NATUREZA MORTA COM FRUTAS E UM OBSERVADOR
NATUREZA MORTA COM FRUTAS E UM OBSERVADOR
O TEMPO enquanto humana experiência. A criança nasce em todas as estações. Sai do ventre suja de sangue, depois de ficar meses dentro dele, desenvolvendo-se no líquido amniótico, amarelado. Uma vez expulso pela vagina, é jogado no mundo dos adultos e suas patologias. Lá está a criança depois do parto, melada do sangue dos vasos sanguíneos da mulher. Vasos que se rompem e pouco tempo depois são cicatrizados. Eu fazia parte dessa natureza que já nasce morta para suas próprias percepções inexistentes.
A CRIANÇA nasce numa realidade que desconhece, exceto pelo que já vem com ela devido à memória genética que, na psicologia de Jung, traz consigo o Inconsciente Pessoal da mãe, a partir do qual os seres, ditos humanos, herdam ideias, sentimentos e emoções de seus ancestrais. A memória oculta ou subliminar consiste nos processos PSI inconscientes da memória ancestral. O estilo de pintura “natureza morta” surgiu no século XVI: representada objetos inanimados: livros, instrumentos musicais, frutas, flores, porcelanas, jarros de cristal. Meu nascimento representava-me: eu era uma dessas coisas. Eu precisava, futuramente, encontrar um caminho para a vida. Viver.
A HUMANA idade da criança vem com toda essa mala pesada ou carga genética. E a biologia estuda os processos de transmissão das características da hereditariedade: o tempo passado, o tempo presente e o futuro estão impregnados nele, no conhecimento inconsciente de sua existência subliminar. Esses conteúdos nem sempre se revelam na gnose consciente da pessoa que vai crescer ocupada em sobreviver. A pessoa atormentada por fantasmas ancestrais, vai ter de seguir em frente.
DE UMA para outra geração, que se pode transmitir??? Você só pode compreender o sentido de uma ação, se levar em conta sua intencionalidade, ou finalidade. As pessoas nascem, crescem e se tornam adultas negando, de alguma forma, aqueles que as antecederam. Mas, a negação de minha pessoa e de meus direitos por Mãezona e Paizão Coisinha ultrapassa as fronteiras da racionalidade. Acredito que seja uma manifestação do espírito de perversidade inata contido neles.
ESSE CASAL nascido do Inferno de suas necessidades, rancores, sentimentos e pressentimentos de animosidade e malquerença, queria-me reproduzir a vida miserável que viveram e viveriam sempre. Vingavam-se nos filhos, principalmente em mim, todas as faltas que lhes foram inseridas em todas as fases de suas malditas vidas.
NÃO É demais repetir: esta novela quer juntar os pedaços dispersos de minha memória para que não se percam na falta de compromisso em revelar para mim mesmo, antes que para o caro leitor, minha visão da verdade pessoal, familiar e social. Eu quero uma explicação lógica para a vivência de tanto horror.
JUNTAR OS pedaços em busca da compreensão desse labirinto pessoal, familiar e social do qual fui vomitado da barrigada insana de Mãezona. Ela para mim é um paradigma de todas as mães do mundo. Elas parem suas crianças em meio às forças pessoal, familiar e sociais destrutivas. A suprema covardia é que todas essas forças juntas, formam um enorme muro da vergonha que separa a vida frágil de uma criança das influências mórbidas e imensas do mundo.
MEU TRABALHO no jornal se resumia a escrever minha avaliação do filme do dia exibido num cinema de Niterói ou no Rio de Janeiro. Datilografava pela manhã, na redação do jornal, numa máquina de escrever comum, não havia teclado de computador. Estava na década de setenta. Depois ficava com tempo livre até que, de noite, ia trabalhar no departamento de distribuição do jornal para os municípios da baixada fluminense. Nos fins de semana fazia a cobertura fotográfica dos jogos de futebol nos torneios entre times de peladas na praia do Icaraí, Niterói, situada na Baía de Guanabara.
NA REAL, O que eu queria mesmo era estar vigilante de como meu eu biológico funcionava: as células, o metabolismo, a evolução. Eu lutava por criar interações neurais outras em meu cérebro. Sair da comunidade perceptiva familiar, da empatia entre meus familiares. Encontrar um portal PSI a partir do qual eu pudesse configurar-me, sem a interferência dos membros daquela família leviana, imprudente, maluqueira. Não apenas daquela família: sair das fronteiras PSI daquela sociedade vulgar.
AS INFLUÊNCIAS triviais, frívolas, insignificantes: eu queria, com todas as forças de minha juventude, delas alienar-me. Expulsar de mim, a parte de mim mesmo que à alienação genética, familiar e social eu pertencia. Mergulhar de cabeça num outro tipo de tensões. Criadas por mim. Eu não acreditava que os paradigmas dele, mundo, pudessem ser substituídos, como num passe de mágica. Eu jamais poderia mudar o mundo. Mas, eu poderia mudar minha maneira de me alienar.
ESTE CONHECIMENTO me instruía. A partir dele, de saber que aquele mundo do qual eu começava a me distanciar, não tinha nada para mim. Eu nunca poderia crescer intelectual, mental, emocionalmente em meio àquelas criaturas do Inferno familiar e social. Aquelas criaturas não queriam nem saberiam usar suas vidas para compreendê-las. Muito menos para compreender-me. Nada nem ninguém poderia salvá-los deles mesmos. nem a religião, nem aquele tipo neandertal de educação, nem suas responsabilidades com emprego, com noivado, casamento, responsabilidades familiares de uma sociedade kamikaze, suicida. De uma sociedade carnavalesca, baiana, carioca, paulista, fulana, sicrana, beltrana.