A AMPULHETA QUEBRADA, epílogo: A explicação final

 

EPÍLOGO

 

EXPLICAÇÃO FINAL

 

 

Mal houve tempo para que todos vissem e a areia mudou de forma, desfez o nome e amontoou-se num canto.

Paul Conrado, passando a mão em suas fundas entradas, foi o primeiro a se manifestar:

— Caramba! Essa areia está maluca!

— Meu caro amigo Paul — observou calmamente Lotar — você não perde essa sua mania de fazer observações irrelevantes!

— Mas o que...

— Eu posso saber o que significa essa farsa? — exclamou Lux, furioso.

— E eu posso saber — interveio Ariel — porque o senhor ficou com as mãos dentro do seu casaco o tempo todo da experiência com a ampulheta?

— O que? Como você se atreve...

— Agora eu vou me atrever mais ainda. Quero ver o que você está escondendo para atrapalhar a magia!

De repente começou o tumulto.

Lux tentou repeli-la aos berros, mas Ariel o agarrou e num relance rasgou o seu manto, jogando-o longe. E aí apareceu, em seus grandes bolsos internos, uma espada dividida em duas partes.

— Prendam essa assassina! — gritou o mago, enquanto os três anões se precipitavam contra Ariel; mas Lotar deu um calço no Fitoshi, Paul bateu com o guarda-chuva na cabeça do Uuk e Orpanto agarrou Gulpliss num abraço de urso.

— Parem imediatamente! — ordenou o Inspetor Ardósio, secundado pela detetive Elisberta.

— Inspetor, esta é a espada que estamos procurando, a verdadeira, que esse pulha dividiu em duas partes! — exclamou Ariel, procurando não perder o controle dos acontecimentos.

— Como assim? — cuspiu Ardósio.

— Pois não está vendo? Somente o Presidente da Irmandade da Sombra Persistente poderia pegar alguém como Ártemis Olovino desprevenido. Ele não foi morto por sua espada mágica mas pela falsa, que foi encontrada. Veja esta bainha, com o logotipo de Ártemis! A que ponto um homem importante desce por inveja e cobiça!

Lux acertou um soco na cara da elfa, jogando-a para trás meio atordoada, e retirou as duas metades da espada de suas bainhas. Se elas se juntassem formariam uma arma terrível.

Mas antes que ele conseguisse restaurar a forma completa da espada Lotar arremessou a ampulheta sobre o assassino, e o que restava da areia se espalhou pela mão esquerda de Everanto. Este gritou de dor: a areia queimava! Mesmo assim ele ainda tentou ajustar as duas partes da katana, mas o proprietário do Iguatemi, Conde Odivaldo, acertou uma bengalada em sua cabeça.

— Isso é por prejudicar a fama do MEU castelo de festas! — bramiu o muquirana.

Lux tombou ao chão, grogue, deixando cair as duas partes da arma. Incrivelmente porém as peças, momentaneamente libertas da magia de Lux, juntaram-se espontaneamente, a espada reconstituída flutuou sobre o criminoso e desceu de rijo sobre ele, perfurando e atravessando seu peito, cravando-o mortalmente no chão.

 

.....................................................................................

 

 

— Isso é o que a ambição de poder reduz um homem — comentou filosoficamente Lotar Camarral. — Ele não precisava disso.

— Ele já era o presidente da irmandade e um homem de grande poder — replicou Paul Conrado. — O que mais podia querer?

— O poder corrompe — explicou Ariel. — Nós, elfos, estamos mais acostumados a portar certos poderes, como a comunicação com elementais, e não nos deixamos levar tão facilmente. Mas vocês, humanos, são muito suscetíveis... muito vulneráveis à vontade de poder.

— Mesmo assim, Ariel... ele já tinha poder, como eu disse.

— Sim, Paul, mas ele queria mais. Não se trata no caso de simples hierarquia na irmandade. Ele queria o poder da espada de Ártemis, que só Ártemis tinha. Com certeza, usou a outra espada, pois com a de Ártemis jamais poderia matá-lo. Ele se aproveitou da confiança que nosso amigo tinha nele.

— Por sorte — concluiu Elisberta, ansiosa por falar alguma coisa útil — estamos reunidos em grande número, pois não será fácil explicar a morte de homem tão importante. Somos onze...

— Perdão, mas somos oito — corrigiu o Doutor Lacustre, que já preparava o atestado de óbito (“morto por golpe espontâneo de espada mágica”). — Os três anões se mandaram sem a gente perceber.

— Não importa — disse o Inspetor Ardósio. — Eles serão devidamente convocados a prestar depoimento.

— Eu não contaria com isso, inspetor — lembrou ironicamente Lotar. — Anões não gostam de se meter em encrencas em território humano, já devem estar a caminho da fronteira. Resta saber quanto Everanto pagou a eles...

— Senhoras e senhores, por favor, me escutem com atenção — disse inesperadamente o proprietário do castelo, Conde Odivaldo. — Tenho uma questão muito importante a levantar.

— Pois não, senhor conde, pode falar — respondeu o inspetor, intrigado.

— É o seguinte: quem vai pagar a minha bengala de cabo de ouro, que eu quebrei na cabeça desse assassino? Eu a usava há quarenta anos e seu valor é inestimável!

E a princesa elfa Ariel sussurrou a Lotar a frase final desta história:

— Uma vez muquirana, sempre muquirana...

 

 

(Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 2009 a 25 de outubro de 2023. Nota: este conto ficou muito tempo inacabado.)

 

 

 

 

Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 04/11/2023
Código do texto: T7924738
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.