LIBERTATEM - capítulo 06

A bibliotecária contou-me que o lugar fora usado várias vezes por um grupo que usava broches com aquele brasão para reuniões secretas, além do expediente normal, e que alguns dos que viu eram pessoas conhecidas e influentes. Não sabia o que discutiam, mas chegou a ver pessoas muito esquisitas, entre os participantes. Perguntei o tipo de esquisitice, e ela explicou que uns eram muito altos, com mais de dois metros e meio, outros muito brancos e com olhos, totalmente, escuros, pessoas negras, com tamanho variado, sem pelo ou cabelo, e olhos quase transparentes, e alguns bem cabeçudos. Não esteve, nunca, no recinto fechado das conversas, e disse que já fazia bom tempo que reuniões não aconteciam. Deixei-a e saí.

Sentia-me como um primo pobre do James Bond. Andei um pouco, refletindo sobre o que ouvi e pensei que se fosse até base aeronáutica conhecida, poderia encontrar vestígios, provas, ou até algo mais concreto daquele troço. Tomei o metrô e me mandei para lá. Logo na recepção fui barrado por dois soldados e pedi para falar com o comandante. Eles e a recepcionista nem ligaram, e ela disse, pedante, que se não tivesse visita agendada, não poderiam nem me dar crachá de visitante. Peguei um pedaço de papel, escrevi LIBERDADE LIBERTATA em letras grandes, entreguei ao soldado, e disse que o comandante estava esperando por isso, e que se ele não lhe entregasse, imediatamente, teria de arcar com as conseqüências. Olhou-me desconfiado, mas fez o que pedi. Não esperei mais de um minuto, para que voltasse, esbaforido, acompanhado de dois outros militares graduados, que me levaram, sem crachá e sem dizer uma palavra sequer, até o manda-chuva.

Sala enorme, mesa comprida de reunião. Sentaram-me numa cadeira isolada, próxima da janela e não desgrudavam o olho de minha pessoa, mas não me dirigiam a palavra, nem respondiam ao que eu perguntava. O chefão não demorou.

- Então é o senhor que me mandou aquele recado tolo, é?

- Tão tolo que fez com que o senhor me recebesse apressadamente. Engraçado, né?

- Não se julgue esperto, rapaz! Reviraremos você de tudo quanto é jeito. Tirem a roupa!

Antevi enrosco e fechei os olhos. Esperei e nada. Olhei e vi todos sentados, zumbizados e ausentes. Junto à mesa do coronel, o pequenino Aldeín fuçava nas gavetas e tirava tudo de dentro, até que encontrou um broche com o brasão e me mostrou.

- Foi você que fez isso com eles?

- Não! Isso é coisa da Thráfsma, que está aí ao seu lado.

Nem tinha percebido a presença dela, quase encostada. Outro susto.

- Ainda resta dúvida sobre nossa situação e o que lhe foi dito ontem?

Tive de concordar com o baixinho. Mas ainda queria entender.

- Qual é a desse pessoal? O sujeito é militar. Deve ter mais gente graúda no negócio, e eles parecem dominar a situação. Por que fazer contato com gente assim? Por que vocês não escolhem os mais simples, que não pensam em violência e coisas piores?

- Parece fácil, mas não é! Venha conosco e lhe explicaremos melhor.

Rapaz! O baixinho fez piscar uma vareta estranha, e surgiu um círculo luminoso no meio da sala. Os dois entraram e me puxaram junto. Eu, com cara de besta quadrada, mais perdido que vegetariano em frigorífico, achei que íamos voar, mas que nada! Afundamos no chão, como num elevador maluco de parque de diversões. Ao chegarmos no destino, acho que meu estômago ficou no meio do caminho. Mesmo daltônico, sentia-me verde e enjoado.

Estávamos em caverna grande, bastante iluminada, com gente estranha de tudo quanto é jeito. Parecia um dos bares de Guerra nas Estrelas, só que com personagens mais variados e ambiente mais tranqüilo. Entramos num aposento extenso e vazio, que explicaram ser algo como espaço holográfico, e ali eu observaria vários contatos já tentados ou executados, de formas distintas e com visitantes diferentes. Ao iniciar a projeção, ela pôs suas mãos em minha cabeça, senti um estalo e via cenas bem aceleradas. Estivesse no meu normal, não conseguiria ver nada, mas agora compreendia, perfeitamente, o que assistia.

Em minutos, vimos o equivalente a centenas de horas de filmagem.

Ao contrário do que imaginava, eram cenas tristes, pesadas e deprimentes.

Contatos frustrados ou transformados em captura, aprisionamento e tortura de muitos visitantes. Nenhuma violência da parte deles, e muita da nossa.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 30/10/2019
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