AS TRÊS MARIAS - capítulo 09 - SEU ALONSO E A PEREIRA SOLITÁRIA

Os dias que se seguiram foram plenos de reminiscências, conversas serenas, ajuntamento e aconchego, que apaziguava a alma, mesmo que não diminuísse a dor da perda. A opção que prevalecia, era achar ocupação até bem tarde, entrando na madrugada, para que o cansaço fosse capaz de trazer sono e relaxamento, coisa difícil, quando a alma permanece desconsolada.

Cíntia foi a primeira a despertar naquela manhã, como de costume, e virou a pequena folha do calendário Seicho-no-ie, ao mesmo tempo em que calculava ter passado um mês menos três dias da ausência de Ana. Ia acender uma vela, costume familiar, quando bateram à porta. Abriu e se deparou com um senhor bem vestido, bigodes brancos, rosto amigável e tranquilo.

- Bons dias, senhorita! Meu nome é Alonso e vim trazer os pertences de vossa mãe, de acordo com o pedido que ela me fez ao fone. Estou a falar, creio eu, com Cíntia. Verdade?

- Sim. O senhor é o pai de tio Lélio. Quer dizer . . ., de meu pai biológico. Isso significa que o senhor é meu avô. Puxa vida! Como não fiz antes esse tipo de associação?

- Não quero incomodá-la. Se minha presença a perturba, deixarei a bagagem e irei para um hotel. Porém, quero atestar que a descrição que me fizeram a seu respeito foi fiel. És linda!

- Peço que me desculpe por não tê-lo convidado a entrar. Sua presença não me perturba, mas me intriga. Quero conversar, saber o que ainda não sei, mas sei que não sou bonita.

- Acredito, piamente, nisso. Não sabes, realmente, que és bonita.

A um aceno de Cíntia, o homem tirou seu chapéu, levou as malas até um canto da sala, arrumou-as e aguardou, em pé, um convite para que sentasse. A menina, que nunca conhecera antes alguém tão formal e de modos cavalheirescos, ficou muito impressionada, e tentava ajustar sua conduta às necessidades do momento, até que resolveu pedir que aguardasse, acomodado no sofá, que iria providenciar um desjejum e informar sua mãe sobre sua presença.

Enquanto, um a um, todos despertavam e iam ter com o recém-chegado, ela intensificava a preparação de um café da manhã especial, caprichando até o limite de sua capacidade culinária. Foi uma refeição em que prevaleceu o diálogo esclarecedor, ora nas palavras de Francine, ora nas de Alonso, entremeadas de muitas perguntas das filhas e netas. Ao fim, a serenidade se fez.

O homem sentiu-se acolhido e aceito, mas percebeu que a tristeza ainda pairava no ar.

- Sei que o sentimento de perda ainda é muito vivo entre todos, que Francine decidiu ficar aqui com a família, indefinidamente, mas gostaria de convidá-los, todos, a me acompanharem, por alguns dias, à minha terra, e mais especificamente, à minha quinta, onde Aninha gostava muito de passear, para que lá, num lugar especial, que ela própria elegeu, prestássemos homenagem à sua memória, quando completar um mês de seu passamento, nos próximos dias.

- Seria uma viagem cara e repentina.

- Todas as despesas correm por minha conta, e as providências, as tomarei de acordo.

Sal e Ingrid estavam incertos quanto à participação na aventura, mas o velho os abraçou e beijou suas testas, chamando-os de netos queridos. E não houve sossego, dali pra frente, com os preparativos para a viagem, naquela mesma noite. Foi uma correria, mas antes das vinte e três horas, um avião decolava, com a turma a bordo, rumo a Portugal. Chegaram a Lisboa, quase à hora do almoço, e descobriram que seu Alonso possuía ali um ótimo restaurante, onde puderam se refestelar, antes de empreenderem a pequena viagem até suas terras.

Ao meio da tarde entravam na “Quinta das Alfaias”, cuja beleza natural e as edificações, causaram deslumbre nos três que desconheciam o local. Pouco depois de acomodarem seus pertences, seguiram de charrete até um olival pouco distante. O velho direcionou o veículo para fora da estradinha e seguiu por entre as árvores, até uma clareira grande, em cujo centro estava a figura esguia de uma pereira antiga, muito alta e frondosa. Vários frutos pendiam de seus galhos, já maduros, tenros, atrativos e apetitosos. Ele parou, desceu, colheu várias peras e as distribuiu entre os presentes, pedindo que não as comessem ainda. Ficaram intrigados.

- Esta pereira solitária era a árvore preferida de Aninha, e à sua sombra ficava horas lendo ou escrevendo. No sumo destes frutos podemos sentir a doçura que seus olhos emitiam a todo instante, mesmo que disfarçada no ímpeto de suas palavras e atitudes. Eu a amava, e sei que compartilham esse amor comigo. Comamos, pois, este que tem o sabor de sua tenra essência.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 25/06/2016
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