Neblina e a Ninja capítulo 5: Deduções

 

CAPÍTULO 5

 

DEDUÇÕES

 

No capítulo anterior, aqui publicado dia 9 deste mês, vemos como Neblina e Z, estando em conferência, são surpreendidos pela notícia de que a quadrilha da Ninja explodiu uma escola, provocando vítimas entre as crianças, como represália à morte de dois dos Bandidos Negros.

Cada vez mais a Ninja mostra que ela e sua quadrilha não possuem qualquer tipo de escrúpulo moral e que não há limites para a sua crueldade. Chocada, Neblina promete que fará a Ninja pagar por suas ações.

 

 

Uma civilização subterrânea, com problemática comunicação entre os países, já não precisa tanto de exércitos. O Brasil era um dos países desmilitarizados. Na verdade poucas nações, como a Romênia, ainda mantinham aparatos militares.

Isso deixava o mundo singularmente vulnerável à ameaça dos grandes bandos organizados, mas Neblina preferia que o militarismo não voltasse. A polícia tinha que ser mais eficiente. Era preciso modernizar as muralhas, impedir a fácil penetração de bandidos.

Ao entrar na Polícia Central, no dia seguinte, Neblina foi sarcasticamente recebida pelo Inspetor Lustosa.

— Ora, aí está ela! Senhora Plenos-Poderes! Como vai a senhora, vai bem?

Ana fitou com asco o desprezível policial:

— Quer satisfações do que foi dito? Peça à pessoa que disse. Eu não tenho nada com isso.

— Ah! Até parece que não foi de você que a Iracema falou.

— Que importa? Não endosso o que ela disse.

A discussão poderia ir longe se Madeira não a interrompesse:

— Chega! Vamos parar com isso! Já temos muitos problemas! Esqueçam a repórter e vamos trabalhar.

Madeira reuniu um pequeno grupo em seu gabinete. Lustosa, Cordeiro, Ruiz, Empédocles e a própria Neblina.

— Cobraram resultados — foi dizendo Madeira. – Pois bem, já os temos. Convoquei todos os alcagüetes e passei Nova Brasília a pente fino. Já temos vinte marginais presos. Nenhum deles é do bando da Ninja, mas o submundo de Nova Brasília está dando apoio a ela. Portanto temos que combater essa quinta-coluna. O Hercílio foi o primeiro contato que nós pegamos; porém mais quatro já confessaram...

Neblina nada falou, mas constatou estar com a razão na posição defendida diante de “Z”, ou seja: os criminosos locais em geral não seriam obstáculo mas auxílio para os Bandidos Negros. “Z” era muito romântico.

A discussão prosseguia, mas Ana prestava pouca atenção. Seu pensamento esforçava-se por definir uma linha de ação para as próximas horas, e pouca esperança lhe advinha daquela reunião.

De repente percebeu que alguém falava em “licença para matar”. Era Ruiz.

— Se não tivermos essa licença, é pouco provável que consigamos êxito diante de assassinos tão perigosos.

— É, mas só o Primeiro-Ministro pode dá-la...

Aqui Lustosa voltou-se para a mascarada:

— Você que é tão amiga daquela figura do ministério, por que não vai ao Jujuba pedir essa autorização para nós?

(Realmente o Primeiro-Ministro Darci era alvo de anedotas por sua mania de comer jujubas e outros doces.)

— Inspetor Lustosa, não cabe a mim, uma vigilante externa autorizada, ir até o Chefe do Governo. Isso cabe ao Secretário de Segurança ou ao Inspetor Madeira. Mas não entendo o que estão querendo dizer. Só podemos matar em legítima defesa. Fora isso só a pena de morte se vier a ser aplicada, mas nós não somos tribunais.

Cordeiro interveio: — Poupe-nos o seu moralismo. Crianças inocentes estão sendo atacadas e mutiladas por essa gang. Até a filha de um amigo meu perdeu três dedos naquela explosão...

— E eu chorei por isso. Entendo os seus sentimentos. Mas nós não podemos agir como eles. Não podemos caçá-los com o objetivo prévio de matá-los.

Ruiz, que não era dos mais hostis a Neblina, retomou a palavra:

— Escute aqui, Neblina. O direito de matar deverá ser usado a critério de cada um de nós. Por exemplo, se eu enxergar a Ninja fugindo, sou bem capaz de matá-la a tiro, pelo mal que ela já fez. Mas se a avistar dormindo, não a matarei friamente. Entendeu?

— Eu matei dois bandidos, mas o fiz no calor do combate. Não estavam fugindo de mim; estavam me atacando.

Madeira sentiu que a discussão estava se desviando muito do tema principal e interveio:

— Vamos esquecer esse assunto por ora.

— Esquecer? — disse Ruiz.

— Eu não vou pedir audiência ao Darci. Tenho mais o que fazer e sou um subalterno. Leve sua ideia ao Adolfo; é um direito seu. Acho mais importante agora convocar os reservistas e manter severa vigilância para evitar novas incursões na cidade...

— E instruir a população, treiná-la em medidas de segurança – lembrou Empédocles, que até aqui se mantivera calado.

Neblina estava insatisfeita no íntimo. As medidas tendiam a ser defensivas! Desde que o uso de aparelhos volantes se tornara tabu — para evitar incursões ao alto das torres energéticas — a polícia se tornara pouco ofensiva. Sem helicópteros e helicarros era muito difícil penetrar na terra-de-ninguém à procura de quadrilhas com grande poder de fogo. E não era justo que a cidade vivesse agora sob cerco.

Neblina concedeu um plano em segredo.

 

 

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Ser uma heroína mascarada tinha suas dificuldades e suas incompatibilidades com a vida social.

Para preservar sua identidade Neblina passava pelo próprio Ministério da Justiça pelos redutos do misterioso “Z” e por passagens secretas dirigia-se ao seu próprio aposento, escavado na rocha. Uma entrevista levava ao fundo do armário embutido da residência pitoresca de Ana Lattini, artista plástica – residência engastada como tantas na muralha protetora.

Física e inventora, Ana desenvolvera uma lapiseira afasta-rocha capaz de, por vibrações, alargar os veios da pedra, abrindo caminho para uma pessoa.

Sozinha em sua habitação secreta – totalmente subterrânea e dotada de luz artificial permanente – Neblina pôs-se a estudar as plantas de Nova Brasília, tentando deduzir onde, nas proximidades, poderiam estar refugiados os bandidos.

Com sua lapiseira mágica, gostaria de abrir caminho na rocha até as proximidades. Só temia descobrir o reduto da Ninja para confiar a Madeira nova investida desastrosa. Melhor seria confiar em “Z”.

De qualquer forma podia acreditar que as ruínas da Vila de Gnaisse, construção fracassada e fora das muralhas, poderiam estar servindo de abrigo temporário.

O raide contra a escola. Uma linha reta, indo da Escola Thales Andrade à Vila de Gnaisse, cruzando a muralha (que ali atingia seus mais baixos níveis) não chegava a dois quilômetros.

Em vez de organizar uma expedição àquele local Madeira e os outros preocupavam-se com paliativos, como distribuir folhetos de instrução à população. Esses folhetos, que orientavam a prevenir assaltos, já estavam sendo redigidos e breve seriam distribuídos. Reservistas seriam convocados, aumentando os efetivos policiais.

Tais medidas não eram em si ruins, mas Neblina raciocinava com grande objetividade: o inimigo era poderoso, tinha um reduto e este teria de ser atacado.

Neblina preparou uma mensagem em arquivo eletrônico para “Z”.

 

 

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Terminado e salvo o texto Neblina aproximou-se do crucifixo sobre o fundo marrom da parede.

— Me ajude — pediu.

Ajoelhou-se e improvisou uma oração:

—Sabeis a quem eu enfrento. É como se fosse um demônio. Não peço por mim, mas pelos inocentes que estão sob ameaça, ou já foram vitimados... apesar dos poderes dessa mulher, dai-me a vitória.

 

 

 

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Neblina ainda estudou o mapa térmico numa das paredes.

Dentro das muralhas, a luz vermelho-escura era escura e significava grande concentração humana. Fora era escassa e quase não se via.

Exceto na Vila de Gnaisse.

Alguém habitava por lá.

 

 

Imagem freepik.com

 

Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 16/07/2023
Código do texto: T7838541
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