A PASSAGEM - capítulo 09 final

Daquele dia em diante, e por mais de cinquenta anos, o casal se dedicou a disseminar a paz, em todas suas nuances e formas possíveis, contando com o apoio de parceiros e uma multidão de simpatizantes, que se uniram às várias frentes de trabalho organizadas, em tantos lugares, que após duas décadas, muitos colaboradores não se conheciam.

Por motivo da influência direta do portal, nenhum dos dois envelhecia, mantendo-se em perfeita forma física e disposição, ocorrendo o mesmo com aquelas outras duplas originais de trabalhadores. Ao fim dessas cinco décadas de atividades, começaram a surgir dúvidas, entre os que lhes eram mais próximos, sobre o motivo de tal fenômeno, visto que muitos começaram com pouca idade e já eram, aparentemente, mais idosos, e não entendiam o que se passava.

É claro que, num ambiente fraterno e pejado de bons propósitos, o foco sempre estava no próximo, nas tarefas cidadãs, mas a dúvida é força poderosa, mesmo em mentes positivas, e todos os quatorze voluntários iniciais se reuniram, sigilosamente, para avaliar qual a atitude mais sensata a adotar, frente aos rumores e alguns incidentes já ocorridos. O encontro ocorreu na chacrinha de Genon, onde tudo começou; na casinha, onde ainda pulsava, vivamente, o portal multicolorido. Em meio às discussões quanto ao que fazer, surgiu do espectro figura imponente, cuja presença silenciou a todos, que reconheceram, prontamente, a veneranda anciã que originara os trabalhos de auxílio e sempre se prontificava a orientá-los, se preciso.

- Filhos de meu ideal, que se tornaram caros ao meu coração! Quanta satisfação vocês proporcionaram aos idealizadores desses trabalhos, e quanto bem semearam no seio dessa civilização! Aproveito o ensejo deste concílio, para informar que se encerra aqui a primeira fase da missão, e que, a partir dos próximos dias, deixarão que seus mais próximos e capacitados colaboradores, assumam a direção dos trabalhos, enquanto novos voluntários nossos, ainda desconhecidos, chegarão, incógnitos, para auxiliar no que for necessário, esporadicamente.

- E quanto a nós, nossa situação ou os portais, veneranda mãe?

- Desfaçam-se de tudo quanto possuam, em favor desses colaboradores citados, e em sete dias, a contar de hoje, entrarão nos portais pela última vez. Eles se fecharão e nenhum vestígio deles restará, nem de suas presenças, a não ser lembranças, que se tornarão míticas.

Sua imagem se desvaneceu, deixando suave odor, que perfumou o ambiente.

Todos se foram, e o casal, nosso conhecido, permaneceu pensativo, sentado no balanço da varanda, olhando o céu noturno estrelado, em silêncio. Tanta convivência e afinidade havia em suas vidas, que já nem precisavam de palavras para o entendimento mútuo. Sabiam quem herdaria os bens e continuaria o trabalho, e quanto a isso nenhum apego os incomodava.

- Como meu corpo é humano da Terra, Heintim, ao sair sem voltar, morrerei?

- Esse corpo não terá mais utilidade, querido. O que o preocupa?

- Separar-me de você ou não ter um corpo para estar consigo.

- Façamos o que foi determinado, e depois veremos. Não há com que se preocupar.

Ele não estava, totalmente, convencido, mas silenciou e a abraçou, ternamente.

Nos dias seguintes resolveram todos os procedimentos necessários, avisando aos seus mais próximos que se ausentariam por tempo indeterminado, o que deixou muitos perplexos e confusos, mas como eram muito respeitados, ninguém ousou contrariar o que estabeleceram. No dia convencionado, ao entardecer, sem ninguém à vista, entraram na casinha, foram ao portal, silenciosos, com lágrimas a escorrerem, e ali entraram pela última vez. Após sua passagem, todo o espectro refluiu até desaparecer, sem deixar nem mesmo a mancha inicial.

Genon reconheceu a dimensão intermediária, e considerou que ali terminaria sua vida física, deixando seu corpo e seguindo como ente descarnado, mas viu a veneranda mãe, olhando-o sorridente e dizendo o quanto se orgulhava de suas atitudes pregressas.

- Você abriu mão de um privilégio e teve problemas, apenas para ajudar um irmão. Isso foi algo além do que lhe foi pedido, e lhe valeu acréscimo vultoso de créditos astrais.

Ele sentiu que sono profundo o dominava e deitou. Levantou-se em seguida, e, triste, viu que deixara o corpo físico, mas logo sentiu o toque de Heintim, que sempre soube que ele continuaria a ter um corpo material. Como? Não importava! Estava feliz! Feliz ao extremo!

De mãos dadas e abraçados pela anciã, seguiram pelo corredor de luz que os levaria a Onz, seu planeta natal, onde poderiam viver alguns de seus sonhos, antes de partir para novas missões e novas aventuras, nos mais longínquos rincões do universo. FIM