A FACE OCULTA DA GALÁXIA capítulo 7: Rumo a Sombrio

 

CAPÍTULO 7

 

 

RUMO A SOMBRIO

 

(No episódio anterior, "A peste espacial", vimos aparecer inusitadamente na narrativa a personagem Lícia Murdoch, neta do Professor Gaspar, uma pestinha tão completa em seus dez anos que chegou a desafiar a perigosa mercenária e assassina profissional Valentina. Lícia também não gostou do diretor Beng, que teve um ataque de raiva ao constatar a presença de uma menina na equipe de Gaspar. Beng e Gaspar não se topam, mas agora terão de trabalhar em conjunto. Neste episódio travaremos conhecimento com um dos membros da equipe de assistentes do excêntrico Gaspar: a seca e mal-humorada Maturina.)

 

 

 

Cintilante era uma anã amarela como o Sol, cercada por quatorze planetas e por uma nuvem periférica de cometas, asteroides e meteoros. O quarto planeta, Sombrio, era muito semelhante à Terra nas medições de hidrosfera, litosfera, atmosfera, magnetosfera, densidade e outros dados; seus satélites porém eram quatro, indo de quatrocentos a mil e quinhentos quilômetros de largura e provocando marés catastróficas, de modo que naquele mundo não existiam muitas cidades litorâneas.

Chegar lá numa missão secreta de espionagem utilizando uma nave oficial da Cosmopol poderia ser suicídio, mas o caso já se encontrava contornado pelo Prof. Gaspar, pois a sua nave era um laboratório científico.

— Para todos os efeitos — disse-nos Gaspar — nós estamos investigando o processo de estocagem de energia no vácuo, a assimetria matéria/anti-matéria observada no decaimento dos mésons K-zero e o problema da flecha do tempo. Estou sendo claro?

— Como ameixa — respondi — Mas continue!

— Um momento! — berrou Beng — Está esquecendo uma coisa, Gaspar: quem manda aqui sou eu!

— Aqui nessa nave quem manda sou eu!

— Você pode ser o dono da nave, mas o líder da missão sou eu!

— Está muito bem. Quando sairmos ao ar livre você dará as suas ordens.

— Qualquer coisa eu “tasco” ele com o meu taco de beisebol, vovô — acrescentou a Lícia.

Beng fez um gesto de desalento.

— Eu ainda peço a minha aposentadoria se continuar esbarrando com esses conflitos de jurisdição da Cosmopol!

— Chefe — obtemperou o Tenessee, que era meio adulador — por que você não endossa a ideia do Gaspar? Ela até que é boa, e aí você ordena a todo mundo para fazer assim...

— Mas aí nós vamos ter que aprender alguma coisa dessa parafernália científica. Vamos dispor de algumas horas, eu penso.

— Meus assistentes darão uma aula rápida — esclareceu o cientista. — De qualquer modo, não nos farão nenhum interrogatório. Se houver necessidade de falar à mídia, eu falo.

— Há uma coisa que eu gostaria de perguntar — interferi — Se bem entendi, o general Vichtis se apossou do artefato que nós vamos buscar. Mas esse artefato não é nosso, ou melhor, não é de ninguém. É de Deus. Quem deu jurisdição à Cosmopol ou à Terra para ir buscar o objeto?

— Uma pergunta bastante idiota — aqui o Gaspar, com sua mania de chamar os outros de idiotas (dizem que é por isso que ele tem o nariz torto), passou antipaticamente à frente do Beng. — Veja bem, Vésper: o artefato não é nosso, é um objeto cósmico, mas se nós não o pegarmos, e não o recolocarmos no lugar simplesmente vamos morrer. O governo da Federação reconheceu o problema e resolveu agir.

— E aí envia um bando de gatos pingados para resolver um assunto desses? Desculpe, Gaspar...

— Professor Gaspar, se faz o favor.

— Vá à merda! – a contragosto, cuspi um palavrão, coisa que normalmente eu não faço, mas aquele homem às vezes era insuportável — Eu quero saber por que o governo da Terra não falou diretamente com o de Sombrio, porque não alertou outras potências, porque não pressionou às claras. Porque nós podemos fracassar, bolas! E aí, como é que fica o universo?

— Eu suponho — interveio Beng – que existem suficientes argumentos burocráticos para responder às suas perguntas. Lembre-se que o Estado é um monstro, e segue lógica de monstro.

Graças a Deus, em nossa época as embaixadas assumiram o aspecto de pequenos estados, algumas das dimensões de antigos países da Europa, como São Mariño, Liechtenstein ou o Vaticano. Em Sombrio, a embaixada terrestre possuía espaço-porto e para nela baixarmos não precisávamos de prévios passaportes. O resto se veria depois.

Na opinião de Gaspar a Golem III devia ter passado despercebida aos serviços de contra-espionagem, por isso o caminho talvez estivesse livre, sem nenhum homem de bengala pela frente. Talvez. As minhas cicatrizes, porém, doíam, e isso não me deixava tranquila.

Com esse sombrio estado de espírito, fui observar o planeta chamado Sombrio, pela janela panorâmico-telescópica da astronave. Naquele momento não havia ninguém e, desprezando assentos, aproximei-me do magiplast translúcido e contemplei o mundo que se aproximava. Sombras, sombras intermináveis cobriam grande parte daquele orbe, projetando-se de assustadoras cordilheiras pontiagudas como garras de bruxa; verdadeiras muralhas corriam pelos continentes, sustentando platôs sinistros e frequentemente formando medonhos anfiteatros. No meio de imensos planaltos apareciam gigantescas depressões circulares que pareciam se dirigir ao centro daquele planeta, e essas eram as zonas mais profundamente escuras, como se fossem aberturas para as regiões infernais. Eu detestaria ter de penetrar naqueles poços de Hades, aquelas visões me davam calafrios de horror.

— Mas que legal!

Voltei-me. Lá estava Lícia, a nova versão do Biquinho. Ou do Denis. Ela estava extasiada com a visão do planeta.

Mesmo sendo uma empedernida mercenária, eu gostava de crianças. Aproximei-me dela:

— Querida, eu tenho que lhe agradecer pelo banho que você deu na viking...

Ela me sorriu.

— Eu gosto de você, Vésper. Você é muito boa. Qualquer coisa... é só me chamar — falou, com ares de fanfarrona.

— Mas tome cuidado. Não irrite a Valentina, ela é muito perigosa.

— Será que é mais do que eu?

— Você é uma criança!

— Não faça pouco de uma criança. Você não sabe do que sou capaz.

— Eu já vi um pouco... mas não seja temerária, por favor. Não entendo porque o Gaspar trouxe você numa viagem dessas...

— Ele não teve escolha. Eu disse a ele que queria vir e não houve meio de me convencer.

— Você é dura na queda, hein?

— Eu sou! Ele só conseguiria vir sem mim se me deixasse acorrentada numa árvore ou coisa parecida.

— Bem... o que você acha de Sombrio?

— Ih, é espetacular! Parece coisa de filme de terror! Estou louca para chegar lá!

Afaguei os cabelos sedosos da menina e ela olhou para mim, surpreendida. Talvez não estivesse acostumada com os afagos dos adultos.

— Você está com medo, Vésper?

— Não, Lícia. Se você quer saber, eu não tenho medo de nada.

— Eu sei que não. Você é Vésper. A sua fama é conhecida.

Passos de salto alto se ouviram por trás de nós. Uma mulher magérrima, que vivia quase permanentemente com as mãos nos bolsos do jaleco, aproximou-se de nós.

— Estão apreciando essa vista horrorosa?

Voltei-me para a gélida Maturina, uma das assistentes do Gaspar. Conhecia a peça e não me agradava nem um pouco da sua presença.

— É um planeta interessante... — observei fingindo indiferença.

— Horroroso. É o que é! Um planeta horroroso!

Falava do alto de seus 1,80m e em tom de superioridade. Eu não ligo muito para essas idiossincrasias, porém Lícia pulou:

— Que é isso, Maturina! É um planeta formidável, maravilhoso! Olhe só que abismos, que cumes pontiagudos! Já pensou que monstros habitam esses boqueirões?

Ela riu, sem tirar as mãos dos bolsos.

— É que você gosta do horrível. Mas para mim horrível é horrível.

— Então para que você veio?

— Para ganhar esse meu horrível salário, é claro!

Em meu faro íntimo eu me sentia apreensiva. Afinal, desde quando a Cosmopol admitia que crianças embarcassem em missões secretas e tomassem conhecimento de segredos de estado?

 

(E assim a situação vai evoluindo e reservando muitas complicações. No próximo episódio veremos mais atritos entre Beng e Gaspar e a presença de outro membro da equipe do professor: o tétrico e pessimista Paulo Eduardo, mais conhecido como o Caveira. E reaparece na trama o grande inimigo do grupo: o terrível homem da bengala, até aqui conhecido como o Dr. Azambuja. Ah, sim: a pestinha Lícia terá um grande desempenho.)

 

 

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Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 09/01/2024
Código do texto: T7972992
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