CONVERGENCE — POLLOCK (1952)

CONVERGENCE — POLLOCK (1952)

OS EXÉRCITOS de androides passeiam entre os girassóis nos jardins, ruas, avenidas, praças e parques nacionais. Os exércitos de androides plugados em seus celulares a visualizarem os entretenimentos do dia na política, na economia, nos esportes e, principalmente, fixados nos vídeos do entretenimento besteirol. Onde será que será o próximo show de forró no fim de semana???

— “Já comprou seu ingresso para Rock in Rio”???

— “Vou garantir meu ingresso no Rock In Rio”.

— “Vai rolar a festa, vai rolar, pode vir, pode chegar”.

— “O povo do gueto mandou avisar”.

— "Misturando fumaça e cachaça, vamo vê no que é que dá”.

— “Tem gente de toda cor, tem raça de toda fé”.

— “Guitarras de rock´n roll. Batuque de candomblé”.

— “O povo do gueto mandou avisar, a tribo vai balançar”.

— “Vai rolar a festa, vai rolar”.

AS MULTIDÕES são mais previsíveis do que as notícias nos jornais.

MAL SABEM eles e elas que há mais aflição e dor nesse mundo do que cada um deles pode suportar. A juventude desperdiçada na hirta mortalha dos embalos de sábado à noite. Há festa no gueto, porque não podem a própria dor encarar. O autoconhecer-se não dá a cotejar. Estão cheios de medo. Do medo que se esconde por debaixo dos sorrisos alcoolizados. Desejam a proteção por debaixo dos cobertores. Enquanto acontecem os encontros de multidões que se refugiam de seus temores na proximidade mútua, aos bandos, às turbas. A exuberância festiva do mundaréu. Por que não traduzem a letra de Dylan, e a sensibilidade de Gal ao cantar: “It´s all over now, baby blue”??? A estrada é para quem sabe jogar, melhor usar seu bom senso. O exército de renas de Papai-Noel voltou para casa. Seu namorado já vai dando o fora. E agora???

TALVEZ MAMA acreditasse que seria eu a criança sobre a qual ela exerceria um poder tão completo, que minha vida emocional seria transferida para ela. Seu corpanzil, relativamente ao meu, franzino e magérrimo, poderia absorver de mim, de minhas sinapses, neurônios e neurotransmissores, todos os conteúdos possíveis de que fosse portador meu cérebro. Ela talvez acreditasse que lhe fosse possível sugar o cristal central em meu crânio, a partir do qual ela pudesse apoderar-se do meu tempo passado, presente e futuro. Apossando-se de meu tempo. Futuro. Passado. Presente, ela estaria realizada.

MINHA VIDA seria transferida para ela e/ou o marido, por alguma magia negra que extrairia de mim, através da tortura mental à qual me submergiam sem mínimo resquício de compaixão, sem piedade, pelo sofrimento indizível que me causavam. Que defesas poderia eu ter contra essa infiltração de malignidade em minhas percepções de criança???

MÃEZONA ERA uma grande avestruz com a cabeça enterrada na sepultura de suas terras de cemitérios ancestrais. Quem poderia socorrer-me??? Quem se importava comigo??? A quem poderia recorrer e pedir ajuda??? Com que palavras eu me expressaria para me fazer compreender pela linguagem obcecada de adultos que não estavam nem aí para minhas reivindicações por uma oportunidade de sair da proximidade desse indescritível inferno de flagelos e bloqueios emocionais???

QUEM PODERIA descomplicar-me senão eu??? Mas como??? De que jeitinho brasileiro??? A mim não interessava ser mais outro travesti emocional da grande família de avestruzes brasileiros e brasileiras. Eu não queria, de jeito nenhum, ser mais um perdedor que vence o medo deles, seus motivos, suas perversões antepassadas. Não desejava ceder às contingências e eventualidades do Horizonte de eventos de suas infaustas e infortunadas ancestralidades. Seus parentes mais próximos eram os hominídeos muito, muito ancestrais. Eles nem sabiam disto.

EU VIA COM nitidez indescritível que estava sozinho. Não havia ninguém a quem eu pudesse pedir ajuda. Com que palavras eu poderia dizer que estava sendo trucidado por um casal de uma espécie em extinção, que via em mim alguém que não poderia servi-los para nada, exceto para potencializar seus problemas, pelo simples fato de ter nascido. Tio Nenê, nas raras vezes que nos visitava, dava umas dicas:

— Se você quiser sair dessa situação, eu e a tua tia vamos de acolher.

MÂEZONA estava entranhada em mim. Comandava-me de dentro e de fora para que eu não saísse nunca da barra de sua saia. O papel fundamental dela enquanto mãe, era, primeiramente, me anular completamente. Fazer com que eu não tivesse de defender nenhum direito e me orgulhasse em ser, desde criança, o irmão mais velho que se sacrifica pelos demais. Manter-me na coleira curta de necessidades básicas de sobrevivência. É como se ela estivesse sempre a afirmar:

— “O que eu quero de você é que você goste que eu lhe faça sofrer. Sou sua mãe. Abasteci você nove meses em meu ventre. Eu sei o que é melhor para você. E o que é melhor para você é que esteja sempre disposto a se sacrificar por seus irmãos. Ser o cordeiro do sacrifício, o Bode Expiatório. Você devia se orgulhar disso”.

EU NÃO SABIA defender-me. Uma criança em mãos de uma mentalidade de mandingas, feitiços, sortilégios e necromancia. Ela havia me escolhido para a prática de rituais de sofrimentos diários com a convicção psicótica de que esse era o caminho mais certo para ela se livrar das responsabilidades com minha educação formal. Eu precisava de algum apoio emocional, de uma orientação interior que me proporcionasse incentivo a meus interesses de desenvolvimento intelectual. Como dizer que eu precisava da compreensão dela, da empatia dela, se ela me via apenas enquanto vítima???

— “Amor só de mãe”, dizia ela. Onde estava a verdade dessa frase??? Por que nunca me disse a palavra mágica:

— Eu te amo. Há pessoas que não nasceram para dizer “eu te amo”.

A PINTURA de Pollock, “Convergence”, uma das primeiras criações do expressionismo abstrato, arquitetada na vigência da Guerra-fria, Guerra-fria que visava esconder do mundo, desviando a atenção das pessoas dos “Eventos de Rosswell”: o exército e o governo dos EUA e URSS, ocupados em esconder de seus respectivos povos a queda de uma nave espacial. Se os governos e os exércitos dos EUA e da então União Soviética falassem a verdade sobre a recuperação dos destroços, estariam a admitir que os habitantes do planeta Terra não eram mais do que descendentes diretos, muito perto de chimpanzés e gorilas: seus generais e suas autoridades governamentais, não eram mais que hominídeos sapiens.

A LIBERDADE DE expressão dos artistas plásticos estava a revelar sentimentos e ideias que as autoridades buscavam a todo custo esconder. Se o público não aceitava as emoções envolvidas nelas, pelo menos isto não era problema deles, artistas plásticos, dramaturgos, escritores, músicos, cineastas e novelistas.

SE O POVO de seus países aceitava a tarja preta da censura e mentiras ritualísticas de seus governos e de seus militares, sobre os acontecimentos da atualidade que buscavam revelar — (os artistas) e não esconder — (os governos), eles, artistas, revelavam a seus olhos e retiravam a tarja preta da censura de suas bocas, para que não continuassem ignorantes de quem eram, de onde vieram, de como foram criados. Esses artistas, via comunicação estética, revelavam o que as autoridades estavam a esconder para manter a manada sob cabresto curto. E tirarem o máximo proveito disso. Como sempre fizeram. Como fazem ainda hoje.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 07/03/2023
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