A FACE OCULTA DA GALÁXIA capítulo 5: A nave esquartejada

 

CAPÍTULO 5

 

 

A NAVE ESQUARTEJADA

 

(No capítulo anterior a espaçon ave de passageiros onde seguia a equipe da Cosmopol foi tomada por uma briga generalizada envolvendo quatro grupos: o do falso circo, o do Dr. Azambuja, os tripulantes e os próprios agentes da Cosmopol. Por fim Beng ordena a retirada para proteger o segredo (?) da missão. Mas quem seria o misterioso homem da bengala, que usava o nome de Dr. Azambuja e se fazia passar por um velho decrépito atá começar a luta?)

 

 

 

Resolvi apressar as coisas. Se ficássemos nos salamaleques, fatalmente nos apanhariam.

— Beng, o que vamos fazer? Vai falar com o capitão Fleischman?

— Não sei se ele ainda está vivo, mas não temos nada com ele...

— Mas...

— Nem “mas” nem “meio mais”. Nossa missão é ultra-secreta e não quero ter que revelá-la ao capitão.

— Grande! Vamos passar o resto da viagem brincando de gato-e-rato?

— É claro que não, Vésper! Vamos pegar uma chalupa e pirar daqui!

Quase me engasguei ao responder:

— O que?!

Valentina me pegou pelo braço, com uma intimidade que eu não lhe dera:

— Você ouviu. Vamos azular daqui. A outra opção, a essa altura, seria tomar a Petúnia, mas o que faríamos com os tripulantes e os passageiros? Há crianças a bordo também.

Ela falando assim, parecia até uma pessoa sensata. Eu quase podia acreditar que ela se incomodava com a sorte dos inocentes, mas um raciocínio frio me dizia o contrário. Por isso respondi na ponta da língua:

— Vamos abandoná-los à própria sorte então? Nós representamos a Terra. Sabendo quem somos, o Capitão Fleischman terá de nos dar apoio e cobertura.

— Sim, só que ele não sabe e nem pode saber — objetou Beng.

— Ele que se vire, Vésper — ajuntou Rotterdam. — Vamos sair daqui e o problema agora é dele. E tem que ser agora, antes que nos detenham.

Lembrei-me da xulezada que Fleischman recebera e tive pena dele, às voltas com aquela horda de ensandecidos.

— Mas, gente... — ainda tentei ponderar.

— Basta, Vésper — Beng foi taxativo. — Cada segundo que perdermos pode ser fatal. Tenessee, chame as nossas bagagens.

Tenessee pôs-se então a digitar os códigos das cinco bagagens, que tivéramos o cuidado de inserir eletromagneticamente em cada lenço, caneta ou calcinha, para que tudo se reunisse nas malas e viesse voando. As malas estavam equipadas com chaves universais, adaptáveis a qualquer fechadura normal, um segredo e um trunfo da Cosmopol.

Eu era voto vencido, mas ainda me lembrei de perguntar à Valentina:

— Você sabe quem mais caiu naquela briga? Parece que o pseudo-velho liquidou o mágico. E o palhaço? Você não estava brigando com ele?

Ela fez um gesto de desprezo.

— Acredito que eu botei a cara dele para dentro. Não sei se já conseguiu endireitá-la.

Justamente o que eu gostaria de fazer com o Beng naquele momento. Mas eu estava ligada a uma missão e, pelo que parecia, era a mais importante da minha carreira de mercenária. Ou talvez a única importante. Calei-me, mortifiquei-me. Por mais que odiasse a decisão de Beng, restava-me obedecer, ou teria todos contra mim.

As cinco bagagens chegaram voando. Súbito dois autômatos de serviços apareceram ao longe, gesticulando e gritando “Parem, em nome do Capitão!”. Valentina varreu-os com feixes calóricos, sem esperar qualquer instrução. Tenessee, que era um bom técnico eletrônico, já nos acenava para uma nave salva-vidas que conseguira compatibilizar. Embarcamos rapidamente, enquanto eu pensava: destruímos propriedade particular, e Beng nem se importa.

Rotterdam e Tenessee começaram a digitar os comandos necessários. Passamos para a câmara de descompressão, e Rotterdam comandou a abertura da porta para o vácuo.

— Que faremos nesta nave? — perguntei, perplexa — Representamos o governo da Terra e vamos virar fugitivos?

— Cale-se! — disse Valentina — Já está me chateando com as suas reclamações!

— Quem falou com você? — respondi, aborrecida. — Estou falando com quem manda na missão.

— Vésper — atalhou Beng — o Gaspar está por perto e vai nos resgatar. Agora temos de ir em nave oficial.

Olhei-o, já quase em pânico.

— O que? Vamos ter que aturar aquele maluco de novo?

Tenessee, que, como eu disse, falava pouco, tratou de pilotar o bote, primeiro compatibilizando-o com a nave-patrulha do Prof. Gaspar, o nosso teórico. Tenessee ligou a tela de flutuação e localizou o sinal de Gaspar, da nave Golem III. A linha de compatibilização gravítica foi surgindo na tela e eu, sentada ao lado, sentia-me fascinada com o trabalho do meu amigo.

Mas aí o Rotterdam veio nos chamar.

— Está acontecendo uma coisa dramática na Petúnia! Venham ver!

Na tela panorâmica assistimos, os cinco, a espantosa separação de uma parte da astronave. A aleta esquerda destacou-se em meio a uma fulguração branca e trêmula.

— Uma estase! — exclamou Beng, incrédulo — Aquela parte está passando para o hiperespaço!

— Não posso crer... — observou Valentina, demonstrando uma erudição que eu não lhe supunha. — Uma estase fracionada de alta precisão, com cálculo matemático infinitesimal. Algum gênio da Física está por lá, sem dúvida!

Mas as surpresas não haviam cessado. Logo, um fragmento que depois identificamos com a multibiblioteca de bordo, separou-se também numa estase mais grosseira e, como a porção anterior, perdeu-se no hiperespaço.

Fizemos uma reunião.

Beng estava preocupado:

— O que aconteceu significa que os nossos inimigos passaram à nossa frente. Um grupo e depois o outro, passaram para o hiperespaço mediante a cisão por estase de partes da nave. O resto... ficou. Se o sistema obturante de magiplast estiver funcionando bem, os ocupantes da Petúnia devem ter sobrevivido.

Evel Rotterdam acendeu um cigarro, hábito que eu detestava, e observou:

— Eu ainda não consegui entender claramente o que houve...

— Eu penso que entendi, Evel. De algum modo a nossa missão transpirou. Existe algum traidor, ou vários, na Cosmopol, e deram o serviço aos inimigos. Aquele circo, certamente, está a soldo de algum grupo político ou potência extraterrestre que se opõe ao governo da Federação. Quanto ao outro grupo... do homem da bengala... é a mesma coisa. Só que um grupo não devia saber da presença do outro.

— Queriam nos pegar, então. — falei.

— Isso mesmo, Vésper. Só que se esbarraram mutuamente e entraram em choque. Eu queria saber quem é esse homem da bengala! Ele é terrivelmente perigoso.

— Sim, Beng, mas veja bem — interrompeu Tenessee. — Eles estão mais bem aparelhados do que nós. A gente não tinha como provocar estase separatista, e eles tiveram. Os dois grupos. Isso é assustador.

Rotterdam opinou: — Tenessee, você não vê que é porque o nosso patrão — como sempre, aliás — não quer gastar dinheiro? Esse é o mal de se trabalhar para o governo!

— O que nós faremos? – eu procurava ser prática

Beng respondeu: — Nós teremos que recuperar o terreno perdido. Não precisamos mais fazer baldeações: iremos direto para o nosso destino. As falsas identidades morreram: vamos utilizar as de reserva para o caso de precisarmos.

— Há uma coisa que me preocupa... se o tal cristal translúcido de sei-lá-o-que dimensional não pode ser tirado de onde normalmente está, sob pena de desequilibrar a harmonia cósmica...

— E quem disse que isso já não está acontecendo, Vésper? O buraco negro de Arcturo está se expandindo há meses, em consequência disso.

Eu e Valentina tivemos reações semelhantes, fruto de nossa comum ignorância de fatos; pulamos, mas a viking tornou a frente:

— Você quer dizer que o universo já está se desintegrando na nossa presença?

— Calma, meninas, não entrem em pânico. Nós não sabemos até onde o processo irá; mas o fato é que duas espaçonaves foram tragadas por aquela singularidade. A chapa ficava a 500 anos-luz de distância, na nuvem Obi-Wan. Nós teremos de levá-la de volta, custe o que custar.

— Mas porque foi que a levaram, e como não puderam perceber o risco? — quis eu saber

— Coisas da política — desdenhou Rotterdam, jogando anéis de fumaça nojenta pela boca. — Provavelmente os sombrios querem mais poder...

— Não lhes posso revelar tudo — atalhou Beng — O que posso dizer é que Vichtis, o ser que devemos matar, é considerado extremamente perigoso para a segurança e a soberania dos povos galáticos. Manipular um abismo negro é tomar posse de um poder incomensurável, de meter medo.

— Nós o pegaremos, chefe — tranquilizou Valentina. — Não é, Vésper? – e assim dizendo ela me cutucou com o cotovelo.

Não lhe respondi.

 

 

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No próximo episódio haverá muitas surpresas. Forçados a fugir da nave de passageiros Beng e sua equipe: os agentes Rotterdam e Tenessee e as mercenárias Vésper e Valentina, são resgatados pela espaçonave do excêntrico Professor Gaspar, teórico da Cosmopol, que os acompanhava de perto como uma reserva estratégica. Gaspar e Beng nunca se deram bem e não é agora que mudarão de atitude. A equipe de assistentes de Gaspar é bastante bizarra, porém lá está uma pessoa muito especial, cuja simples presença mudará o rumo da história numa "curva de argumento". Não percam de forma alguma o próximo episódio de "A face oculta da Galáxia":

 

CAPÍTULO 6

 

A PESTE ESPACIAL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 26/12/2023
Código do texto: T7962672
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