FAMÍLIA DE ARLEQUIM — PICASSO (1905)
FAMÍLIA DE ARLEQUIM — PICASSO (1905)
SE NÃO VIVEMOS de acordo com nossas intuições e decisões, não passamos de macaquinhos amestrados. Se as pessoas são educadas para caírem no molde padrão do consumismo, emprego, salário, supermercado, shopping, então o mundo oceânico em seu redor passa a inexistir, deletado por suas ocupações rotineiras. O mundo no qual estamos dormindo, mesmo depois do relógio despertador ressoar e partirmos em direção ao lavatório para os dentes escovar, esse mundo, no qual vamos trabalhar, é muito mais amplo do que a vidinha no cômodo remanso da zona de conforto.
TODOS E CADA um de nós estamos dormindo o sono da conveniência e da sujeição à uma ordem e a um progresso que nunca será seu, de seus familiares. Exceto na aparência. Pensamos estar a viver uma vida singular, correta, quando estamos apenas seguindo a procissão dos acomodados que fazem o jogo dos supremacistas, nazifascistas globalizados. Suas crianças estão sendo tencionadas por uma educação que não educa. Exceto para um mundo que não mais existe.
ERA NESSE MODELO de educação que Paizão Coisinha e Mãezona estavam engavetando, familiar e socialmente, a filharada. Ninguém naquele “lar amargo lar” questionava nada. Exceto eu. Eu, o estigmatizado. Eu o bode expiatório. Eu, o espancado. Eu o que estava sempre e em todas as ocasiões, errado. Eu, o que estava sendo literalmente sacrificado no altar de uma mulher possuída pelos demônios da credulidade, da ignorância, da boçalidade, do obscurantismo paterno e materno, contra o qual os filhos não podem lutar porque submissos ao respeito que lhes é devido. Não podem lutar porque são instados a todo momento à obediência impositiva, afirmação de uma cultura milenar de autoritarismo caseiro, dos costumes domésticos, da vida privada.
QUANDO EU SUGERIA que um de seus filhos frequentasse um psicólogo ou um psiquiatra, devido a um comportamento tresloucado, Mãezona vinha com sete pedras na palma da mão:
— Essa coisa de psicologia, psiquiatria, é uma bobagem. Existe pra tirar dinheiro das bestas. Existe só para fazer as pessoas abestadas. É ocupação para retardados mentais. — Mãezona entrava, literalmente, em surto verbal. Não parava de atacar e articular argumentos contra a Psicanálise.
TALVEZ PORQUE a Psicanálise tenha sido criada por um médico judeu, Sigmund Freud. E judeu, para quem era supostamente de origem ariana, supostamente superior, com sobrenome alemão, não poderia nunca ter criado algo de bom e de útil para a sociedade. Judeu era anátema. Opróbio. Ela havia chegado a um grau de hostilidade limite, contra tudo e contra todos que mostrassem alguma opinião contra as barbaridades nazistas da IIª Grande Guerra. Paizão era fã do Terceiro Reich e Mãezona sua suposta mulher ariana, não escondia suas simpatias pelo Führer alemão. Mesmo que não costumasse mencioná-lo.
EU HAVIA ESCRITO um livro sobre a descoberta de uma enigmática passagem para uma cidade subterrânea na Amazônia. O livro, escrevi em 2004, dois anos antes de concluir a graduação em Letras Incluía pesquisa sobre os pelotões da Wehrmacht enviados à Amazônia pelo regime do Führer alemão, antes mesmo de iniciar a Segunda Guerra Mundial. Chama-se “A Cultura De Abim”, sobre a deusa-mãe no período pré-histórico, seus vínculos e afinidades com a cultura pagã do nazismo. Uma cópia xerox do livro ficou sobre a mesa de estudos utilizada por mim, na sala de entrada da casa. Mãezona levou o livro para ler em sua alcova. Depois de uns vinte e cinco dias, ela, irritada, devolveu o livro ao lugar de origem, a mesa de estudos. Perguntei:
— Você gostou da leitura, mãe, divertiu-se???
— Não foi o que eu queria ler dos alemães na guerra. Não era bem isso que esperava ler. Não posso dizer gostei não.
— O livro não é contra nem a favor do Führer. Apenas documenta o interesse deles, nazistas, na Amazônia, mesmo antes de começar a guerra.
— Me pareceu sem simpatia por eles...
MINHA EXPECTATIVA era que ela emitisse alguma opinião a propósito de meu fazer literário. Isto não aconteceu. Ela não perdia uma única oportunidade de mostrar indiferença, frieza ou desdém ao que eu escrevia. Isto acontecia desde quando criança. Quando eu lhe mostrava narrativas escritas imitando ações de personagens das historinhas em quadrinhos e do cancioneiro dos cantadores de cordel que eu gostava ouvir e visualizar suas cantorias no Mercado Velho.
ACREDITO QUE A influência da enfermeira de Auschwich, a vizinha doutora Rosen sobre ela, vinha tornando-a quase que uma fanática da mitologia nazi e da consequente crença na dominação dos demais povos do mundo pela cultura do deus Thor da mitologia nórdica. Mãezona estava cada dia fisicamente mais parecida com a “Vênus de Willendorf”, estatueta esculpida há aproximadamente trinta mil anos antes de Cristo, descoberta no sítio arqueológico homônimo, na Áustria. O ventre enorme, carnes adiposas, saliente dos lados. Uma criatura de há 25 A 30 mil anos atrás.
NESSA ÉPOCA houve a extinção dos Neandertais, tendo o Homo sapiens expressivo papel de ator primata nesse processo. Filho de Odin e Frigga, Thor era deus do trovão, das forças da natureza, da tempestade e da agricultura Vikings, nórdicos habitantes da Escandinávia entre 793 e 1066 depois de Cristo. Atacaram e conquistaram a Inglaterra liderados por Guilherme, o conquistador.
NÃO ERA APENAS Mãezona que tinha aversão à cultura literária. Os políticos e empresários de Teresina sempre mostraram a mesma disposição de aversão à cultura e, principalmente, à alta cultura. Acredito que o nome do campo de concentração nazi Terezin (Theresienstadt) foi uma homenagem à cidade de Teresina no Piauí.
EU REDIGIA PROJETOS de escrever, ter uma meia página que fosse num dos jornais da cidade. Participei de reuniões com chefes de redação. Mostrei evidências de minha participação enquanto repórter e comentarista de filmes quando no Rio de Janeiro. Juntavam-se vários fulanos para me dizer que uma meia página custa dinheiro:
— Mas, não é tarefa de vocês vender o espaço do jornal para empresas interessadas em promover-se??? Estou a ofertar um jornalismo de qualidade, promover o jornalismo local. Isto não seria valorizar seus leitores e investir na qualidade de informação e comunicação para seus leitores???
— Você não está entendendo, é preciso convencer uma empresa, um investidor na compra de uma página, de meia página no jornal...
— Desculpa, não compreendo por que vocês não fazem isso. É minha tarefa também vender o espaço em que poderia escrever, a um comerciante??? Vocês não têm profissionais para fazer esses contatos comerciais???
NA REALIDADE não havia, nunca houve nem haverá interesse de donos de jornais em Terezin (Theresienstadt) ou Teresina, em ofertar um jornalismo de qualidade a seus leitores. O que os jornais no Piauí ofertam é um amontoado de fake-news em favor da politicagem a serviço de criminosos do colarinho branco. Veja a atuação do ministro da Casa Civil do Bozo, o político piauiense Ciro Nogueira.
INEXISTE A apuração real dos fatos que envolvam os figurões locais e nacionais do crime organizado, e a devida denúncia deles. A cultura jornalística no Piauí está a serviço da informação que conduz os leitores à aceitação da saia-justa nas redações do jornalismo marrom, sensacionalista de evento policiais e políticos sem o devido zelo aos fatos. Jornalistas que fazem seu trabalho são simplesmente assassinados. O povo piauiense vive e sobrevive sob a gerência de administradores zelosos que fazem valer os interesses dos oligarcas do crime organizado.