, cabelos curtos e ondulados, corpo de atleta, vestida com macaquinho florido, e ambas permanecem paradas, sorridentes, sob o umbral da porta da copa, sem dizer palavra. Francine tomou a iniciativa de apresentar a recém-chegada.

- Gente. Essa é Ingrid, namorada de Ana e sua sócia numa pequena empresa jornalística.

Houve um princípio de silêncio constrangedor, quebrado por Sal, que se levantou e foi até lá, cumprimentá-la e convidá-la a sentar-se à mesa, oferecendo uma cadeira ao lado de Ana.

Berta despertou de sua pasmaceira nesse instante, verificando que estava prestes a ter uma reação, em relação a Ingrid, semelhante à que Cíntia teve para com Sal. Reagiu rápido e foi até a visitante, tentando parecer natural, mesmo que, intimamente, estivesse bem confusa. Sua irmã a seguiu, e parecia meio perdida, mas não deixou por menos, abraçando-a com carinho.

Ninguém tocava na comida, ninguém esboçava reação, e Ana resolveu se manifestar.

- Sei que estão todos surpresos, principalmente minhas irmãs, mas com todo o alvoroço dos últimos dias, não tive tempo de falar sobre minha vida pessoal. Eu e Ingrid estamos juntas há um ano, e ela tem sido uma companheira e tanto, em todos os sentidos. Quando lhe disse sobre a necessidade de vir visitar minha família, ela assumiu os compromissos e prometeu que, se fosse possível, também viria conhecê-las. Eu ainda não conheço o amor, suficientemente, para dizer que a amo, mas a quero tão bem, que não mais imagino minha existência sem sua presença.

- Eu entendo, perfeitamente, o que está dizendo e o que sente, Ana, porque desde o meu envolvimento com Sal, tanta coisa mudou, que o que vivi antes parece pertencer a outra vida. Sou sincera em dizer que estranhei vê-la com outra mulher, mas isso é coisa de irmã, acostumada à rotina da família. Tenho muito prazer em recebê-la, Ingrid, como minha cunhada e irmã.

Cíntia continuava quieta, e todos em volta ficaram atentos à sua reação, temendo que sua depressão motivasse algum surto ou recidiva, mas ela levantou os olhos lacrimejantes, olhou para cada um dos circunstantes e se levantou, novamente, postando-se atrás da namorada de Ana.

- Acho que não preciso explicar a ninguém o quanto sempre fui conservadora, metódica e arraigada ao que de mais tradicional existia em nosso meio. Por esse motivo, por ciúme, impliquei com a cor da pele de Sal, com sua figura, e reconheço que também senti algo estranho, quando vi vocês duas abraçadas, ouvi seu relato; mas não posso me negar a ver o que a vida me apresenta, principalmente, porque vocês são minha família, e por mais que possamos ser diferentes, viver de forma diversa, sempre tivemos um relacionamento tão afetuoso, que estou pronta a enfrentar os mais diversos obstáculos, para defender nossa união. Recebo com carinho esta minha nova irmã.

Não houve quem não derramasse quantidade razoável de lágrimas, diante de tal atitude.

- Pois bem! Quero também declarar minha simpatia à minha nova concunhada, e pedir que deixemos o dramalhão de lado, para aproveitar essa comida tão boa, que já deve estar esfriando.

Ingrid, através de Ana, agradeceu a todos, pois ainda não dominava o português, e não se fez de rogada, ao lhe dizerem para se servir. Foi uma refeição como há muito tempo não se via, naquela casa. Corpos saciados, espíritos desafogados e Cíntia sorrindo. A certa altura, comentou que estava tão feliz, que se o mundo acabasse naquele instante, morreria contente.

- E se eu lhe contasse mais algumas novidades, digamos, curiosas, a meu respeito?

- Ah mãe! Espere até amanhã. Meu coração só reage em doses homeopáticas.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 18/06/2016
Código do texto: T5671351
Classificação de conteúdo: seguro