Matei

Dramatis Personae

Mateus, qualquer um.

Cicero, policial.

Francisco, psicanalista.

Deus, o próprio.

ATO I

Cena I

(Dentro de um quarto à noite. Penumbra no ambiente iluminado por um pequeno abajur disposto no chão. Janela aberta e muitos sons vindo da rua. Mateus assegura tremulo uma arma).

MATEUS – Matei!

ATO II

Cena I

(Na delegacia)

CICERO – Pode repetir?

MATEUS – Não sei por onde recomeçar (aperta as mãos contra as algemas).

CICERO – Por que atirou?

MATEUS – Foi tudo muito rápido. Se eu pudesse mudava tudo. Ele não merecia.

CICERO – Oh! Arrependido.... Sabe que vai para o xilindró, não é?

MATEUS – Ele era como um irmão. (choro). Nossas mães tinham o mesmo nome. Crescemos juntos. Na mesma rua.

CICERO – Então admite que matou?

MATEUS – Sim! Matei meu irmão, meu amigo.

Cena II

(Na prisão. Três anos depois).

AGENTE PENITENCIÁRIO I – Oh arrombado, tu não limpou o chão. Limpa! Agora!

MATEUS – Sim, senhor.

(Entra outro agente penitenciário).

AGENTE PENITENCIÁRIO II – Mateus? É você? Responde rapaz.

MATEUS – Sim, senhor.

AGENTE PENITENCIÁRIO II – Vem comigo!

(Caminhada pelo corredor escuro até a uma pequena sala).

AGENTE PENITENCIÁRIO II – Mateus, hoje chegou o parecer do juiz. Pode sair em tua condicional. Junta as tuas coisas. Vai para casa.

ATO III

Cena I

(Dentro de um consultório deitado no divã. 15 anos depois).

FRANCISCO – Mateus, como foi isso para você?

MATEUS – O tempo parou. Lembro de cada segundo em detalhes. Lembro de tudo. Tudo!

FRANCISCO – Quais?

MATEUS – Ele fez um barulho estranho. Não entendi. Como um pássaro. Uma vez nos matamos um passarinho com um pedrada. Lá na nossa rua. O passarinho estava no chão. Não conseguia voar. Não lembro que idade nós tínhamos. Éramos muito sintonizados. A ideia surgiu simultaneamente. Cada um pegou uma enorme pedra. Sinto falta dele.

FRANCISCO – Do que?

MATEUS – Ele era uma inspiração. Eu copiava tudo que ele fazia. Às vezes, penso que falo com ele. E, de certa forma, ele virou a minha maldição. Depois que o livro foi publicado e o filme lançado ele ganhou outra vida. Eu virei uma sombra. Hoje, quando dou entrevistas, começo a inventar coisas que não existiram. Não aguento falar a mesma história zil vezes. Às vezes, penso nele com a arma na mão.

FRANCISCO – O que você acha que teria acontecido?

MATEUS – Ele era igual a mim.

Cena II

(No Shopping. Muita conversa paralela. Assina o novo exemplar publicado).

GERENTE DA LIVRARIA - Senhoras e Senhores, o nosso estimado escritor ficará mais 10 minutos. Peço a compreensão de vocês. (Sussurrando ao pé do ouvido de Mateus aponta para seu exemplar).

MATEUS – Não se preocupe. Qual o seu nome?

ATO IV

(No céu.)

MATEUS – Achei que era piada.

DEUS – Por quê?

MATEUS – Desculpe-me. Estou nervoso. Como posso te chamar?

DEUS – Como quiser.

MATEUS – Certo! E, agora?

DEUS – É Mateus! E, agora?

MATEUS – Eu sei. Eu sei. Mas, existe a tal de redenção? Não é?

DEUS – Para que?

(Silêncio).

MATEUS – Eu sei.

DEUS – O que?

MATEUS – Matei!