'ATENÇÃO SENHORES PASSAGEIROS' - Extraído do livro "Giulia - Quando a Luz se apaga"

Lá estava ele. Pensativo, sentado em uma das cadeiras da segunda fileira, olhar fixo no extenso vidro que dava para a pista de decolagem. Mais um avião seguia seu destino rumo ao desconhecido e, em breve, seria a sua vez. Decolaria rumo à Itália, pois necessitava rever sua terra, ainda que não tivesse nascido naquele país. Não nesta vida. Ocorrera-lhe que as lembranças de duas vidas seriam indesejáveis se acaso quisesse viver em paz. E não queria. Não queria paz. Ele a queria. E o que fazer quando se quer alguém que não te quer na mesma intensidade?

Memórias de uma vida já lhe bastavam. Tudo o que havia vivido nos últimos anos bastava a ele. Nos últimos dias. Mentia. O vazio que ela deixara em sua vida...nada ocuparia aquele vazio.

Havia nuvens no céu, mas, nada de alarmante. Certamente haveria a chamada para o seu avião. Olhara a passagem, embora não soubesse o que estaria sentindo ou pensando. Seus olhos vagavam pelo longo saguão, com o fluxo variegado de passantes, bagagens, crianças, mães enlouquecidas pelas crianças, funcionários de uniforme com seu ombros arredondados. Jornais e revistas numa caixa plástica escura à altura de sua mão.

Eu não quero partir, pensara enquanto folheava a esmo uma revista. Todo seu corpo recusava-se a deixá-la aqui. Seu coração dizia-lhe que isso seria o melhor a ser feito. E o que o coração teria a ver com isso? Seu corpo, seu membro pulsava por ela. E o bem dela seria ao seu lado. Disso, nunca duvidara. Estava à beira de um colapso nervoso provocado por uma menina num corpo exuberante com suas coxas e aquela abertura entre elas que, à sombra do abajur, devassava sua intimidade delicada, angustiosamente desejada. Ele a queria. Era mais do que óbvio. Queria Giulia para si e somente para si. Por que deveria deixá-la nos braços de um rapaz que se comportava como um menino? Por que passara a gostar tanto do rapaz como se o conhecesse há muito mais tempo do que, de fato, se conheciam? Há bem pouco tempo, afastaram-se...quase romperam o relacionamento por causa dela. Ficara bastante clara a intenção dele, naquela noite, em ficar com a moça indecisa e encantada e envaidecida por ter dois homens...dois lindos homens que a desejavam. Ficara bastante clara a intenção dela em ter os dois ao mesmo tempo, embora somente Carlos ouvira de sua boca carnuda a confissão bombástica. - "Não me agrada muito, mas, se ele topar, eu topo. Por vc, vou ao inferno", dissera-lhe quando ainda eram um casal. Um casal que vivera bons momentos juntos, mas, era evidente que ela pertencia ao outro. Estavam juntos, não estavam? Ele, ali, no saguão, solitário e eles, certamente, em alguma cama ou tapete, os amigos de infância entregavam-se às delícias do sexo. Carlos fechara as mãos em punho, cravando as unhas na pele da palma mão. Chegara a doer. Imaginar um outro a tocar aquele corpo do qual ele havia cuidado com a devoção de um monge tibetano, curando-o, e entregá-lo de bandeja ao menino que esperava pelos cuidados dela, ainda convalescendo pela segunda lesão no mesmo joelho!? Pro inferno! Pensara, colérico e vencido. Exaurido, fitara o teto e as luzes ofuscavam suas vista cansada. Ele fora ao inferno como havia prometido. Enfrentara um demônio na pele de um padre, usara de seus conhecimentos e reafirmara sua fé em si mesmo e no amor que, sendo eterno, saberia esperar. Saberia esperar...

- Porra nenhuma! - Exasperava-se, num sussurro rouco. - Esperar é o cacete! Por que eu tenho que ser o bom moço? Por que não a levo comigo? Eu sei que ele me quer. Já demonstrou isso da última vez. Eu sei...ela me quer. É isso que ela gosta de fazer. Incitar, insinuar, provocar e me largar. Eu odeio essa mulher. Dissera-o sorrindo, complacente. - Essa criança. - Uma criança que por ali passava estranhava o moço que falava e sorria sozinho.

Seus pensamentos foram interrompidos por uma aveludada voz feminina,com gosto de chocolate, que ecoava pelos alto-falantes do aeroporto, anunciando a partida do próximo voo. - É o nosso. - Sentira um aperto no peito. Ainda estava indeciso. Havia comprado as passagens, trancado os portões do casarão, coberto os móveis com enormes lenços brancos como nos filmes de terror. Pensara em Giulia enquanto ajudava a governanta a cobri-los. - "Ela adoraria estar aqui. Certamente contaria alguma parte de algum filme macabro e aqueles olhos que farejava o perigo entrariam em ação. Sempre dramática. Se não fosse dramática, não seria vc. Tão burra." - Voltara a folhear a revista. Estancara ante a foto de uma moça, morena, cabelos castanhos, corpo escultural, olhos amendoados. A moça exibia os lábios cheios, tingidos de um vermelho rubro, tentador e um sorriso de menina. Lembrara-se dela. E se eu desistir de viajar e tentar novamente? Tentar o quê, otário? Ela não te quis. Quis sim. Ah, quis sim. Vc sabe que sim. E aquela noite? Cerrara os olhos e a via trajando sua camisa social, grande demais para ela. Ela que se contorcia, rebolando como uma devassa. A devassa que aprendera a ser, embora não se recordasse de quando ou com quem aprendera essa lição. Ela gostava de fazer aquilo com ele. Cavalgar em seu pau enorme, perfeito, latejante, ereto, com suas veias azuis em sua pele finíssima. Um pênis perfeito! Ela repetia quando, após o sexo, ajoelhava-se, entre as pernas abertas dele, tocando-o suavemente, beijando-lhe o membro que voltava a se enrijecer e a crescer em suas mãos, entre seus dedos delicados. Ela o passava entre seus seios e ouvia, umedecida, os ruídos eróticos que saíam lentamente daquela boca, os olhos insanos. Recupere-se, meu bem! Quero de novo e de novo e de novo! Então, ela ria estridentemente como se nada mais houvesse no mundo além deles dois. Pensava em Nando, mas, talvez por saber que ele era dela e ela pertencia a ele, dava de ombros e voltava a sentir o peso do corpo musculoso e pesado de Carlos sobre si. Ah...bastava-lhe o peso daquele corpo para que ela, num espasmo repentino, chegasse ao ápice. Seu corpo suado colado ao dela, pressionando-lhe os seios levemente doloridos, o pau entre suas coxas que, suavemente invadia sua intimidade para logo em seguida, recuar, receoso. Não. Não seja gentil. Não agora! Ai, Carlos! Não agora! Vá! Me rasga ao meio! - Ele a via cerrar os olhos, agarrando-o pelo pescoço, cruzando suas pernas fortes e hábeis de bailarina sobre as costas do homem que sabia não poder machucá-la. Assim! Vai! Ele, totalmente preso por suas pernas e braços, e mãos que apalpavam seu traseiro, puxando-o contra si, invocando a violência, quase entrara em meditação a fim de não ceder aos seus instintos sádicos de homem afeito aos fetiches, às festas onde a troca de casais, as orgias eram café pequeno. Gostava mesmo era de observar através da janela de vidro de um quarto privado, muito bem pago, aos desvarios praticados por terceiros. Agora, a longa cortina de vidro o fazia lembrar-se de tudo. Num ligeiro movimento de cabeça, ele espantara como quem espanta um mosquito impertinente, a imagem de seu membro ereto deslizando, mansamente para fora daquele corpo que ardia sobre o seu.

Desde que tudo acontecera - o episódio sombrio da possessão - ele, a custo, evitava pensar nela como a mulher fogosa que conhecera - e desejava. Giulia passara a ser um anjinho de candura, um biscuit que necessitava de seus cuidados paternais. Sexo não. Não mesmo! Sexo era algo proibido de se pensar. Por Deus! A moça sofrera nas mãos do desalmado. Vc é deplorável...um monstro. Tira isso da cabeça! Isso vai me enlouquecer. Ele a vira tantas vezes, nua em pelo e fora obrigado a sublimar seus impulsos lascivos. Ah...como lhe custara povoar a mente febril com outros pensamentos diante daquele corpo perfeito e já recuperado por sua imposição de mãos e seu amor que a curava a cada encontro. Quais as ações que estão em alta? Mary Jane (a secretária) já remarcou a viagem a Tóquio? O que devo usar amanhã? Tá frio. É. Tá frio. E seu corpo transpirava. Da testa, pingos grossos escorriam-lhe pelas têmporas e ela ali, deitada sobre a maca a fitá-lo com aqueles olhos que pediam por algo. Isso é injusto, pensara quando ela, francamente esquecida de todo o inferno pelo qual passara, insinuava-se para ele, sob o lençol de algodão e os mamilos que se mostravam túrgidos por debaixo dele. Vc me esqueceu? Perguntava ela, com a voz baixa, de uma inocência celestial. Ele a vira bufar de raiva quando não lhe dera atenção, concentrado em desfazer todo o mal que o contato com a criatura lhe causara ao corpo e à alma. - Sabe, Carlos, eu gostava mais da sua versão devassa. - Confessara num rompante de indignação, enquanto ele exigia silêncio. Estava quase no final do tratamento e de suas forças físicas, mentais e emocionais. A um passo da loucura. - Vc jamais me deixaria ir embora sem ao menos me dar um beijo. Não mesmo. - Ela o afrontava, espreguiçando-se, braços que se erguiam sobre a cabeça, pernas esticadas e parte dos seios à mostra. Ele cerrara os olhos francamente decidido a terminar o que havia começado. Ele era assim. Carlos. Carlos sempre levava ao final seus projetos. E curar Giulia com o que aprendera era um deles. - Escute bem o que vou lhe dizer, meu bem. Se vc não me quer, tem quem queira. - Ela o vira baixar os olhos e inflar as narinas. Aham! Era um sinal. Um claro sinal de que ele ainda era o homem selvagem com quem ela convivera durante poucos e tórridos meses. - Tem um homem lá fora. Digo...não lá fora, exatamente. Lá, na casa da tia, onde estou morando ultimamente. Não sei se te contei! - Sorrira jovialmente. - Tô morando com os tios. - Ele esboçara um sorriso cheio de ternura. Ela quase o esbofeteou por isso. Isso lá era hora de demonstrar ternura!? - Pois então...- Houve uma pausa onde parecera confusa, perdida, mas isso era tão normal em sua personalidade que ele apenas a ouvia, agora sentado em um poltrona de couro à sua frente, braços cruzados, pernas esticadas, relaxadas, pés descalços. Isso. Fique me encarando desse jeito. Esse peitoral, essa calça afivelada, essa cara boa de levar um tapa! Fique mesmo, seu pateta! Ele a incitara a continuar com um ligeiro movimento de cabeça. Ela semicerrara os olhos dardejantes. - Pois então! - Exclamara extremamente ofendida com aquele ar de superioridade e excitada com aquele tronco cheio de músculos subentendidos sob o tecido fino da camisa de malha branca que ele trajava. - Moro com meus tios e...meus pais, Carlos. - Havia tanta tristeza naquela frase, tanta desorientação em seus olhos. Carlos quisera se aproximar, mas, todo seu corpo pulsava por agarrar o dela, logo, preferiu cravar as mãos no espaldar alto da cadeira e prosseguir observando a presa em potencial. - Eles estão tão diferentes. Eles me beijaram, Carlos - declarou emocionada. Seus olhos encheram-se de lágrimas, sua voz embargara. Silenciou por segundos. - Meu pai me beijou. - Sua voz era baixa e sentida. Seus olhos pareciam ter voltado ao dia em que saíra de casa, levando consigo suas roupas, sua mochila, sua caixinha de recordações, as fotos dos amigos e seu diário, amigo inseparável. - Estranho. Acho que estavam com medo de mim. - Erguera os olhos arregalados e exclamara, ressabiada. - Por que diabos eles teriam medo de mim, Carlos!? Acaso sou uma bruxa!? - Ela dera um tapa na própria coxa esbelta e riu aos gritos. Ele não se contivera e riram juntos. Talvez por imaginar as feições desesperadas dos pais diante da amante do demônio. Talvez pelos nervos à flor da pele. - Vc não é o mesmo! Mudou! Murchou! O homem que conheci não me deixaria aqui. - Nesse instante, ela pulara da maca, pousara os pés suavemente no chão, mostrara o corpo nu e, num gesto arrebatado, cobrira-se com o lençol de algodão branco sem antes rodopiar acima de sua cabeça como os chales das dançarinas de Flamenco. Dera um nó logo acima dos seios e caminhara em sua direção. - Olha como estou tremendo, Carlos. Culpa sua, seu biltre. Preciso de carinho, de atenção e vc só sabe deslizar pra lá e pra cá as mãos a um metro de distância do meu corpo, rezando, resmungando, sei lá o quê? Carlos, isso é feitiço!? - Rira-se desbragadamente, curvando-se para frente e depois, para trás. Ah...estava descontrolada. Pobrezinha. - Não. Acho que não. - E o riso sumia, aos poucos, dando lugar a um vago sentimento de que o conhecia profundamente. E então viera a tristeza e aquela persistente impressão de que algo lhe escapava. - Vc não é disso. Ou é? - Erguera a sobrancelha esquerda e logo voltara a sorrir, maliciosamente - Tenho um homem, querido. Um homem que me quer onde eu moro. Ele me deseja. Hummm...como me deseja. Mas, nós ainda não chegamos às vias de fato, se é que me entende? Por quê não!? E eu sei lá, Carlos! Aquele garoto não é bom da cabeça. Eu me lembro que levou um tempão pra ele me deixar chupar...- Hesitara por um instante. Ainda sobrara um pouco de sua sensatez, conquanto Carlos pudera ler seus pensamentos. - Ele achava que eu era uma criança, sabe. Uma criança marcada pelo que me aconteceu aos seis anos. - Seus olhos assombrosos procuraram pelos dele e encontraram uma paz infinita. - Vc se lembra, não lembra? Eu te contei o que aconteceu comigo naquele quarto, aos seis anos. Ele assentira com a cabeça, recostada à cadeira. Estava tão desleixado. Tão relaxado e sexy. Tão relaxado...Ai, aquilo a embaraçava e a confundia. Aqueles olhos fixos nos dela, como os de uma pantera negra sobre sua presa. Não. Ele não queria machucá-la. Não eram olhos de cobiça. Eram olhos de admiração. Por que diabos vc me admira, homem? Não sou nada, ninguém. Estou perdida. Nem casa eu tenho mais. Tem sim. A minha é a sua casa. Vc tá lendo meus pensamentos? Sim. Eu tô ouvindo os seus? Sim. Ela quebrara o silêncio com outra risada ruidosa. Tombara, sem forças sobre o tapete felpudo, marrom, da cor de um grande e feroz urso pardo ...de onde eles vem? Eu não me lembro. Estudei sobre isso no colégio. Rússia, Canadá, Ásia Central, China, Estados Unidos...dentre outros lugares. Ele pensara e ela o ouvira nitidamente. Isso é fantástico. Como se faz? Não sei. Ainda não estudei a respeito. A faculdade é sua também. Basta que espere um pouco o que os outros têm a falar e depois...é como um fósforo riscado.

- É isso! É exatamente assim que acontece comigo! - Erguera-se do tapete com ares de uma criança que acabara de aprender a andar de bicicleta, coordenando todos os músculos de um só vez, deixando as rodinhas de lado, para sempre. - Um fósforo riscando e então eu ouço o que falam de mim...- Entristecera-se profundamente. Ele, num átimo, estava ao seu lado, acariciando seus cabelos, beijando sua fronte. - Não gostam de mim, Carlos. Por onde ando, falam coisas feias sobre mim e eu...eu não me lembro de nada do que falam. Eu não fiz aquilo, Carlos! Eu não sou uma puta, Carlos. Não, não é amor. Ele a apertava contra seu peito onde ela encontrava a paz, a segurança. Ali, entre seus braços, eles não a magoariam, não a chamariam de "A noiva do demônio", sem que ela tivesse a menor ideia do que aquilo poderia significar. Aquilo a machucava. A maledicência, o descaso, o afastamento, o isolamento a que a submetiam. - Queria amigas, Carlos. Amigas com quem conversar bobagens, sabe? - Confessara ao seu peito, às batidas aceleradas do coração daquele rapaz, com seus vinte e quatro anos, tão novo e tão velho ao mesmo tempo. Carlos possuía a sabedoria de um ancião, de um eremita e um cheiro inebriante, amadeirado com notas adocicadas, aveludadas, quentes...tão quentes que ela preferira recuar. Instintivamente, sentira-se envergonhada diante dele. Recuara até a beirada do sofá alaranjado, abraçando-se aos joelhos. - Fernando parece me evitar por algum motivo. - Disparou, num repente. Eles se entreolharam. Vc ainda me ama? Sempre. Isso é tão engraçado. Vc pode me ouvir sempre? Ela arregalara os olhos vívidos e amendoados e eles voltaram à sua natural inocência. Não. Só acontece quando vc mergulha em algum tipo de pensamento que te preocupa muito. Fique tranquila. As safadezas, eu não as ouço. Ela mordera os lábios, umedecendo-os. Ele arfava, desconcertado.

- Que tipo de livros vc tem aqui! - Num salto gracioso, lá estava ela em seu vestido de lençol até os pés defronte à prateleira em mogno, os livros enfileirados, devidamente organizados em ordem alfabética. Seus olhos pousaram de imediato sobre aquele da capa preta. - "O Verdadeiro Livro de São Cipriano. Aham! Eis a prova cabal de que vc é um bruxo, meu bem". Não. Não sou. Sou um estudioso. Como vc pode estar aí sentado e suas palavras chegarem tão perto de mim assim? Por que não me quer mais? Aquilo ali é uma lareira acesa? De onde ela surgiu? Carlos, onde nós estamos? Tenho medo. Tenho medo. O teto...as paredes. A casa não é a mesma! Carlos! Calma, amor. É somente um sonho. Sua voz suave, rouca. O vento lá fora parecia uivar de dor e saudade. A casa era simples. Amiudara-se. Voltaram à sala, ao chão de terra batido, à sopa que borbulhava numa grande e arredondada panela de ferro fundido sobre as chamas da lareira. Cheirava tão bem a sopa. Havia tanto amor entre aquelas paredes. - "Isso é real? É real. Meu vestido! Eu...eu não vestia isso. Ai, Carlos. É tão lindo esse corpete. Essa saia comprida. Ela o fitara encantada. Como adivinhou que eu queria um desses, amor? Vc demorou a voltar. Lamentara, correndo para os braços dele. Abraçaram-se com ardor, paixão. Um abraço apertado. Ele a girava tendo-a enlaçada ao seu pescoço. Ele a girava e girava e a saia farfalhava, o fogo crepitava ao som de suas risadas agudas de uma felicidade estonteante. Sabe que não gosto que se atrase. Tenho medo de te perder, amor. As crianças estão lá fora? Chame-as. O jantar está pronto. Agora não. Mais um tempo. Ele a fitara com aqueles olhos negros, íntegros, mansos e cheios de desejo. Era tão despojado de malícia. Tão entregue a ela. Vem, vem rápido! Antes que elas entrem e não desgrudem mais de vc. Vc os mima muito. Quero-o para mim. Somente para mim, meu amor...minha vida. Dissera-o em italiano. Ele tinha os olhos cheios de lágrimas e um sorriso singelo, quase infantil. Sou sua, per sempre. Sono tuo...per sempre, Morgana. Ele a levara em seus braços até o quarto onde havia somente uma cama simples entalhada na madeira por suas próprias mãos de marceneiro, um jarro d'água transparente ao lado da cama, sobre um pequeno móvel, com apenas uma gaveta. As janelas fechadas rangiam violentamente com o vento que parecia querer entrar naquele cômodo onde eles se amaram e ela não sentia dor em seu corpo. Ele a penetrava com intensidade e ao mesmo tempo com zelo e seus olhos não se desviavam dos dela em momento algum. Não havia dor. Ele a havia curado. Seu amor a havia curado. Mais tarde, ela saberia que seu amor voltaria a salvar sua vida. Bem mais tarde. Antes, as trevas viriam como ondas ininterruptas num mar bravio. Fora a última noite juntos. Que triste...e que noite.

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Morgana Milletto
Enviado por Morgana Milletto em 14/09/2019
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