LIBERTATEM - capítulo 05

Ela levantou, disse-me para segui-la, e sem que pensasse, sequer, em movimentar meus pés, estava indo atrás, como um robô. Seguíamos pela rua, e ao atravessarmos uma avenida, mostrou-me os dois marmanjos que já tinham me levado em cana e vinham em nossa direção. De repente, parecia que eles não nos viam. Estavam zonzos, olhando pra todo lado, sem entender. Foi estranho, mas ri muito da palermice dos gorilas. Logo após contornarmos uma esquina, demos de cara com sujeito negro, de olhos muito azuis e com menos de um metro de altura, vestido com roupa cor da pele, tão fininha, que parecia estar pelado. Assustei-me com sua presença, e ele me olhava sério, sisudo. Achei que fosse me agredir. Apesar de ser pequeno, eu estava travado, por causa do feitiço que a menina me pôs pra segui-la.

O pequenino e ela conversavam em linguagem cheia de estalos, grunhidos e assobios, engraçada, ininteligível. Olhavam de soslaio pra mim e continuavam a papagaiar aquela zumbizeira danada, até que ela me chamou pra perto.

- Este é, vamos ver, em sua linguagem . . . creio que algo próximo de Aldeín.

- Como soa estranho o meu nome nesse sistema vocal.

- Ah! Então ele fala meu idioma. E por que está tão bravo?

- O povo dele é muito sério. Eles não tem o costume de rir. Isso é algo raro por lá.

- Lá onde?

- Thráfsma não está autorizada a lhe dizer sobre nossas origens.

- Tá bom! Então o que estou fazendo aqui? Que querem de mim?

- Aldeín será seu contato, quando houver algo a transmitir.

- Escuta, Thráf! Pra quê eu preciso de contato? E se for o caso, por que ele?

O baixinho olhou torto pra mim e grunhiu. Deu pra perceber que estava bravo.

- Ele alimenta espectativas sexuais a respeito de seu corpo, menina.

- Eu sei! É comum esse tipo de condição mental entre os habitantes da Terra.

- Sei que estão falando de mim, mas não precisam me tratar como um bicho qualquer.

- Então aja de modo raciocinado, para que a conversa seja mais proveitosa.

O sujeitinho me irritava, mas tinha de reconhecer que estava certo. Não aceito a pecha de tarado ou selvagem, mas tive de refletir sobre o que estava em discussão, ou seja, meu comportamento. Ela mexia comigo. Entre estranhos me senti estranho.

Eles liam com facilidade meus pensamentos, e disseram que minha disposição íntima momentânea lhes pareceu satisfatória. Acenaram e sumiram. Acordei em minha cama, nu, coberto e cheiroso, como se tivesse tomado um belo banho. Não sei como fui parar lá, mas me sentia bem e com fome gigantesca. Não senti falta dos esquisitões, porque já estava chateado com tanta novidade. Abri a geladeira para garimpar sobras e encontrei uma gororoba esquisita, embrulhada em papel diferente. Enquanto a olhava, uma voz em minha cabeça dizia que a comesse. Não estava a fim, mas dada a coisa martelando na ideia, provei.

Espantosamente, era uma delícia, mas não sei descrever o gosto. Comi tudo.

O dia estava amanhecendo e resolvi sair para espairecer. Quando abri a porta, dei de cara com os orangotangos da polícia. Assustei-me e já me considerava em cana de novo, quanto os notei paralisados. Aproveitei para chutar a canela dos dois, e nem tchum. Nenhuma reação. Empurrei-os para o lado e passei, rindo da cena. Já estava na rua, quando dei fé que tanto a comida quanto os cavalões eram coisas dos etezinhos do dia anterior. Só podiam ser.

Segui para a biblioteca e inquiri, novamente, aquela senhora que pareceu incomodada, quando perguntei sobre o brasão. Ela tentou escapar, mas cerquei-a e perguntei por que tinha medo de me encarar e dizer o que sabia. Antes que respondesse, vi o mesmo homem de antes chegando, com cara de poucos amigos, acompanhado de seguranças. A menos de cinco metros de onde eu estava uma brisa soprou e eles pararam, atordoados, como se não se lembrassem o que iam fazer, e cada um tomou uma direção. A senhora, junto a mim, ficou muito assustada. Era a oportunidade para fazer fita e pressioná-la.

- O que fiz a eles farei com a senhora, se não me disser tudo que sabe.

- Quem é você, afinal? Pensei que fosse um garoto comum!

- É o meu disfarce. Agora abra o bico e vomite tudo pra mim!

Deu certo! A mulher falou, sem parar, por cerca de meia hora. Tive de mandar se calar.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 30/10/2019
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