10 - Na Redação - Filhos da Terra

Ao chegar na redação no dia seguinte, os colegas comentavam a repercussão da matéria e a operação fracassada da polícia, para prender o menor infrator. O repórter policial Renato Barros encontrava-se diante da tela do computador, preparando um texto, que seria publicado na edição do dia seguinte. Ninguém sabia das relações de Elói com a família de Wallace. Assim que entrou na sala de redação, Renato Barros interrompeu o trabalho, para cumprimentar o colega: - Bom dia, velho guerreiro - Renato sempre se dirigia a Elói dessa forma -, preparado para mais um dia de trabalho? - Quem é do front é você, Renato, o melhor repórter policial do estado - respondeu Elói, entregando-lhe uma xícara de café -, eu atuo em áreas menos conturbadas - completou. - Não sei o que é pior - Retrucou Barros -, cobrir conflitos entre policiais e bandidos ou os crimes ambientais praticados pela especulação imobiliária e invasões de áreas e prédios, por sem-tetos. - Renato, não são invasões, trata-se de ocupações - corrigiu Elói. - Ocupação ou invasão acabam dando no mesmo, o fato é que o pau corre solto e você corre tanto perigo quanto eu. E por falar em perigo, você viu? Um menino de apenas treze anos cometeu um assassinato e está foragido. É lá do seu bairro. - Estou sabendo - respondeu Elói fazendo um gesto de tristeza - estive ontem com a família, são meus amigos. Lembra da garota bonita da televisão? A que vive me pedindo para ajudá-la a ser modelo? - Lembro sim, você até me mostrou algumas fotos, inclusive pedindo-me ajuda. E daí? - Pois é, o garoto foragido é irmão dela - informou Elói. - Puxa, que pena! Então, por favor, quero que me ajude nessa matéria, já que conhece o garoto. - Posso passar-lhe algumas informações, mas no geral é isso: apenas mais um garoto pobre aliciado por traficantes. Na verdade sei pouco ou nada das atividades dele, aliás, todos foram pegos de surpresa, inclusive a família, por sinal gente boa. Mas havia algo óbvio, que nem o meu faro de jornalista percebeu: o garoto andava ganhando uma grana razoável, para a sua idade e para os parâmetros da família. Tinha até adquirido om tv de vinte e nove polegadas, DVD, muitos CD's, além de alguns móveis, eletrodomésticos, roupas para toda a família e se alimentavam relativamente bem. Ele saía cedo de casa e só retornava à noite e a família acreditava em sua versão, que trabalhava como vendedor ambulante, vendendo artesanatos de vidro. De fato ele saía com essas peças diariamente, mas parece que era tudo fachada. O que me espanta é como um garoto, nessa idade... Puva vida, é muito triste! Afinal, que país é esse? Concluiu Elói indignado.

- É o país da infância roubada, da juventude desnorteada e de idosos desrespeitados - respondeu Renato Barros.

- É a herança maldita que FHC deixou nestes oito anos - disse Elói.

- Não seja reducionista, Elói. Concordo que foram oito anos terríveis, mas atribuir as mazelas ao Fernando Henrique é desconhecer a história. Isso vem de longa data, mas para não voltarmos a um passado distante, os últimos vinte e cinco anos oram de instabilidade e estagnação, isso sim, deixou uma herança maldita. O conflito social no Brasil não é difícil de entender e já virou clichê: a riqueza acumulada em poucas mãos. Abrir estas poucas mãos recheadas e fazer um pouco desta riqueza chegar a milhões de mãos vazias é o desafio do seu presidente.

- Meu? Porquê meu? Você não votou nele? Nem no segundo turno?

- No primeiro turno você sabe em quem votei, no segundo anulei - respondeu Renato.

- Não acredito, você, um cara consciente... - retrucou Elói.

- Calma aí, Elói, porque você acha que quem não votou em Lula não é consciente? Eu não acredito nele, acho-o um populista, não tem formação...

- Você quer dizer um diploma universitário...

- E porque não? Lula é quase um analfabeto, vai ser ludibriado, espero estar enganado, mas governar um país é difícil! - disse Renato, exaltado.

- A sua fala me faz lembrar um poema de Bertold Brecht, que diz "governar só é difícil porque a mentira e a exploração são coisas que custam a aprender". Os acadêmicos, que governaram o Brasil não foram competentes o suficiente para nos tirar do atraso. Que sabe, agora, um ex-torneiro mecânico, pau-de-arara nordestino consiga fazer o que os acadêmicos não conseguiram em quinhentos anos. Apesar de Lula ter transigido com a agiotagem nacional e internacional e com o neoliberalismo, acredito que promoverá mudanças...

- Lenta, gradual e segura, como a proposta de redemocratização do país, feita pelos militares - interrompeu Barros, com ironia.

- Renato, vamos fazer um pacto: não pré-julgar um governo, para o bem ou para o mal, que ainda não montou sua equipe. Ao final do mandato, e, obviamente, não sugerindo passividade, a gente faz um balanço, para saber se o país melhorou ou piorou, então a gente conversa. Particularmente não acredito em rupturas, mas se o governo conseguir diminuir as desigualdades sociais e acabar com a fome dos brasileiros, proposta do Programa Fome Zero, já é um avanço, porque para mim, não há nada mais degradante que a fome. Eu não consigo entender como ainda tem gente morrendo de fome e de doenças causadas pela desnutrição e pela falta alimento. Ir à lua tornou-se um passeio, no entanto não se consegue solucionar problemas simples, como a fome, água tratada e moradias. Se conseguir pôr um fim à corrupção ou pelo menos reduzi-la, vai ter mais recursos para as políticas públicas. Vamos trabalhar, porque senão, a sua matéria não ficará pronta, nem a minha.

- Está bem, velho guerreiro, vamos à luta, mas depois quero saber daquela garota bonita, se rolou alguma coisa entre vocês...

- Ah nem me fale, mais problemas à vista! Não gosto de ninfetas; prefiro as experientes. Você, hein! A família no maior sofrimento e você pensando bobagens. Ao trabalho, porque mente ociosa dá nisso - retrucou com humor.

Próximo capítulo:

Tenório e Edileuza Decidem se Casar

Rapidinho:

Filhos da Terra é uma novela dividida em vinte cinco capítulos. Narra a trajetória de Zenaide, uma ninfeta, que se envolve num mundo do sexo, droga e fúria. A história de uma garota da periferia; pobre, sensual, que sonha com o sucesso. Zenaide e sua família, num turbilhão de sentimentos. Um jornalista, como um anjo de guarda, surge em sua vida. Um amigo, um pai; um amor.

Capa: Berzé; Ilustrações do miolo: Eliana; editoração eletrônica: Fernando Estanislau; impressão: Editora O Lutador - 2009, primeira edição

Agradeço pela leitura e peço a quem encontrar algum erro de gramática ou digitação, por favor, me avise.

www.jestanislaufilho.blogspot.com Contos, crônicas, poesias e artigos diversos. De minha autoria e de outros e outras. Convido você a participar com texto de sua autoria. Será um prazer publicar.

#LulaLivre Doravante esta hashtag estará em minhas publicações enquanto não apresentarem as provas contra Lula