Glaucos - Capítulo 18

"... Meu coração está onde o seu estiver"

Cassius olhava o horizonte da janela do seu gabinete, a mesma janela a qual tinha visto sua garotinha ir embora há alguns meses. Não havia um só dia que não lembrasse dela, não havia se arrependido de sua decisão, mas seu coração, desde então, estava cortado. Os Altos das Cidades do Sul tinham o julgado, e alguns quebrado as alianças. Ele havia aprendido desde jovem que em Glaucos o amor não era o mais importante, e sim o quanto um homem conseguia ser forte, quando até os Deuses o virassem as costas.

- Senhor do meu nome...

Lisa entrou no gabinete do marido, apreensiva.

Cassius apenas a olhou, esperando saber quais seriam as reclamações da mulher agora, desde que Helena fora embora, Lisa jamais havia sido a mesma com ele.

- Acário está se preparando para ir a Vedas como você o ordenou, mas me sinto preocupada, está mandando com ele poucos guardas.

Ele bufou, passando as mãos pelos cabelos já brancos.

- Ele não terá problemas com os nortenhos se é o que a preocupa.

- Não só isso me preocupa, tenho ido todos os dias fazer oferendas aos Deuses, mas as mãos dos Deuses baixos parecem pesar sobre nossa família.

Ela disse, sentando - se na cadeira em frente a ele. Lisa estava visivelmente abatida, seus olhos estavam fundos, e a ausência de fome a havia emagrecido em demasia.

- Não seja tola - empertigou - se ele - está tudo correndo bem - continuou - vejam as rotas, abertas para o nosso comércio novamente.

Ela o olhou por um tempo.

- A ambição sempre o cegou e novamente turva sua visão.

Batidas na porta os tiraram da discussão.

- Entre!

o Alto de Lissius levantou - se, olhando para o filho Lucius adentrar.

- Meu pai, podemos conversar?

- Sim - respondeu, acenando para que Lisa saísse.

- Não há assunto entre minha família que eu não possa participar.

Ela disse, firmemente.

Lucíus acomodou - se em uma cadeira ao lado mãe.

- É sobre Riana.

- Já está tudo acertado entre as partes, Atila, o comandante da cidade de Vedas, está satisfeito com o enlace entre Prétos e sua filha - sentou - se novamente enquanto falava - e acabei de receber uma carta da Cidade de Barak, onde Dários também fez gosto do seu casamento com Catrina.

Lucius olhou para o pai com um certo desprezo, mas manteve - se calmo.

- Eu e Riana, nos amamos, eu ia falar com seu pai quando estive em Vedas pela última vez - buscou fôlego - mas os acontecimentos daquele momento fez com que eu adiasse, mas não desistisse - finalizou.

Lisa conseguiu ficar mais pálida do que já estava, mais uma desgraça caia sobre sua casa. Olhou para o filho visivelmente nervoso, enquanto no rosto do marido não havia nenhuma reação.

- Amor? disse Cassius, finalmente - eu criei um filho para amar? - continuou - o amor por uma mulher é mais importante que honrar sua cidade?

Ele ouvia as palavras saírem calmamente da boca do pai, como se ele estivesse dito que acabara a garrafa do seu vinho favorito.

- Isso é simples de resolver - disse Lisa, pegando nas mãos do filho - trocamos os arranjos, já que existe um interesse de amor, entre Lucius e Riana.

- Você é tola mulher!

Esbravejou Cassius.

- Pai, abaixe o tom com minha mãe!

Ele olhou para Lucius com toda sua fúria, mas quando falou, sua voz era pausada e calma.

- Você acha que pensei em seu arranjo com Catrina agora? Acha mesmo que foi algo repentino? - indagou sem esperar resposta - Catrina é filha única, logo Dários não estará mais a frente de Barack, esse lugar será seu, será você o alto de Barack e Presidente do Conselho - continuou - você foi preparado para ser um Alto desde que nascera, diferente de Prétos. Você se casara com Catrina, e teremos o comando das suas cidades.

- O senhor, meu pai, sempre consegue me surpreender para o pior...

- Não o criei para ser um tolo sentimental, não me decepcione, se insistir nessa loucura de se casar com Riana, tiro de você o que há de mais sagrado para um Glauquiano - olhou o filho seriamente - o tiro o brasão!

- Você não ousaria, senhor do meu nome!

Disse Lisa, levantando - se.

- Está casada comigo a tempo suficiente para saber que eu faria.

Lisa olhou para o marido, com todo seu desprezo, ela sabia que ele era capaz, quando se tratava de poder não havia limites para aquele homem. Olhou para o filho ainda sentado, percebeu naquele momento que Cassius havia ganhado mais aquela batalha, sabia o que significa em Glaucos um homem sem brasão, sabia o quanto isso significava ao filho. Mas uma vez sentiu - se derrotada, assim como havia acontecido com Helena, ela era uma mulher sem voz. Fora sem voz, quando ainda muito jovem seu pai a obrigou a casar - se com Cassius, e continuava sem voz ao ver o marido selar a vida dos filhos como bem queria. Saiu do gabinete como se estivesse morta, era como estava na alma, desesperançosa, sem energia para continuar.

Atravessou a cidade sem enxergar ninguém, encontrando refúgio no quarto que fora de Helena, sua presença ainda tão forte ali, seus livros de cabeceira, os chapéus ainda no mesmo lugar que ela havia deixado, e seu anel com o brasão da cidade. Sabia que a filha não o havia esquecido, o deixara para trás como uma mensagem que não fazia mais parte daquela família. Sentou - se na escrivaninha, pegando tinta e papel, olhou por um tempo a folha em branco, deixando que seu coração a guiasse na missiva mais difícil que já escrevera.

Alto da Cidade de Tavos,

Ayrus

Escrevo com o coração cheio de saudades da minha filha querida, não mando essas linhas diretamente a ela, pois sei que em seu coração o Deus Cripto ainda faz morada em relação a mim.Gostaria de receber noticias da tão amada pequena, e do fundo da alma de uma mãe aflita pedir sua piedade.Gostaria que lembrasse que a espada que selou o tão triste fim da sua família, não fora levantada pelas mãos de Helena, que o desonroso episódio feito por corações ambiciosos, nada tem a ver com a pequena que hoje se encontra ao vosso lado. O sangue dos seus amados, não escorre por aquelas mãos. Imploro - te como mãe, fraca, mais zelosa, humilhando - me e buscando sua bondade. Não imponha sobre ela os erros do tão vergonhoso passado.

Sua sogra,

Lisa de Lissius

- Minha dona.

Chamou o vassalo.

- Diga.

Ele não entrou no quarto, parou na porta.

- O sacerdote do Monte Glaucos está na sala a sua espera.

- Lico, leve essa correspondência ao pombaril, certifique - se que seu despacho seja rápido - ela disse fechando a carta e colocando o brasão de Lissius - antes - entregou a carta ao vassalo - traga o sacerdote até aqui.

O vassalo entrou no quarto pegando a carta das mãos dela e saindo em seguida. Depois de um tempo uma voz jovem ecoou pelo quarto.

- Senhora.

Ela deu sinal para que o jovem sacerdote entrasse. Ele era um jovem de cabelos negros e pele morena, trazia em sua vestimentas o Deus ao qual havia lhe entregado a vida, Pairo, o Deus da Justiça.

Os sacerdotes, moravam no Monte Glaucos, a " Casa de todos os Deuses ", no ponto mais alto de Glaucos, lhe entregavam a vida desde muito cedo, eram castos, tinham uma fé inabalável, andavam por todo o Glaucos, levando esperança e sensatez.

Ele sentou - se ao seu lado, perto da escrivaninha.

- A senhora está mais abatida do que a última vez em que estive aqui, trouxe ervas para fazer poções, vindas da cidade de Barack, deixei na cozinha, expliquei aos vassalos como fazer.

Ele percebeu que ela o escutava, porém sua reação era apática, a tristeza havia tomado conta daquela mulher.

- Sacerdote, posso lhe pedir um favor?

- Claro que sim, diga - me, o que posso fazer?

- Vá ao Norte, visite minha filha.

Disse sem rodeios.

Ele lhe sorriu, pegando em suas mãos.

- Senhora Lisa, o sacerdote Calixto saiu ontem pela manhã do monte a caminho de Tavos, foi visitar sua filha.

O olhar dela pela primeira vez ganhou vida, Patrícios sentiu - se feliz, ele havia ido a Lissius, somente para dar essa noticia a Lisa, tinha ficado preocupado desde sua última visita.

- Isso é muito bom, meu coração diz que ela está precisando - o olhou - por que os Deuses estão destruindo minha família?

- Senhora, os Deuses jamais trabalham para isso, existe uma justiça por trás de todas as coisas, o véu da ignorância nos cega, mas depois, tudo é compreendido.

Lucíus entrou no seu quarto com o pesar no coração, no final o pai sempre conseguia tudo que queria. Como abandonaria sua família, sendo ele o mais velho, aquele que fora ensinado desde criança a cuidar dos seus. Havia falhado com Helena, assim como falhou com Riana. Tirou do bolso a carta que recebera de Riana naquela manhã, ainda não tinha tido espirito para ler. Abriu.

Lucíus ,

Estive a par durante todos esses meses que seguiram do acordo de casamento entre eu e seu irmão.Confesso, meu amor, que meu coração estava confiante na sua coragem de desfazer tudo isso, e cumprir a promessa que havia me feito, de que não deixaria ninguém me desposar.Porém, no fim da minha espera, e selado o acordo entre seu pai e o meu, só pude constatar dois fatos; que vosso pai não tem limites, e que o senhor é um covarde.

Riana, de Vedas

Ela o tinha como um covarde, sempre fora por demais ligado as questões familiares, nunca havia pensado em si, nem agora que tinha certeza do quanto amava Riana, do quanto seria difícil conviver com ela na mesma casa sendo esposa do seu irmão.

Quanto a Catrina, sabia que ela não estava feliz com esse arranjo, as poucas vezes em que conversaram ela sempre dizia que não pensava em se casar e deixar o pai. Era a melhor amiga da sua irmã. Sempre houve em Catrina algo que ele não conseguia compreender, tinha uma relação quase doentia com o pai, ele havia observado bem isso na última primavera na Cidade de Marssales.

Um barulho vindo de fora o despertou. Foi até a sacada vendo o irmão Acario conversando com seu cavalo, sorriu para si mesmo, descendo as escadas e indo ter com o irmão.

- Os Deuses estão puxando sua língua para fora? Para falar com cavalos?

Bateu nas costas de Acario.

- Meu irmão, você bem sabe que o Rojão não é um cavalo qualquer, tenho por mim que ele seja parente direto do cavalo do Deus Demétris¹.

Lúcius gargalhou jogando a cabeça para trás.

- Você é um fanfarrão, meu irmão!

- Lúcius, eu soube do seu tema com Riana, eu sinto muito.

- Me acho um covarde por permitir tal lástima.

Acario aproximou - se do irmão, colocando as mãos em suas costas em um abraço afetuoso.

- As vezes desistir requer mais coragem do que seguir, você não é um covarde, você é um dos homens mais honrosos que conheço.

Abraçaram - se.

- Estou indo a Vedas levar as encomendas de vinho, se quiser rapto Riana para você.

Disse, Acario, em tom de brincadeira.

Riram alto, seguindo para a casa da guarda.

A casa ficava no centro da cidade, era um prédio alto, com cômodos para refeições e acomodações. Nos fundos havia uma arena média para treinamentos. Os guardas que ainda não tinham família moravam ali, quando se casavam compravam casas vendidas a preços mais baixos, pela devoção ao defender o Brasão da cidade.

Um homem sem brasão era um mercenário, um glauquiano sem história, muitas vezes desprezado por todos, a maioria deles vivia perambulando pelo porto, fazendo trabalhos duvidosos a qualquer um que pagasse bem.

- Leve Marius junto com você, sei que está levando poucos guardas.

Aconselhou Lúcius.

- Sim, eu o levarei, mas será uma viagem tranquila, temos acordo com os nortenhos agora.

- Infelizmente, Acario, o que deve estar custando caro para Helena.

- Algo está me preocupando muito Lúcius - disse Acario, limpando sua espada - mamãe está cada vez mais abatida, quase não sai do quarto.

- Eu notei, senti - se culpada por não ter conseguido ajudar nossa irmã.

- Tenho passado bastante tempo com ela, mas como irei me ausentar, espero que você o faça.

Lúcius assentiu com a cabeça - vendo o irmão Prétos vir de encontro a eles.

- Irmãos.

Disse Prétos, inclinado - se um pouco e tocando o coração de Acarios. Esse o tocou o coração também.

Era um costume entre os glauquianos, toda vez que alguém da família saia em viagem , eles faziam um gesto tocando um o coração do outro. Era como dizer " Meu coração está onde o seu estiver ".

- Espero que volte logo para experimentar com folga de tempo as vestimentas do meu casamento - olhou para Lúcius enquanto falava - e mande noticias minhas a bela Riana, minha futura esposa- finalizou.

- De todos os filhos do papai, você é, sem dúvida, o mais parecido com ele.

Dizendo isso, Lúcius tocou o coração do irmão, e se foi.

- Você foi cruel, Prétos!

- Não se meta nisso, Acario - disse sorrindo - está tudo pronto para a viagem? Mamãe fez leite suficiente para sua mamadeira? Brincou.

- Não me tome por uma criança, meu pênis faz a alegria de todas as garotas da taverna!

Sorriram.

- Pode deixar, cuidarei delas enquanto estiver fora.

Disse, dando um tapa na cabeça do irmão mais novo como sempre fazia.

Acario deixou seus irmãos e o pai na mesa e foi buscar sua mãe, bateu na porta do quarto e entrou. Viu a mãe deitada na cama de Helena, sentou - se ao lado dela, acariciando suas costas.

- Mamãe, não vai me dar a honra, de jantar comigo, amanhã pela manhã viajo.

Ela levantou - se tocando o rosto do filho, deitou a cabeça em seu peito.

- Meu amado, perdoe sua mãe, não me sinto bem.

- Mãe, quero te fazer uma promessa.

Segurou o rosto que mostrava sinais do tempo.

- Eu prometo a senhora que quando voltar de Vedas darei um jeito de ir em Tavos, ver Helena.

- Meu filho, você não será bem vindo lá.

- Vou me corresponder com Ayrus, dará tudo certo, mas você precisa me prometer algo.

- Diga...filho.

- Prometa que não vai se entregar. Prometa - me que quando eu voltar estará me esperando na porta com seu melhor sorriso?

Ela sorriu colocando a mão no coração do amado filho.

- Eu prometo!

Esperou a mãe dormir e desceu para a sala, seus irmãos já tinham se recolhido, estava apenas o pai bebericando uma taça de vinho. Olhando para Cassius agora percebia o quanto o pai havia envelhecido, tudo estava mudando a sua volta em sua família.

- Senhor meu pai...

Desceu as escadas, aproximando - se do Alto de Lissius.

- Está tudo resolvido para amanhã?

- Sim, amanhã partirei antes que os Deuses acordem nos trazendo o sol.

- Não demore mais que o necessário, preciso de você aqui.

Ele assentiu com a cabeça.

- Espero que na volta encontre minha mãe mais animada.

- Não de tanta importância as mulheres...são amargas por natureza.

Disse, servindo - se de mais vinho.

- Ela não é qualquer mulher, é minha mãe e sua esposa.

- Saia da barra de sua mãe, não seja um fracote! Merda!

Esbravejou.

- O senhor que não consegue me olhar como um homem, mas eu já o sou, e é por esse motivo que me preocupo com ela, afinal, minha mãe sempre foi para mim o meu melhor exemplo de grandeza.

Fitou Cassius nos olhos.

- É uma pena que o filho mais corajoso que tive use saias!

- E te serviu bem de moeda de troca, não é meu pai?

- Cala a sua boca!

- Calarei, como sempre, estou pelas suas ordens, boa noite senhor, até a volta.

Acario preparava - se para subir o primeiro degrau quando Cassius o chamou, aproximando - se dele.

Virou - se para o pai.

- Meu coração está onde o seu estiver.

Disse, tocando o coração do filho, que também estendeu a mão, tocando com verdade de sentimentos o coração do pai.

* Deus Demétris¹ - Deus da Guerra

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