3 - O Microcosmo de Elói - Filhos da Terra

Rapidinho:

Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor.

Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição

Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.

Elói G. de Araújo era um jornalista cético com a mídia empresarial. Para os inimigos, um frustrado. Era repórter de um jornal de grande circulação na região metropolitana. Ao se formar, acreditava poder realizar grandes reportagens, contribuindo, assim, na divulgação da verdade dos fatos. Sentiu o primeiro baque na reportagem de estreia ao denunciar um deputado corrupto, ligado ao tráfico de pedras preciosas. Tomou todos os cuidados, pois receava jogar lama em inocentes. Checou fontes, documentos, ouviu todos os lados envolvidos. A decepção foi enorme ao ouvir do chefe de redação, que a sua matéria não seria publicada, pois o deputado era empresário influente e responsável por boa parte do faturamento do jornal, através de anúncios diários. Elói engoliu seco e só não pediu demissão, porque precisava do emprego. A segunda decepção veio quando o colocaram como redator do caderno de veículos. Não se entregou. Não estudara seis anos de jornalismo, para escrever sobre virabrequim, platinado e corridas, assunto, aliás, que não conhecia. Consultou alguns colegas de redação sobre como elaborar as matérias e eles responderam em uníssono: - Aqui nada se cria, tudo se copia na internet.

Foi a campo e fez uma extensa reportagem sobre sonegação fiscal das montadoras de veículos, provando como elas exerciam pressão sobre o governo, para obter redução de IPI, e mesmo com a redução, elas não repassavam os impostos recolhidos dos contribuintes ao governo, numa mega sonegação. Provou a prática de apropriação indébita. O chefe de redação elogiou a matéria, mas disse que não poderia ser publicada daquela forma, iria editá-la. No dia seguinte, de fato, a matéria fora publicada. Elói não se conteve. Procurou o chefe e soltou os cachorros: - Pô cara, você arrebentou com a minha matéria e ainda por cima assinou como sua?! Aliás foi melhor assim, porque isto aí não tem nada a ver com o que escrevi.

- Calma Elói - respondeu o chefe -, eu conversei com a direção e eles elogiaram a matéria, mas sugeriram que deveríamos denunciar o governo, afinal é o responsável pela fiscalização. Você acha que o governo é inocente?

- Não acho que o governo seja inocente, mas o fato é que há sonegação e ponto. Quanto ao governo, podemos pautar - retrucou Elói.

- Não posso contrariar os interesses do jornal, vamos publicar como está e ponto final. Não é o governo que paga os nossos salários. Qual é, Elói? Sabe tanto quanto eu o quanto os políticos são corruptos!

- Não venha com provocações, porque você também sabe, assim como eu, como os empresários, inclusive os da mídia empresarial são corruptos. De qualquer forma não deixa de ser interessante o jornal denunciar um governo, que esse veículo de comunicação, assim como tantos outros, ajudaram a se reeleger. Um governo que abafou CPI's; privatizou estatais lucrativas a preço de banana em conluio com aliados; sucateou o Estado... - retrucou Elói, indignado.

- Nada ficou provado e não vamos generalizar. Nem todos os empresários, nem toda mídia são podres - respondeu o chefe.

- Você está desviando o assunto. Eu fiz uma matéria e você, num suposto acordo com o patrão, fez uma edição porca, sacana. Nem vou discutir ética jornalística...

- Deixa de bancar o bom mocinho. Você sabe como as coisas funcionam. Não há nada que se possa fazer.

Saiu da sala inconformado com os rumos da imprensa. Os anos de luta contra a censura oficial desembocavam na censura patronal. A partir daí, convenceu-se definitivamente de que a grande mídia estava a serviço do capital e não mudaria a postura. Acomodou-se, para preservar o emprego. Enquanto isso tentaria construir uma alternativa de colocar em prática o seu projeto. Nesse mesmo dia tomou a decisão de mudar para um bairro operário e se comprometer com os movimentos sociais, com a ideia de assessorá-los na área de comunicação. Alugou um pequeno imóvel e em poucos dias adaptara-se relativamente à nova vida. Estava feliz com a escolha. Os moradores gostavam dele; ajudou a montar um informativo da associação do bairro, participava de reuniões e a amizade com Zenaide iluminava seu pequeno mundo. Era um home livre, sem laços familiares, pois seus pais faleceram sem dar-lhe irmãos. Não tinha afinidade com os primos latifundiários, que odiavam o MST. Sentia-se bem com a família de Dona Sônia. Sua casa era simples, como convém a um homem do povo. Móveis simples e práticos. De luxo, apenas um aparelho de som moderno, muitos discos e uma garrafa de uísque doze anos, um prazer de que não abria mão. Um computador, instrumento de trabalho, ligado a internet, livros espalhados pela casa. Não tinha carro, o salário de jornalista não permitia. Às vezes usava o carro do jornal, com o motorista, para pegar um bico - freelancer - de algum parlamentar de esquerda. Sonhava sair da camisa-de-força da mídia empresarial, mas precisava do salário e o jornal dava-lhe mais visibilidade. Lá no fundo queria emplacar uma grande reportagem, ganhar projeção nacional. 'EGO... E de Elói, G de Gouveia e O de Oliveira, não, não é nada disso, quero fazer uma reportagem que contribua no avanço da consciência da realidade desse país de miseráveis, de idosos injustiçados e crianças abandonadas". Sentiu o olhar penetrante do Comandante fustigando-lhe a consciência. O poster de Che Guevara, com um charuto na boca, estava afixado na parede do escritório, protegido por uma moldura simples, de vidro. Havia também uma foto em preto e branco de trabalhadores rurais com foices e enxadas, de Sebastião Salgado. Nas horas vagas bebia o uísque com bastante gelo e água, enquanto ouvia as canções de Chico Buarque, Gil, Silvio Rodriguez, Pablo Milanês, Xangai e músicos independentes. Nestas horas seus pensamentos voltavam para Zenaide, a garota de seus sonhos dourados. Ele a via com seus cabelos longos da cor do ouro, envolta em um vestido branco, transparente, desfilando sob os aplausos de um público imaginário. Ela desfilava sedutoramente para ele, lentamente se desnudando, chamando-o para si, alisando suavemente os seios empinados, com um sorriso moleque. "O que é isso, Elói, está viajando? Não vê que ela é apenas uma adolescente sonhadora, enlouqueceu? Ah, mas que ela é uma doce tentação, isso ela é!". Voltando à realidade, espantando os devaneios, ocupava-se em pensar numa maneira de ajudar a garota mais linda do bairro a realizar seus sonhos. Ela tinha garra, era inteligente, determinada e muito bonita. Não a deixaria desamparada e não permitiria mais que esses pensamentos torpes o dominassem. Jamais abusaria da confiança de Dona Sônia, da família que o acolhera com afeto. Zenaide agora era como se fosse uma filha. Dormiu abraçado ao travesseiro.

A seguir:

4 - O Segredo de Edileuza

www.jestanislaufilho.blogspot.com Contos, crônicas, poesias e artigos diversos. De minha autoria e de outros e outras. Convido você a participar com texto de sua autoria. Será um prazer publicar.

#LulaLivre Doravante esta hashtag estará em minhas publicações enquanto não apresentarem as provas contra Lula