'PRÓLOGO 2 - ANTES DO RETORNO"

Prólogo II - ANTES DO RETORNO

Eu deveria ter aprendido; ter gravado em minha memória. Minha mãe me ensinou e eu não aprendi. Agora, eu sinto falta. Eu deveria ter aprendido. Eu inicio e me esqueço do meio e do final. Minha mãe me ensinou a rezar, mas não me ensinou a ter fé. A fé que eu depositei nela se espatifou no chão assim que ela me vendeu ao padre porco em troca de moedas em ouro. A fé que eu deveria ter cultivado ao lado de Giovanni se desfez quando mataram meus filhos e o tomaram de mim. Não tenho fé. Não creio n'Ele. Se Ele existisse, deixaria uma filha aqui? Acho que não. Giovanni, como pai, não deixaria seus filhos sozinhos e assustados. Não. Não o meu Giovanni. Onde vc está se verdadeiramente estamos...?

Miserável! Não posso acreditar no padre. Não posso. Não estou morta. Eu sinto tudo. Ainda tenho fome. Ainda sinto sede, frio. A neve...a neve mudou de cor. Uma neve branca cai sobre meu corpo recostado a uma árvore. Uma árvore frondosa com a copa vermelha, o tronco robusto. Uma luz intensa clareando a entrada de um túnel rochoso logo adiante. A imagem é perfeita. Perfeitamente linda e bucólica. Penso nele e choro de saudades. Ele adoraria esta imagem. Ele certamente a eternizaria em um quadro. Ele sempre tivera talentos. Eu nunca os tive. Abro a boca, jogando a cabeça para trás e deixo a neve entrar. Sorrio enquanto sinto o gosto da neve se dissolvendo em minha língua. É neve!

Sim! É neve de verdade. Lembro-me do dia em que a provei, na cidade vizinha à nossa. Giovanni me levou até lá, antes da Revolução...bem antes. Em nossa terra não há neve. Nunca nevou. As crianças não conhecem a neve. Precisamos levar as crianças para ver a neve, Giovanni...

É pura e refrescante. Alivia minha garganta que já não queima tanto. O dorso de minha mão levado à minha testa me faz acreditar que estou morrendo, pois estou ardendo em febre. INFERNO! Eu já morri. Morri e estou com febre. Isso...isso é loucura. O padre porco se enganou. Não faz sentido. Estou viva. Mais viva do que nunca. Alguém pode me explicar isso!?

- ALGUÉM AÍ PODE ME EXPLICAR???

Ouço meu coração bater aceleradamente. Levo a mão ao peito e tenho a certeza de que ele está pulsando. Ouço-o a bombear sangue por todo meu corpo. O ar gélido toca em minha pele e minha pele está viva, pois sente tudo com intensidade. Meus pelos se arrepiam de frio. Meus cabelos estão sujos mas, se eu os puxo, meu couro cabeludo dói. Eu me belisco e sinto dor. Eu comeria um boi agora mesmo de tanta fome e me dizem que estou morta??? Não estou morta. Não mesmo. Ele se enganou. Como eu vim parar aqui? Ele me tocou? Onde ele está? Por que desistiu de me machucar?

Não vou enlouquecer. Eu me nego. Estou exausta demais para isso. Enlouquecer. Não. Não aqui. Aqui é calmo. Não há vozes ou lamentos. O vento sopra constantemente para o Norte...ou Sul, Leste ou Oeste. Nunca gravara a direção do vento quando estava viva. Agora, morta, não vou aprender. Desisto. Eu não estou morta. Não mesmo. Estou em um sonho muito lúcido e extremamente longo. Desagradavelmente longo.

Vendo o céu, daqui, acho que não quero acordar. O céu é lindo! De um azul-escuro jamais visto quando eu...Diabos! Por entre as nuvens, eu vejo as estrelas. É tão lindo! Giovanni deveria estar aqui. Deveria ver essa maravilha. Mas, ele morreu. Maldição. Ele, de fato, morreu. Agora, eu me lembro. Ele morreu por minha culpa. Meus olhos estão embaçados, inchados, devastados pelas lágrimas. Se chorar por mais tempo, eu desidrato e morro de fraqueza. Minha barriga dói de fome.

- Morto tem fome??? - Grito ao vento numa afronta, encolhida sob a proteção da árvore cujos troncos são grossos, retorcidos, cheios de vida. A árvore tem vida, logo, eu também. Eu estou viva. Idiota do padre porco! Burro, idiota, louco! Aaah...o doce aroma da Dama-da-Noite! Como pode? Como posso sentir cheiros em um sonho? E, se estivesse morta, não sentiria esse aroma porque mortos não têm olfato. Estúpido!

ESTOU VIVA!

Gargalho por minutos até perder a graça. Gargalhar sozinha não tem graça. Onde estão todos? Gosto daqui. Tem paz. Será o Paraíso? NÃO ESTOU MORTA! DIABOS! Não é o Paraíso, sua burra! Embora pareça, não é o Paraíso. E se fosse, tenho a certeza mais do que absoluta de que não estaria nele. Viva ou morta, não entraria no Paraíso. Pouco me importa. Minha mãe disse que, se eu não obedecesse ao padre, eu iria parar no inferno. Isso aqui não parece em nada com o inferno, logo, estou viva. Giovanni adoraria saber que raciocino. Aprendi, amor. Aprendi com vc. Por que eu não impedi que te empurrassem? Se eu pudesse voltar no tempo, eu teria aguentado firme e não teria te soltado quando o maldito me mordeu. Deus...por que o deixou cair? Ele era bom. Um homem bom. Por que não matou o demônio que me mordeu e me faz largar de suas mãos?

- É assim que mostras a Tua Benevolência!? - De olhos úmidos, fito as nuvens acinzentadas que se deixam levar pelo vento, lenta e pacificamente, descortinando o céu estrelado. Aaah, Deus! Meus filhos adorariam sentir a neve. Brincar com ela. Meus filhos...onde estão? Por que acabo sempre só? Por quê? Para quê o Senhor me tirou a família? Devo viver sozinha pela Eternidade? É isso? É esse Seu plano? O Senhor me ouve?

ME OUVE???

ALGUÉM ME OUVE??? QUE INFERNO DE LUGAR É ESSE???

Apenas o eco volta aos meus ouvidos. Não há ninguém além de mim e da árvore. Lanço um olhar ao meu redor. Vejo uma pedra. Tomo a pedra em minha mão. Sorrio, lembrando-me dos tempos em que arremessar pedras em Giovanni era um dos meus passatempos preferidos. Lembro-me e rio das expressões de surpresa dele quando eu o fazia. Era ágil meu homem. Sempre se desviava delas. Procuro por um espaço no tronco largo da árvore. Escrevo sem a menor esperança de que ele leia. Escrevo com dificuldade, apoiando minha mão esquerda na raiz da árvore enquanto a direita crava a ponta afiada da pedra no tronco e faz surgir nossas iniciais.

"M&G"

Eu as circundo com um coração. Um coração torto como o meu, mas, ainda assim, um coração. Giovanni diria que eu gosto de esconder o meu lado bom. Que tenho vergonha de ser boa. Eu lhe daria uns tapas nos músculos de seus braços porque odeio que ele pense que sou boa. Eu odeio ser boa. Ser boa não leva ninguém a lugar algum. Ele...ele morreu sendo bom. Ele morreu. Ele morreu? Eu não sei ao certo. Nunca vi céu tão bonito! É de cair o queixo.

- Giovanni, vc me ouve? Vc disse que me escutaria de onde quer que estivesse. Vc me prometeu. Vc sempre cumpre com suas promessas. Amor...estou com medo, mas não posso ser fraca agora. Venha me salvar, Giovanni. Já passou da hora. Venha. Não estou achando graça dessa brincadeira. Venha...- Baixo os olhos cerrados e enxugo, com o dorso da mão, a ponta do meu queixo, as bochechas molhadas pelas lágrimas. Com a voz baixa, digo para mim mesma.

- Vc não virá. Eu sei. Talvez, morrer aqui não seja tão ruim assim...

A neve molha meus cabelos que se colam ao meu rosto. A neve em contato com a minha pele não causa frio. Apenas me refresca, alivia as dores. Estendo as pernas ou o que sobrou delas e deixo que a neve as toque. Eu não quero, mas deixo que a ira tome conta de mim e eu a dirijo a única pessoa que não a merece. Falo alto para ninguém ouvir.

- Vc me prometeu que estaria comigo na riqueza e na pobreza; na doença e na saúde. Disse que a Morte não nos separaria, então, não repetiu o "Até que a morte nos separe." Vc se negou a repetir as palavras do padre que nos casou. Vc se negou. Disse a ele que estaríamos juntos, mesmo após a morte. Vc quase o fez infartar com sua ousadia! Rimos tanto! Estava chovendo quando saímos da igreja, lembra? Dançamos sob a chuva. Meu vestido de noiva ficou um trapo. Vc disse que eu estava ainda mais linda molhada do que seca. Eu não acreditei, mas amei cada palavra vinda de sua boca. Sua boca...que falta me faz. - A dor da perda me faz calar por minutos. Toco o chão com os dedos das mãos. Ouço, de imediato, o som de passos. Passos cadenciados e cuidadosos. Imagino ser Giovanni. Finjo ser ele, embora minha faculdade contrarie minha vontade. Não sei como sei, só sei que sei que não é o meu Giovanni. - E...se eu estiver morta? Deus...se eu estiver realmente morta!? - Arregalo os olhos e puxo o ar pela boca. Um lampejo de entusiasmo percorre meu corpo dos pés à cabeça. Uma ideia iluminada surge como fogos no céu em dias de festa. - Eu posso te encontrar!!! Se vc está morto e eu morta, estamos mortos no mesmo lugar! Vc, nossos filhos e eu! CÉUS! É CLARO! Como não havia pensado nisso antes!? Só o que preciso é andar, correr atrás de vc porque...porque vc deve estar aqui por perto! - Digo isso, ao mesmo tempo em que tento me erguer, apoiando-me nas pernas. Desequilibro-me. Caio contra a árvore e rolo meu corpo do tronco até a base da raiz.

- DIABOS! - Não consigo me mover. Procuro dobrar as pernas, os joelhos deslocados. Argh...desvio os olhos atônitos dos membros inferiores. Não quero passar por tudo aquilo novamente. Não quero sentir dor. Aquela dor lancinante que me fez desmaiar naquele lugarzinho fétido. Não quero sentir a dor, então esqueço as pernas e apoio as palmas das mãos no chão de terra. Uma terra vermelha, boa para o plantio. Giovanni me ensinou tanta coisa. Como aquele homem era sábio! Sábio e fascinantemente paciente. Como ele me suportou durante tantos anos? Céus! Compreendo agora que o fiz sofrer com minha impulsividade, meu temperamento arisco, voluntarioso. Vc diz que sou boa e o que vejo é uma mulher que não deu o seu melhor como mãe ou esposa. Uma mulher que se deixou levar pelo desejo de vingança e se jogou nos braços de um ser maligno e, por ele, foi usada. Ele me usou e, apesar do mal que ele me fazia, eu o perdoava por seus erros. Giovanni, vc me ouve? Vc precisa sentir a neve, amor. Precisa ver esse céu, a luz que vem do túnel, o vermelho intenso das folhas da árvore onde me recosto. Vc precisa ver, amor. Vc precisa me perdoar, Giovanni. Eu não fiz por querer...eu...eu estava só. Eu estou só. Preciso chegar até a luz. Aquela abertura. A luz que vem de lá é tão intensa que ofusca a minha visão. Não vou ter forças para me arrastar até lá. É longe. Meus cotovelos estão sangrando de tanto me apoiar neles. Minha nossa! O contraste do vermelho da copa da árvore com o azul do céu e os floquinhos de neve caindo sem pressa é simplesmente deslumbrante. Espero que ele possa estar vendo isso. Espero...espero que ele ainda se lembre de que é casado. Casado mesmo depois de morto. Foi assim que combinamos. É assim que deve ser! Até 'depois' que a morte nos separe, conquanto eu saiba que estou viva. O louco me disse que morri, mas quem está morto não sente ciúmes e eu sinto, então, estou viva. Viva e de olhos bem abertos.

ESTÁ OUVINDO, GIOVANNI??? OLHOS ABERTOS!

Meus berros me divertem quando ecoam e se misturam à neve, ao ruído constante do vento que faz a neve se movimentar em espirais mágicas bem diante dos meus olhos deslumbrados. Penso que, se tivesse uma outra chance, faria tudo de maneira diferente. Faria o meu Giovanni feliz. Jamais deixaria o meu Antoine sozinho entre os ratos ou minha Giordana nas mãos do padre porco. Giordana...eu a amava tanto e sentia tanto ciúmes dela com o pai. Aaah...quanta tolice! Se eu pudesse voltar atrás...eu não os afastaria. Deixaria pai e filha em paz, sem minhas interrupções patéticas, obrigando a pobrezinha a estudar quando ela já havia estudado. Não gritaria com ela; não brigaria com ela; não a chamaria de preguiçosa porque não quis arrumar sua cama ou quando não penteava as longas madeixas da cor do fogo. Minha Giordana tinha tanta vida pela frente. Tanto poder em uma criança linda, pacífica, bondosa como o pai. Geniosa como eu. Ela jamais ergueu a voz para mim quando eu a impedia de invocar os elementais ou experienciar os dons que possuía. Minha bruxinha...

Minha Giordana. Eu te matei. Eu atraí o padre até vc, meu anjo. Eu te matei. Eu. Somente eu. Eu matei Antoine, Giordana...e o nosso Castiel. Eu os matei, Giovanni. Eu te matei também. Se eu não o tivesse invocado, vc estaria aqui. Eu o invoquei para te salvar, mas... deu tudo errado. Tudo.Tudo seria diferente se vc estivesse ao meu lado. Se não tivesse sido preso; se não tivesse me deixado; se eu não tivesse sido vendida ao padre. Se o padre tivesse me tratado com humanidade. Se eu não tivesse o coração cheio de mágoas. Se vc não tivesse se casado comigo. Se eu não o esperasse todas as tardes ao pé de sua varanda. Se vc não tivesse me visto pela primeira vez. Se escutasse o sábio conselho de sua mãe que não nos queria juntos. Se! Se! Se! Se!Se! Se! Nada mais tem importância. Acabou. Está acabado. Fim.

Sou a culpada. A única culpada.

- Sou assassina. Uma assassina! - Confesso, escondendo o rosto entre as mãos, curvando o tronco para frente, desviando os olhos das pernas que, estranhamente, não doem. - Eu errei. Errei tanto! - De novo, estou em prantos. Assoando o nariz na barra asquerosa do que, um dia, fora minha camisola de núpcias. Um presente dele. Choro, bocejando, até eu sentir os olhos pesados. Quero dormir.

- Se eu dormir, não sentirei fome. - Concluo, num bocejo, espreguiçando-me, os braços esticados. De súbito, engulo o bocejo num engasgo. Começo a tossir porque há algo de diferente na imagem bucólica do quadro pintado à minha frente. Há algo se movendo ao longe. Um vulto vindo em minha direção. Um vulto imenso que diminui à medida que se aproxima de mim. Grito para que fique onde está. Aviso num tom grave, agarrada ao tronco da árvore frondosa, que sou forte e perigosa. Não o vejo retroceder sequer parar. Agarro-me ao tronco da árvore como se ela pudesse me defender. Na verdade, eu peço a ela que me proteja. Não ligo que pensem que sou louca. Eu devo ser. Uma louca solitária que precisa ser defendida por um tronco robusto. Não há cúpula que me envolva, logo, estou vulnerável demais. POR BACO! Ele continua a caminhar. E se for ela? A coisa se aproxima a passos largos, a despeito de meus avisos esganiçados. A luz que se projeta atrás dele não me permite ver seu rosto, mas minhas mãos já estão fechadas, meus punhos cerrados. Desta vez, seja quem for, vai tomar um soco bem no meio do nariz.

- NÃO SE META COMIGO, BILTRE. - A voz falha ao final da frase. Sinto-me patética, no entanto, não o deixo perceber quando levo a mão à garganta que volta a arder. A neve se intensifica. O vulto está perto demais. A luz da caverna ao meu lado direito me faz pensar que o próprio sol se esconde lá dentro. - Eu posso parecer inútil, mas não sou! - Berro, empertigando-me. O tronco apoiado nas mãos, os punhos cerrados, os maxilares tensos, as pernas sem vida. - Estou avisando! PARE! PARE AGORA MESMO OU VAI SE ARREPENDER. - Penso em Giovanni. Ele poderia estar aqui e me proteger de um outro ataque. Eu não vou deixar que me toquem, nem que seja a última coisa que eu faça antes de morrer...Aaaaah! Ou depois de morta!!! CAZZO! Nada mais importa. Se estou viva ou morta ou num sonho, o perigo se aproxima. Está a um passo de mim e o infeliz não mostra seu rosto. Não. Na verdade, há tanta luz ao seu redor que não consigo...eu ergo meus olhos a ele que está parado a menos de dez metros de mim e não consigo, por mais que tente, enxergar seu rosto. Nossa! Nunca vi coisa igual! Não consigo encará-lo, logo, só o vejo da cintura para baixo. Seus sapatos são simples, pretos e bem escovados. Sua calça está bem passada e engomada. A julgar pelas longas pernas, é um homem esguio, alto e paciente porque não se move enquanto eu o analiso. Sem olhar nos olhos dele, eu pergunto, levando a mão em concha encostada à testa, os olhos incomodados pela luz.

- Quem é vc? O que quer de mim? Sabe que sou casada? Sabe que sei bater com força? - Ele dá um passo à frente, em silêncio. Eu me arrasto para trás do tronco. Inferno! Não suporto mais rastejar. Meus cotovelos estão esfolados. O tecido do vestido...Por Deus! Quase não há tecido! Isso é ultrajante. Quando tudo vai acabar? Por que não me matam de verdade??? Por que me fazer sofrer se dizem que já morri??? Não deveria ser o "Descanso Eterno"? Pois eu até agora não tive um só momento de descanso. Minha nossa! Como ele brilha!

- Eu o parto ao meio se tentar me tocar! - Digo, observando-o por detrás da árvore. Aos poucos, como a vela do candeeiro, sua luz vai se apagando. É quando posso ver o seu rosto, o sorriso sereno, o olhar profundo e perscrutador. Eu quase posso ver seus dentes quando o ameaço, com uma pedra na mão suja de sangue seco.

- Dê mais um passo e eu parto a sua cara ao meio! - Ele parece estar rindo. Digo 'parece' porque volto a me esconder atrás da árvore na infantil esperança de que, se eu não o vir, ele também não me verá.

Ele chama por meu nome e eu não respondo. Tenho medo dele, ainda que sua voz me transmita paz e segurança. Ele chama por meu nome duas, três vezes. Digo que vá embora. Digo que não deixarei que usem o meu corpo. Digo que não tenho corpo para que o usem. Ele ouve os meus soluços atrás da árvore. Ele me diz que jamais me tocaria. Não da forma que penso. Ele diz que conhece a minha vida, os meus sofrimentos. Ele diz que me entende. Diz que compreende as minhas atitudes e que não me julga ou condena. Ele diz que deseja me ajudar e que não sairá dali até que eu apareça. Penso que ele poderia chegar até mim se assim o desejasse. Sou um nada, escondida atrás da árvore. Um nada que chora tanto que não consegue respirar ou falar ou pensar em nada. Nada além de ter ouvido palavras doces de um desconhecido. Sinto que ele é bom. Eu sinto. Novamente eu toco o chão onde ele pisa e confirmo minhas suspeitas: ele é um bom homem. Ele me pergunta se pode vir até mim. Diz que conhece um lugar onde poderiam cuidar de mim. Eu grito que não se aproxime. Aviso que ainda tenho a pedra em minha mão. Ouço seu riso. Um riso tão inocente quanto o do meu Giovanni.

- Eu posso te levar até ele. - O homem bom fala baixinho enquanto meu coração ameaça saltar pela boca. Já não posso raciocinar sequer enxergar porque estou chorando muito e, chorando, rastejo apoiando-me nos cotovelos machucados até um ponto onde ele possa me ver. Ele é alto. O homem bom é alto, magro e seus olhos sorriem quando me fitam. Então, abre um sorriso que ilumina seu rosto. Vejo seus dentes de um branco absurdo. Lembro-me do trabalho que era quarar no sol as roupas das crianças para deixá-las tão brancas quanto seus dentes. Ergo os olhos sonhadores e me pego pensando na época mais feliz de minha vida. Na época em que vivera ao lado dos meus, lavando suas roupas na beira do riacho, esfolando os nós dos dedos para dar o melhor de mim; para ser uma mãe digna dos filhos que o Senhor me deu.

- Ele me deu e os tirou de mim...- Digo, lamentando, choramingando, assoando meu nariz na roupa asquerosa que ainda visto. Estou fedendo e não quero que ele sinto o odor de putrefação vindo de minhas pernas. Pernas que arrasto enquanto me aproximo dele. Não tenho medo. Jamais tivera medo em minha vida. Daria meus dois braços, um para cada filho, se isso os trouxesse de volta. Ele vem em minha direção e se agacha à minha frente. Nossos olhos se cruzam. Percebo que, apesar de parecer jovem, ele deve contar mais de sessenta anos. É extremamente asseado, bem cuidado e incrivelmente conservado para a idade que deve ter. Ele confirma ter mais de sessenta anos. Eu peço desculpas. Ele pede desculpas também. Diz não ser educado ouvir os pensamentos. Eu rio. Rio muito. Na verdade, tenho uma crise de risos que somente chega ao fim quando, exausta, jogo-me estendida no chão. Ele apenas me observa com seus olhos cheios de compaixão. Digo que não sou louca. Explico que estava rindo porque já me acostumara a ter quem leia meus pensamentos. "Meu Giovanni era assim.", digo, bocejando. Ele estende seu braço. Eu toco em sua mão. O homem alto sabe que sinto tudo. Ele sabe que vejo através do toque. Ele me mostra seu passado. Recuo, tentando puxar minha mão das suas. Ele a segura e me faz enxergar suas vidas, seus erros, acertos, suas alegrias, tristezas. Suas quedas morais. Sua morte. Um tiro na cabeça, na altura das têmporas. A Escuridão, o Desespero, o Arrependimento, a Salvação. O Trabalho em uma grande cidade. Os Resgates...MINHA NOSSA! Meu Giovanni! - Vc o conhece!!! - Afirmo, extasiada. - Esteve com ele!!! Onde ele está? Onde!? Leve-me até ele! - Imploro, agarrando-me em seu braço, os olhos cheios d'água, as mãos frias tocando a pele de seu antebraço. Com o respeito de um pai à sua filha, ele me beija no topo da cabeça e, gentilmente me toma em seus braços. Ele não é forte como Giovanni, mas me ergue como se eu fosse um pássaro com as asas quebradas que acaba de cair do ninho. Sem Giovanni, é assim que me sinto. Eu vi Giovanni através dos olhos do bom homem. Eu o vi sorrindo e conversando. Eu o vi. Ele está vivo. Vivo! Não sei explicar o que está acontecendo, mas seja lá o que for, o meu Giovanni está bem e espera por mim em algum canto desse lugar onde não para de nevar. Ele tenta me acalmar enquanto eu faço perguntas sobre o pai de meus filhos. Estou nervosa, aflita. Eu o encaro, agarrando-o pela gola da camisa simples e branca como a neve que cai. Ele é paciente, pobre homem. Não se atormenta com minha voz aguda em seu ouvido. - Me leva até ele, por favor. - Com a voz entrecortada por soluços, suplico, beijando-lhe a mão. Ele, delicadamente, me faz ver que não quer que eu repita o gesto. Diz ser igual a mim e que não faz sentido beijar sua mão, embora agradeça a gentileza. Eu deveria me comportar, calar a boca e deixar que ele me leve em seu colo, mas, nunca fui de me aquietar quando estou nervosa, logo, continuo o interrogatório a despeito dos sinais que ele emite. Ele me pede calma. Eu quase grito quando tento lhe explicar que não se trata de um homem qualquer. É O HOMEM DA MINHA VIDA! Ele caminha enquanto ouve meus lamentos, meus pedidos, repetidas vezes. Ele caminha e eu estou em seu colo, meus braços envolvem seu pescoço. Minha cabeça deveria descansar em seu peito, mas não consigo. Simplesmente não consigo saber que Giovanni está vivo e não falar sobre ele, não perguntar sobre ele, não exigir que me deixem vê-lo. - Ele espera por mim??? Ele falou de mim??? Diga que falou de mim! Ele não me esqueceu! Esqueceu??? Por Deus! Fale alguma coisa! Não me trate como criança!

- Então pare de se comportar como uma. - De imediato, calo-me, contrariada. Faço uma careta e escondo meu rosto enfurecido enterrando meu queixo no espaço entre o pescoço e o ombro dele. Eu me calo porque, somente assim, eu posso ouvi-lo. Ele fala comigo através da mente. Ele diz o que quero saber. Disse que nunca vira um homem tão apaixonado em sua vida. Disse que o meu marido é um homem como poucos. Ele diz e eu aquiesço, exultante. - Um homem sábio e humilde. Como poucos. Um homem como poucos.

- Esse é o meu Giovanni! - Descanso minha cabeça em seu peito então. Meu coração está em paz. Em meu rosto, um sorriso bobo passeia em meus lábios. Os olhos fitam o céu. Arquejo, aliviada, ouvindo-o falar e falar sobre o que conversara com Giovanni. Diz tê-lo encontrado perambulando próximo ao penhasco. Diz que Giovanni não tivera dificuldades em seguir com ele e mais outros dois amigos. Diz que Giovanni já está dando aulas onde se encontra. A cada palavra dele, meu coração se enternece. Meu bom Giovanni está a salvo. - Ele sempre foi melhor do que eu, senhor. Ele sempre foi Luz e eu, a Treva. - Choro copiosamente ao me lembrar de tudo. Do salto para a morte. Do braço esticado de Ga'al, de seu olhar estupefato ao me ver cair. De sua tentativa estúpida em me alcançar antes de meu corpo se partir em pedaços contra as rochas, a água salgada, as cristas das ondas, os peixes abocanhando a minha pele à cata de alimento. O bom homem toca em minha testa e, num sutil movimento com o polegar, ele me faz esquecer do que custei para lembrar. "Não vale a pena pensar nisso agora", diz ele, ainda caminhando. Estou perplexa com sua força e habilidade. O homem conta mais de sessenta anos, no entanto, carrega-me no colo e conversa comigo sem sequer arfar por um segundo. Ele sorri para mim como se tivesse ouvido meus pensamentos. Eu retribuo o sorriso, tendo a certeza de que ele me ouve. Ele me faz ver que errara como eu. Ele me faz ver que não sou 'Um nada" como penso ser. Ele me faz ver que existe Algo acima de nós que, na verdade, não está acima, está dentro de nós. Ele me faz ver que sou digna do Amor do Criador, embora eu o negue, veementemente, com a cabeça, o cabelo emaranhado, a aparência de louca. Ele pousa a mão em minha têmpora. Ele me aconchega ao seu peito, então eu sei que estamos perto. Não sei de onde, mas estamos perto. Logo à frente o túnel dourado, pulsante, vibrante. O túnel parece ter vida própria. Cerro meus olhos e encolho-me de medo. Deus...sinto tanta paz em seu abraço! Digo que tenho medo da luz que pulsa como um coração apaixonado. Digo que tenho medo de morrer. Ele sorri para mim e em seus olhos, enfim, enxergo a Verdade. Compreendo, de uma vez por todas, que já estou morta. - E como sinto tudo que sentia quando eu estava...?

- Viva?

- Sim. - Baixo os olhos, envergonhada por estar gostando de ser levada por ele. De ser tratada como um ser humano decente. Envergonho-me do que fui. Do que fiz. Ele me diz que eu devo esquecer o passado. Ele toca em minhas pernas. Ele me leva em seu colo e toca minhas pernas por debaixo dos panos rotos que ainda a cobrem. Ele as toca e eu as sinto eletrizadas como se houvesse encostado em uma das enguias que Giovanni me mostrara quando ainda éramos jovens e...- O que está fazendo? Qual o seu nome? Quem é vc? O que quer de mim?

- Meu nome é Gabriel.

- O que está fazendo com minhas pernas!? - Questiono-o, aumentando tom de voz, erguendo a cabeça, os olhos aterrorizados. - O que quer de mim!?

- Quero o seu bem, Morgana. Somente o seu bem. - Diz ele, simplesmente enquanto eu, simplesmente, perco os sentidos ainda em seus braços.

***

Giovanni vem em minha direção. Ele quer me abraçar, me beijar. Ele quer matar as saudades. Ele diz que sente a minha falta. Diz que tudo vai ficar bem. Giovanni sabe que tudo o que mais quero é me jogar em seus braços, beijar o seu rosto, acariciar seus cabelos. Quero dizer o quanto sinto por tê-lo deixado cair. Ele me pede para esquecer. Ele me pede para perdoar. Ele rejuvenesceu. Giovanni parece mais novo. Isso me surpreende, embora não dê muita importância ao fato. Tudo tem sido tão estranho nos últimos dias que, se ele estivesse com os fios azulados, eu não daria a menor importância. Quero apenas apreciar, em silêncio, o pai de meus filhos enquanto ele tenta me convencer a dar uma chance, a perdoar quem me magoou. Peço que pare. Peço que foque sua atenção em mim. Exijo que tenhamos privacidade. Como posso matar as saudades de meu marido com tanta gente ao meu redor??? Giovanni me explica que as coisas mudaram um pouco. Afirma que morremos conquanto eu ainda sinta desejo por ele. Ele diz que é normal. Que a carne morreu. A alma permanece viva. Eu digo que estou totalmente viva e que não acho nada...absolutamente nada normal. Ver aquele homem...aquele monstro ao seu lado não é normal. Estar na mesma sala que o demônio que tirou a vida do homem que eu amo não é normal. Ter pulado para a morte por culpa de Ga'al não é nada normal. Ter de olhar para ele, ver seu sorriso cínico não é normal. Vê-lo ao lado de Giovanni não é normal! Há algo de muito estranho nesta sala! Giovanni vem em minha direção. Diz para eu ficar calma. Eu recuo até encontrar a parede contra as minhas costas. Deslizo até o chão, dizendo a ele que não estou gostando do que vejo, do que sinto. Digo a ele que foi Ga'al quem o empurrara para a morte. Ele parece não entender o que digo porque ainda me olha com uma persistente ternura. Mais uma vez ele pede que eu perdoe o maldito. O maldito não pode falar. Eu o insulto e...ele não pode revidar. Eu cuspo em sua face, eu o estapeio e ele...não pode falar ou reagir. Eu o sinto anestesiado, longe daqui. Eles pedem para que eu me mantenha calma. Eu berro quando digo que parem de me pedir para que eu me mantenha calma porque, quanto mais eles me pedem, mais nervosa eu fico.

NÃO FAZ SENTIDO!!!

Nada nesta sala ampla e extremamente clara faz sentido. O homem bom que me resgatara está ao lado de duas senhoras distintas que me fitam com benevolência e Giovanni ainda move os lábios sem que eu ouça as palavras que ele diz. Não vou ouvi-las. Nego-me a continuar aqui. Digo a Giovanni que devemos sair daqui. Que devemos seguir sozinhos à procura de nossos filhos. Que devemos recomeçar.

RECOMEÇAR...

Ele diz que é o que faremos. Recomeçar em outro país, outra civilização, em outro Tempo. Eu gargalho, curvando-me para frente. O maldito está me observando. Eu o ouço. Ele ri por dentro. O maldito Ga'al ri por dentro e ninguém o ouve. NINGUÉM OUVE O SEU RISO PRESUNÇOSO DE VITÓRIA??? Por Deus! Estão todos surdos, cegos??? Eles têm poderes. São iluminados. Não sei bem onde estou, mas, certamente, são pessoas mais evoluídas do que eu. Qualquer um na sala é mais evoluído do que eu, EXCETO, o demônio que ri por dentro sem que ninguém o perceba. Ga'al terá o que sempre quisera. Ga'al conquistara o que sempre desejou. Ga'al voltará a ter um corpo de carne, ainda que tenha matado e usado de violência para comigo somente por conquistar o que está prestes a conseguir. Ele errara do início ao fim e, AINDA ASSIM, será recompensado.

- Que diabos de raciocínio é usado aqui??? Que Justiça é essa que premia um homem que se devotou ao mal desde que eu o conhecera??? Vcs estão loucos???

- Ele te salvou. - Explica o homem bom que me trouxera até aqui. - Ele a tirou dos braços do Padre Pietro justo quando ele pretendia te machucar. Fazer o mal. Vc não se lembra?

- Foi ele??? - Exclamo colérica, buscando, na memória, o momento em que fora retirada das mãos fétidas do padre porco e passara às mãos do canalha. Nada. Eu não me recordo de absolutamente nada. - Não acredito!

Giovanni pede que eu me cale. Ele me toca pela primeira vez. Ele me toca e me pede para calar a boca. Eu esperei por ele. Eu lutei por ele durante todo esse tempo e, agora, a primeira coisa que ele faz quando nos reencontramos é mandar que eu cale a minha boca! Engulo a raiva que sinto dele. Engulo a imensa vontade de fugir dali ou de estapear seu rosto. Ele está ainda mais lindo. Ainda mais iluminado. Ainda mais distante de mim. Eu continuo a ser a mesma. Não admito que ele tente me convencer de que devo perdoar o maldito.

- ELE ESTÁ RINDO DE VC, GIOVANNI! VC NÃO CONSEGUE VER ISSO???

Giovanni tenta me controlar. Ele tenta me envolver em um abraço. Eu não quero que ele me toco. Eu luto. Eu o chuto. Eu grito. Eu choro. Eu o quero tanto! Eu quero ir embora. Quero ir para a nossa casa. Começar de novo. Ele me diz que recomeçaremos do zero. Que seremos felizes novamente, com outras roupas. Eu digo que não entendo. Ele me explica que voltaremos a Terra. Voltaremos juntos, no mesmo Tempo e Espaço.

- Nós dois?

- Nós três. - Responde ele, envolvendo-me em seus braços, afagando meus cabelos. Ouvindo os batimentos de seu coração, eu me acalmo, lançando um olhar perdido aos que nos rodeiam. Eles desejam o melhor para mim, mas, o melhor para mim é estar ao lado de Giovanni e, Giovanni quer que o maldito retorne conosco. Chego a duvidar da sanidade do pai de meus filhos. Chego a duvidar da minha sanidade. Chego a duvidar de tudo e de todos. Há somente uma certeza em mim: a de que Ga'al está exultante. Por segundos, volto meus olhos cheios de ódio a ele. Ele me encara com um sorriso magnífico no rosto perfeito. Eu o odeio. Odeio com todas as minhas forças. Eu o odeio em silêncio porque, se eu falar, serei punida. Onde estou, não se pode odiar. Onde estou, deve-se perdoar. Onde estou, não desconfiam dele. Onde estou, o maldito é visto como uma pobre alma que não tivera quem o guiasse ao Bom Caminho. Onde estou, não me dão ouvidos. Quero ir embora. Quero partir, mesmo que seja sem o meu Giovanni que já deixara de ser meu. Ele me diz que não. Ele me ouve e, sorrindo, diz que nada mudara entre nós. Diz que deve ser assim. É assim que deve ser. Pergunto se ele estará ao meu lado quando retornarmos. Ele afirma que sim.

- Desde o início?

- Após a juventude. - Eu me afasto dele, balançando a cabeça, negando o que acabo de ouvir. - Não posso ficar tanto tempo longe de vc, Giovanni. Não vou conseguir. - Eu me agarro a ele. Peço que mude de ideia. Digo que vou sofrer nas mãos do louco que, agora, está sentado em um cadeira de madeira, de maneira recatada. Eu o odeio por mentir tão bem. Como não o enxergam por dentro. - Não vou conseguir, amor. Fica comigo. Vamos fugir!

- Darei um jeito de te encontrar. Juro. - Ele me promete, beijando minha boca. Afasto-me dele, fitando seus olhos, agora mais claros. Afasto-me e, somente então, percebo que tenho minhas pernas de volta. Arquejo de surpresa e de alegria. Agradeço ao homem bom. Ele diz que não devo agradecer. "Vc fez por merecer", diz ele. Ele me entende. Ele parece ser o único na sala ampla e alvíssima a me entender. Ele teme por mim, mas se cala. Como todos os presentes, ele se cala. Ele conhece a natureza violenta de Ga'al. Ele conhece o temperamento sombrio e lascivo de Ga'al. Ele me fita cheio de compaixão, mas se cala. Eu sou obrigada a aceitar um futuro sem o meu Giovanni e ao lado do monstro que acabou com a minha vida. QUE DIABOS DE JUSTIÇA É ESSA?

Ajoelho-me. Não porque tenha aceitado o que me impuseram. Ajoelho-me porque sinto-me vencida. Sinto-me só justo quando reencontrara o homem da minha vida. A dor de não ter o seu apoio é ainda maior do que a de ter a perna esfacelada. Maior do que ter perdido meu filho nas mãos odiosas de Ga'al. Maior do que ter sido usada por tantos homens. Maior do que ter sido ultrajada, ofendida e espancada pelo povo de meu vilarejo. Maior do que ter sido vendida ao padre que me usara de forma vil desde minha juventude. Não ter o apoio de Giovanni é como pular novamente do penhasco e sentir o impacto contra as rochas. Sinto meu corpo tombar contra o piso frio. Ouço meus gemidos de dor, os soluços, o corpo curvado, os braços que abraçam as pernas curadas. Giovanni vem até mim e eu o afasto com um olhar frio que nunca fizera parte de nossas vidas. Eu o fito com frieza quando ele me diz que fará de tudo para me encontrar na Terra. Já não importa. Já não ligo. Façam o que quiserem. Deixem que eu sofra nas mãos do maldito. Deixem. Mandem-me de volta. Mande-o de volta. Façam o que Ga'al sempre desejara. Façam exatamente o que ele sempre quis. Concedam-lhe um corpo de carne e vejam, com seus próprios olhos, o estrago que ele fará. Não. Não se preocupem comigo. Sou forte. Vou sobreviver.

- Eu vou te encontrar, amor. - Giovanni promete.

- Eu te odeio, Giovanni. Eu odeio te amar tanto assim.

- Eu te amo agora e sempre...e vou te encontrar.

- Tenho medo.

- Eu também. - Seu sussurro rouco contra meu ouvido e seu abraço reconfortante são as últimas impressões que guardo como Morgana.

- Eu

vou

te

esperar...

Morgana Milletto
Enviado por Morgana Milletto em 29/02/2020
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